Estudo alerta para o colapso financeiro das redes de ensino devido à pandemia

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Estudo alerta para o colapso financeiro das redes de ensino devido à pandemia

Estados têm mais gastos em iniciativas remotas e menor arrecadação por causa da desaceleração econômica; aprovação do Fundeb é uma das soluções

Por Stephanie Kim Abe

Há aproximadamente três meses, aulas foram interrompidas e escolas foram fechadas em todo Brasil com a chegada da pandemia do novo coronavírus. Desde então, os governos de municípios e estados têm realizado diferentes ações para assegurar que aulas ou atividades continuem chegando aos alunos, buscando não interromper o processo de aprendizagem. Considerando o ineditismo da situação e que nenhuma dessas ações estavam previstas no orçamento, como ficam as contas das redes de ensino?

O estudo Covid-19 – Impacto Fiscal na Educação Básica, elaborado pela Instituto Unibanco e pelo movimento Todos Pela Educação, olha justamente para essas dificuldades financeiras que as redes enfrentarão este ano, devido à pandemia. Lançado no último dia 03 de junho, o estudo analisa também a queda na arrecadação de impostos vinculados à Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), fruto da retração econômica.

Pela soma desses dois movimentos, alerta-se para uma necessidade de recursos nas redes estaduais de educação que pode chegar a R$ 30 bilhões – evidenciando “o risco de uma significativa desorganização das redes de educação em todo o país”.

Acesse o estudo Covid-19 – Impacto Fiscal na Educação Básica


Gastos adicionais para enfrentar a pandemia

Para analisar as medidas tomadas pelas redes de ensino estaduais, o estudo se baseou nos dados de 22 governos estaduais respondentes do levantamento Frente de Melhoria do Gasto Público, do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação).

Entre as soluções implementadas para garantir o ensino remoto, estão a compra de pacote de dados, o investimento em plataformas on-line, o uso de rádio e televisão para a transmissão de aulas e a entrega de material impresso para as famílias.

A entrega de cestas básicas e a compra de vouchers foram ações adotadas para garantir a segurança alimentar. Além disso, 72,7% dos estados respondentes realizaram formação de professores para o ensino remoto, e 68,2% a elaboração de guias e informativos.

De acordo com o estudo, essas ações de enfrentamento à pandemia trouxeram um total de gastos adicionais de cerca de R$ 2 bilhões para as secretarias estaduais de educação, considerando um impacto de quatro meses com compras de cestas básicas e vouchers de alimentação.

Isso sem contar outras despesas adicionais que devem surgir com a retomada gradual das aulas nos próximos meses. Estão previstas soluções de distanciamento social e segurança sanitária a serem adotadas pelas redes de ensino para preservar a saúde dos estudantes e profissionais da escola nesse processo – como construção de mais banheiros, adequação dos espaços, equipe para ministrar aulas de reforço e abertura da escola aos finais de semana.


Menor arrecadação fiscal pela queda na economia

Se por um lado há mais gastos, o mesmo não acontece com os recursos. A pandemia provocou não só o fechamento de escolas, mas também a paralisação do comércio e da indústria. A queda da atividade econômica por todo o país significa menor arrecadação de impostos.

Na Educação Básica, os recursos orçamentários das redes de ensino são provenientes de impostos e transferências vinculadas à Educação, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), o Fundo de Participação dos Estados (FPE), o Imposto sobre Serviços (ISS) e o Salário-Educação. Consequentemente, se há menos arrecadação, há menos dinheiro para investir em educação.


Os recursos vinculados financiam despesas tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior e representam 72% do total de investimento público em educação

Estudo Covid-19 – Impacto Fiscal na Educação Básica

Com dados financeiros extraídos das bases oficiais da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e levando em consideração o impacto da retração na arrecadação de impostos, foram simulados três cenários em relação à carga tributária estadual vinculada à educação:

  • Cenário A (mais otimista): retração de 8%, no ano
  • Cenário B: retração de 15%, no ano
  • Cenário C (mais pessimista): retração de 25%, no ano

O estudo comparou a disponibilidade fiscal mínima de recursos para investimento na Manutenção e Desenvolvimento de Ensino (MDE) nas redes estaduais em 2019, que foi de R$ 110,8 bilhões, com as projeções desses cenários em 2020, de forma a mostrar o quanto os governos estaduais estão perdendo desse montante:

Os resultados mostram uma variação de R$ 9 bilhões a R$ 28 bilhões em perdas de recursos vinculados à Manutenção e Desenvolvimento de Ensino (MDE) nas redes estaduais de educação.

“Tomando o conjunto de 15,3 milhões de estudantes em redes estaduais de Educação Básica, isso significaria uma redução média no investimento anual por aluno de R$ 579 no cenário A, de R$ 1.086 no cenário B e de R$ 1.809 no cenário C”, diz o estudo.


Aprovação do Fundeb é urgente e necessária

Diante desses cenários, o estudo aponta estratégias chave que devem ser adotadas pelas diferentes esferas de poder para mitigar esses impactos fiscais e garantir recursos para a educação. Uma gestão orçamentária eficiente, com racionalização e otimização de gastos, deve ser prioridade para as secretarias de educação.

Já no âmbito do Congresso Nacional e do Governo Federal, as recomendações são de se preservar e aumentar o orçamento de programas suplementares, como o PNAE e o PDDE, e de aprovar a renovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Esta última é vista como urgente e essencial, já que o Fundeb está previsto para acabar em 31 de dezembro deste ano.

O Fundeb é o dispositivo responsável por redistribuir aos estados aproximadamente 50% dos impostos e transferências vinculadas à educação, reduzindo as desigualdades de recursos entre e dentro dos estados e garantindo financiamento a todas as etapas da Educação Básica do país.

“Para 2.150 municípios, 70% dos recursos que custeiam a educação vêm do Fundeb, segundo dados organizados pelo Todos Pela Educação”, diz o estudo.

As entidades pretendem lançar outros relatórios, nas próximas semanas, que analisam também o panorama das redes municipais de educação.


CENPECExplica: Fundeb na prática

Ainda que essencial para o financiamento da educação brasileira, o Fundeb é um dispositivo difícil de explicar e entender – até mesmo para quem é da área de educação. Por isso, o CENPEC Educação entrevistou diversos especialistas sobre o assunto e produziu um conjunto de matérias explicativas, intitulado Fundeb na Prática, que faz parte da série #CENPECExplica.

Veja todas as matérias:

Caio Callegari: “O Fundeb é como uma válvula que redistribui o sangue em cada órgão”: como funciona o Fundeb atualmente

Caio Callegari: “Com Fundeb mais redistributivo, haveria menos desigualdades”: uma proposta para ampliar a redistribuição do Fundeb

Caio Callegari: “Redistribuição, complementação e qualidade são disputas no Fundeb”: quais são as principais propostas em análise no Congresso

Cleuza Repulho: “O Fundeb é a principal fonte de salário de professores”: por que o Fundeb é, sim, assunto que chega à sala de aula

Romualdo Portela: “Não aprovar o Fundeb seria um desastre completo”: os possíveis caminhos para o principal mecanismo de financiamento da Educação Básica

Para saber mais:
Acesse todas as matérias sobre Fundeb no Portal CENPEC Educação

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