Fazendo de tudo para formar leitoras(es) e escritoras(es)

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Fazendo de tudo para formar leitoras(es) e escritoras(es)

De maleta viajante a reconhecimento de autoras(es) locais, diferentes iniciativas esbanjam criatividade e proatividade na hora de estimular a formação leitora e escritora de crianças e adolescentes

Por Stephanie Kim Abe

Em O Baú Misterioso e as memórias da infância, quatro amigos de 8 a 10 anos decidem se aventurar na casa abandonada que existia no povoado de Esmeralda para descobrir o que de tão misterioso havia naquele casebre, que envolvia as lendas que os adultos contavam sobre o lugar.

Ao adentrarem na casa, eles encontram um baú e, ao abrirem, vão encontrando diversos objetos, cada um com uma história.

Telmo Marcon e Ana Júlia Loss Marcon, autores desse livro infantil, contam que o enredo foi inspirado no conto grego da caixa de Pandora, que, ao ser aberta, espalha todas as desgraças pelo mundo – e o que resta é a esperança. 

Telmo e Ana Júlia são pai e filha. Eles escreveram o livro entre 2013 e 2014, quando Ana tinha por volta de 8 anos. A publicação aconteceu em 2015, por conta do projeto Garimpando Escritores, Lapidando Leitores da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Soledade (RS), cidade vizinha a de Passo Fundo onde eles moram.

Hoje com 17 anos, prestes a começar o curso de Psicologia, Ana Júlia lembra de como ter uma obra publicada marcou a sua vida:

Foto: Ana Júlia e seu pai, Telmo.

Não é qualquer um que vai ter um livro publicado, mas ao mesmo tempo essa experiência me mostrou que é algo acessível sim. Pude ver que as nossas produções do dia a dia podem se tornar algo mais, que outras pessoas podem ler e consumir. Além disso, esse livro foi um motivo muito grande de autoestima pra mim”.

Ana Júlia


Autora(r) não é nenhuma(m) ET

O projeto Garimpando Escritores, Lapidando Leitores da Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Soledade (RS) tinha como objetivo incentivar a leitura e a escrita das(os) cidadãs(ãos) do município. Além de reconhecer autoras(es) locais de livros infantis, infanto juvenis e adultos, o projeto previa a retenção de 50% das obras impressas para serem distribuídas nas escolas do sistema municipal de ensino de Soledade, e a realização de encontros da(o) autora(r) das obras com as(os) estudantes. 

Por conta disso, Telmo e Júlia realizaram encontros em escolas soledadenses. “A gente fazia conversas e contação de história. Levávamos o baú e dentro as coisas que apresentávamos para as crianças. Elas engajavam bastante, gostavam da dinâmica”, lembra Júlia. 

Para Telmo, que é professor e pesquisador do Instituto de Humanidades, Ciências, Educação e Criatividade da Universidade de Passo Fundo (UPF):

Foto: acervo pessoal

Esses eventos foram muito interessantes, porque tirava o escrito desse lugar de ET, de pessoa inacessível que escreve. Quando as pessoas viam que quem escreveu o livro éramos eu e a Júlia – principalmente ela, porque ela tinha a idade dos outros estudantes, elas ficavam encantadas. As crianças viam que elas também podiam escrever. Isso dá um incremento para que elas encontrem o sentido da leitura”. 

Telmo Marcon

Eu lembro que era muito legal me sentir nesse lugar que geralmente é ocupado por adultos. Muito nova eu me senti importante, e me senti emocionada de ver o meu livro e poder apresentá-lo para os outros”, diz Ana Júlia. 

Em 2016, o projeto Garimpando Escritores, Lapidando Leitores serviu de base para a criação da Lei municipal no 3788, que instituiu a Política Municipal de Incentivo à Leitura e Escrita. Essa política é realizada em parceria com a Academia Soledadense de Letras. 

Silvia Regina Carneiro, coordenadora pedagógica na Secretaria de Educação, Cultura e Desporto de Soledade (RS) e membro da Academia, explica algumas das muitas atividades que realizam para estimular a leitura:

Foto: acervo pessoal

Nós temos várias frentes de movimento de leitura. Os acadêmicos têm participação ativa nas escolas, por meio do que chamamos Academia na Escola. Há também o Sarau Literário, quando um grupo de acadêmicos conversa com as crianças, conta a história do município, faz um recital ou lê as suas crônicas etc. Quando a Academia surgiu, não havia uma dezena de escritores em Soledade. Hoje ultrapassamos a marca de 100 autores e autoras”.

Silvia Regina Carneiro

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Contar histórias para mergulhar nos personagens

Quem sabe bem sobre a força de contar histórias é Elizabete Maria Souza de Britto. Professora aposentada, ela trabalha há 12 anos como responsável de biblioteca escolar em Olinda (PE), além de ter trabalhado voluntariamente em creches, asilos, clínicas – sempre tendo a contação de história como ferramenta principal. 

Seu trabalho é basicamente incentivar a leitura – e ela já realizou diversas iniciativas para alcançar esse objetivo, como feira de livros. Tudo para despertar o gosto pela leitura. 

Uma das suas últimas ideias foi a Maleta Viajante:

Com a maleta, cada vez um estudante leva o livro da vez para casa e depois tem a chance de voltar contando a história. Nesse papel, eles entram na história como personagem. Tem alguns que perdem a vergonha, outros que choram, outros que nem dormem pensando no dia em que vai ser sorteado para contar a história – ou seja, ser o protagonista. Então o propósito dessa Maleta é fazer com que as crianças queiram fazer o reconto“, diz.

Elizabete Britto

A escolha das obras trabalhadas na biblioteca é feita a partir de uma conversa com as professoras da sala de aula, no sentido de alinhar as temáticas abordadas. Mas Elizabete frisa que o objetivo da leitura na biblioteca é diferente daquele realizado em sala de aula, ainda que complementar:

Foto: acervo pessoal

Com as professoras, os estudantes têm toda a parte de conteúdo. Se a professora está trabalhando, por exemplo, a cor vermelha, eu busco uma historinha que traga esse tema, como A Chapeuzinho Vermelho. Na contação de história, eu visto uma fantasia, apago a luz da sala, uso estratégias para fazer a imaginação deles fluir. E, ao colocá-los(as) como contadores(as), eles(as) trabalham a oralidade, a auto expressão, e isso ajuda-os na produção pessoal na sala de aula“. 

Elizabete Britto, professora e contadora de histórias

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Histórias inspiradas na vida real 

Tanto o professor Telmo quanto a professora Elizabete acreditam que colocar as crianças para ler, escrever e contar histórias acaba por trazer à tona as próprias experiências pessoais delas. 

“Eu conto os meus relatos de vida para os estudantes, porque eu digo que as histórias são imaginárias, mas elas partem sempre de uma realidade”, diz Elizabete.

Telmo lembra que, quando foram pensar nos quatro amigos protagonistas de O Baú Misterioso, a forma como as meninas e os meninos eram vistos na escola influenciou nessa construção:

“Naquela época, na escola da Ana Júlia, sempre se dizia que as meninas eram mais fracas, que elas não eram tão capazes de fazer algumas coisas quanto os meninos. Por isso, para nós foi um elemento importante fazer das nossas duas protagonistas femininas personagens bem fortes, enquanto os dois meninos amigos são muito medrosos”, explica Telmo.

“Se não lemos, não chegamos a lugar nenhum. Afinal, a leitura é essencial para poder interpretar, raciocinar. A leitura é a base de tudo – inclusive da nossa produção escrita”, resume Elizabete. 


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