PISA 2022: como agir para garantir mudanças estruturais

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PISA 2022: como agir para garantir mudanças estruturais

Especialistas comentam a estagnação dos resultados do Brasil no PISA 2022 e reiteram a necessidade de mudanças estruturais para que possamos garantir a aprendizagem das(os) estudantes

Por Stephanie Kim Abe

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) 2022 foram divulgados na última terça-feira (dia 05/12) pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e são mais uma evidência de como a aprendizagem de crianças e adolescentes no mundo todo foi comprometida com a pandemia.

Entre a média dos 36 países da OCDE, houve uma queda sem precedentes na pontuação da maioria dos países avaliados entre 2018 e 2022: 15 pontos em Matemática e 10 pontos em Leitura (o dobro da queda entre as edições de 2015 e 2018). Não houve mudança significativa em Ciências.

Alguns países asiáticos (Japão, Singapura, Coreia do Sul e Taipei) conseguiram manter a sua trajetória ascendente, contrária a essa queda brusca que países como Canadá, Dinamarca e Finlândia apresentaram.

O Brasil também apresentou queda em seus resultados, mas elas foram menores do que as apresentadas pela OCDE: 397 em Matemática (menos 5 pontos em relação a 2018), 410 em Leitura (menos 3 pontos) e 403 em Ciências (menos 1 ponto em relação à última edição). 

Apesar de conseguir subir algumas posições no ranking dos 81 países que participaram do PISA 2022, os resultados brasileiros seguem bem abaixo da média dos países da OCDE – um fenômeno que segue sem mudanças significativas há pelo menos 15 anos. 

Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec, explica como podemos olhar para esses resultados:

O fato de que as nossas notas já eram bem baixas talvez explique por que não caímos tanto quanto os outros países.

Os resultados brasileiros são reiterativos, o que significa que esse diagnóstico de que a educação brasileira vai mal não é novo. Nós nos mantivemos no quartil inferior – inclusive atrás de países cuja situação econômica e social é pior que a nossa. Me parece mais importante, assim, nos concentrarmos menos nas filigranas do exame e focar no que podemos fazer para alterar substancialmente essa situação”, diz.

Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec

Leia entrevista de Maria Amabile Mansutti sobre os resultados do PISA 2018

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Entendendo o PISA e o que ele mede

O PISA acontece a cada três anos, mas a última edição, que deveria ocorrer em 2021, foi adiada por um ano por conta da pandemia. Ele avalia estudantes na faixa dos 15 anos em Leitura, Matemática e Ciências por meio de questões dissertativas e de múltipla escolha.

A cada edição, uma área do conhecimento é focada, o que quer dizer que há mais questões referentes a ela. Em 2022, a área focada foi Matemática, assim como ocorreu nas edições de 2012 e 2003.

Em entrevista ao canal CNN Brasil, Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, explicou de que maneira a OCDE busca avaliar essas três áreas, não focando em conteúdo: 

Foto: Print da entrevista ao canal CNN Brasil

O PISA não mede o que você aprendeu. É o quanto você consegue utilizar aquilo que você aprendeu em situações diferentes. Ou seja, ele mede, em Matemática, se você consegue pensar matematicamente, e não se decorou a fórmula da equação de segundo grau, a chamada fórmula de Bháskara”.

Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades


📍 Os resultados são divididos em seis níveis, sendo que o nível 2 é aquele em que a OCDE considera que a(o) estudante atingiu a proficiência mínima esperada para a faixa etária.  10.798 estudantes brasileiras(os) de 599 escolas participaram da edição de 2022. A mostra representa cerca de 2,2 milhões de estudantes nessa faixa etária – o que corresponde a 76% dessa população no Brasil. 

Apenas 27% das(os) estudantes brasileiras(os) atingiram pelo menos o nível 2 de desempenho em Matemática (ou seja, pontuar mais que 420). Isso significa que 7 em cada 10 estudantes brasileiras(os) não conseguem, por exemplo, comparar a distância total de diferentes rotas ou converter os preços para outras moedas. Em países como Cingapura, Japão e Taipei, 85% das(os) estudantes atingiram esse patamar.

No extremo oposto, apenas 1% das(os) estudantes brasileiras(os) alcançou os níveis 5 e 6 de desempenho em Matemática. Essas(es) alunas(os) conseguem modelar matematicamente situações complexas e selecionar, comparar e utilizar estratégias de resolução de problemas para lidar com elas. 

Em Leitura, metade das(os) estudantes brasileiras(os) alcançaram o desempenho mínimo – a média dos países da OCDE é de 74%. Em Ciências, a média brasileira foi de 45% das(os) estudantes com nível 2 ou maior, contra 76% da OCDE. 

Catarina de Almeida Santos, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) e integrante do Comitê DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, acredita que é preciso ter cuidado na hora de olhar para os dados da OCDE e mesmo tomá-los como significado de qualidade na educação.

Foto: acervo pessoal

Os países que apresentam os melhores resultados no PISA não são organizados pensando no PISA ou em qualquer avaliação. Porque quando um sistema se organiza para tal, ele tem um limite. O nosso sistema de ensino deve se organizar para garantir que os estudantes tenham um amplo desenvolvimento e, como resultante desse processo, também apresentem um bom desempenho numa avaliação em larga escala”.

Catarina de Almeida Santos, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB

Considerando a forma como o PISA trabalha habilidades e competências, em vez de olhar apenas para o conteúdo em si, como explicado por Cláudia Costin, é ainda mais lógico que se trabalhe a partir de um currículo que leve em conta esse desenvolvimento pleno das(os) estudantes.

No Brasil, as disciplinas que têm grande carga horária são justamente essas que estão nas avaliações em larga escala. Mas quem disse que centrar treinamento em português e matemática é tudo o que o estudante precisa para se desenvolver – inclusive nessas disciplinas? Para desenvolver o estudante em todos os seus aspectos, é preciso organizar a escola pautada nos problemas e nas potencialidades que existem na sociedade. Como queremos desenvolver bem nossos estudantes se aquilo que faz parte da sua vida, do mundo real não faz parte do currículo?“, questiona.

Catarina de Almeida Santos, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB

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Negligência histórica a problema estruturais

Catarina aponta ainda a necessidade de mudar tanto o currículo como o processo de ensino e aprendizagem, no sentido de reorganizar a escola

As escolas voltaram da pandemia e continuaram trabalhando como se ela não tivesse existido. Se o currículo escolar não é voltado para a realidade, para combater as desigualdades, desnaturalizar a violência contra a mulher, o preconceito, o racismo, e demais problemas que encontramos na sociedade, é como se nada disso existisse na vida dos estudantes. E sabemos que isso não é verdade”, diz.
Catarina de Almeida Santos, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB)
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Em consonância com esse olhar para a mudança curricular, Romualdo Portela lembra que para que ela ocorra de fato na escola, é preciso que haja condições mínimas na instituição – o que não tem ocorrido. “Não podemos supor que determinada alteração pedagógica tenha possibilidade de fazer efeito sob condições precárias de funcionamento das escolas“, diz. 

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Transição curricular e recomposição de aprendizagens: é preciso transformar

Foto: acervo pessoal

Nos últimos anos, a educação brasileira vive uma transição curricular em decorrência da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “A Base implementa uma mudança de perspectiva importante nos processos educativos, ao estabelecer que o trabalho seja pautado em habilidades e competências. Deveriam ter ocorrido, em âmbito nacional, um processo de implementação envolvendo debates e formações com as(os) professoras(es), o que não aconteceu”, reflete Fernando Barnabé, mestre em Educação e licenciado em Matemática (USP), e assessor de projetos no Cenpec.

Para o especialista, a estagnação dos resultados durante os 23 anos em que o PISA é aplicado aponta que têm se repetido procedimentos, políticas educacionais que não têm surtido efeitos positivos. É preciso que as mudanças contemplem um olhar cuidadoso sobre a recomposição de aprendizagens, que tem ganhado destaque junto com a transição curricular.

“A partir dos resultados do PISA, a gente percebe que a necessidade de recomposição de aprendizagens não foi gerada pela pandemia. Ela agravou muitos dos processos, mas o buraco é muito mais embaixo”, diz Fernando.

“Nos projetos que nós desenvolvemos, como o Impulsionar, e em outros trabalhos que eu tive oportunidade de participar fazendo formações, é nítida a necessidade de identificar o que realmente é essencial para que aconteça um avanço no desenvolvimento dos estudantes. A gente percebe professores muito preocupados com as perdas mas querendo dar conta de ensinar tudo o que veio antes. Mas é preciso pensar estratégias para avançar”, explica.

Confira aqui a entrevista com Fernando Barnabé.

Ao falar da precariedade de condições das escolas, Romualdo se refere tanto à questão da infraestrutura, como também aos processos e às condições de trabalho das(os) professoras(es). Há um consenso na literatura que as(os) docentes são peça-chave para impactar a qualidade, mas ainda assim o Brasil não tem avançado na valorização docente.

Nós temos pecado miseravelmente na questão docente. Por um lado, quando olhamos a formação, temos hoje que mais da metade dos professores brasileiros são formados em cursos EAD, em geral de baixíssima qualidade. Por outro, nós temos um problema de atratividade e retenção dos professores nas escolas, já que os salários são baixos, comparados com outros profissionais de nível superior. Segundo um estudo da OCDE de 2017, o salário dos professores no Brasil é um dos mais baixos do mundo, feita a correção com o poder paritário de compra”, alerta.

Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec

Segundo o relatório do PISA 2022, a disponibilidade das(os) docentes em ajudar as(os) estudantes com mais necessidades foi, dentre os fatores relacionados ao fechamento das escolas durante a pandemia, o que apresentou mais impacto no bom desempenho em Matemática das(os) alunas(os). Nos lugares onde a ajuda docente era acessível, elas(es) apresentaram 15 pontos a mais que em lugares onde isso não existia.

No Brasil, 72% das(os) estudantes disseram que sua(seu) professora(or) dava ajuda extra quando necessário e 74% que ela(e) demonstrava interesse no seu aprendizado. Para os países da OCDE, essas porcentagens foram de 70% e 63%, respectivamente. 

Outro importante ponto que Romualdo acredita ser determinante para explicar o motivo da estagnação do Brasil na avaliação internacional é a falta de investimento. 

Segundo a OCDE, é possível notar uma relação positiva entre investimento per capita e desempenho no PISA até um total de 75 mil dólares para o período correspondente ao ensino fundamental (média de 8,4 mil dólares por ano dos 6 aos 15 anos de idade). Passada essa marca, não há efeito visível entre maior recursos e o aumento dos resultados. 

De acordo com o Education at a Glance 2023, outro estudo da OCDE, o Brasil investe 3.583 dólares por estudante da educação básica por ano. Essa média para os países da OCDE é de 10.949 dólares – ou seja, o Brasil investe três vezes menos. 

Nós importamos essa conclusão dos países desenvolvidos, com algumas pessoas dizendo há cerca de 20 anos que o problema no Brasil não é que gasta pouco, mas que gasta mal. Acontece que nós não atingimos esse patamar, nós ainda gastamos abaixo do necessário para que o dinheiro não faça efeito. Nós precisamos sim investir mais em educação, porque temos dívida educacional, professores mal pagos, escolas sem condições de funcionamento”, diz.

Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec

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Os caminhos que o MEC pretende seguir – e os cuidados que precisa tomar

Em evento de divulgação dos resultados, o ministro da Educação Camilo Santana listou algumas das medidas que o Ministério da Educação (MEC) pretende tomar para enfrentar essa estagnação da educação brasileira. Entre elas, estão o investimento no Programa Escola em Tempo Integral, o olhar para a alfabetização, o Novo Ensino Médio e a formação inicial de professoras(es).

“Vamos reavaliar todos os cursos de educação a distância, não permitindo mais que cursos de licenciaturas sejam 100% EAD”, disse o ministro.

As áreas apontadas parecem ser relevantes, conforme explica a professora Catarina, mas é preciso olhar com cuidado para que tipo de medidas e concepções estão sendo pensadas para essas políticas públicas:

Educação integral deve sim ser uma prioridade, mas essa educação não pode ser apenas mais tempo nessa escola que temos hoje, com a mesma infraestrutura, as mesmas condições, o mesmo currículo. Se mantivermos assim, nossa educação vai piorar, porque os alunos vão odiar passar mais tempo na escola. A educação integral pressupõe que eles possam ficar mais tempo não presos dentro da escola, mas tendo condições de desenvolver projetos interessantes, de ter acesso a outros equipamentos culturais públicos da cidade, de realizar outras atividades que são fundamentais para o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, da responsabilidade etc”. 

Catarina de Almeida Santos, professora associada da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB

Não é de hoje, porém, que alfabetização ou educação integral são temas tidos como prioridade de governos federais. Diversas gestões anteriores já realizaram programas nessas direções – e, pelo que vimos dos dados, não temos visto melhoras efetivas. 

É por isso que, para Romualdo, falta também um plano maior que dê sentido e orientação para as mudanças estruturais que precisam ser feitas. Seria, por exemplo, o papel do Plano Nacional de Educação (PNE), mas que infelizmente não tem sido cumprido: 

O PNE seria a nossa solução para um plano conjunto, com começo, meio e fim, que equacionasse uma abordagem sistêmica da educação e que mobiliza a sociedade brasileira da importância da educação numa perspectiva estratégica. O que o MEC faz hoje é apagar incêndio. Mas assim, no varejo, nós não vamos resolver os problemas educacionais brasileiros. O que precisamos é pensar um Brasil do futuro, baseado em uma educação de qualidade com produções próprias de ciência e tecnologia. Só assim seremos uma economia do século 21. Para isso, é preciso ousadia dos nossos políticos”.
Romualdo Portela, diretor de Pesquisa e Avaliação do Cenpec
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