ChatGPT e a inteligência artificial na educação

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ChatGPT e a inteligência artificial na educação

Entenda o que é o ChatGPT, porque ele ficou famoso, quais as suas possíveis implicações na educação básica brasileira e como lidar com essa e outras inteligências artificiais na educação

Por Stephanie Kim Abe

Já aconteceu com o Wikipedia. Com o smartphone. Com a calculadora. A história acaba se repetindo, de certa forma, toda vez que uma nova tecnologia aparece para quebrar paradigmas e assustar educadoras(es) com a possibilidade de que seus empregos passem a ser desnecessários e gestoras(es) que suas escolas fiquem obsoletas.

A ameaça da vez é o ChatGPT, um software de inteligência artificial lançado em novembro de 2022 pela desenvolvedora OpenAI. Em apenas uma semana, chegou a conquistar mais de um milhão de usuárias(os). Com o lançamento e a popularidade, recebeu volumosos investimentos de grandes empresas de tecnologia, como a Microsoft – que anunciou recentemente que pretende incorporar a tecnologia do ChatGPT em produtos como o Microsoft Office.  

Na educação, o perigo estaria, entre outras funções, no uso que estudantes têm feito para solucionar lição de casa ou escrever artigos e outros gêneros textuais por meio do ChatGPT. Em janeiro de 2023, seu uso foi banido nos dispositivos e nas redes escolares pelo departamento de educação da cidade de Nova York – o maior de todo os Estados Unidos – por conta de seus “impactos negativos na aprendizagem dos estudantes, e preocupações relacionadas à segurança e precisão do seu conteúdo”. 

Mas, para muitas(os) especialistas, impedir o uso dessas tecnologias não é o melhor caminho. 

Ig Ibert Bittencourt Santana Pinto, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) que estuda inteligência artificial na educação e atua atualmente como pesquisador visitante na Escola de Educação de Harvard, é uma dessas pessoas que acredita que a chegada de novas tecnologias na educação é inevitável, mas que é preciso sim cuidar para garantir o melhor uso delas:

“Não acredito que a melhor abordagem seja pelo bloqueio do ChatGPT. Essa não é a primeira tecnologia, nem será a última a surgir. Se lembrarmos do surgimento dos smartphones ou mesmo da calculadora, também houve esse alarde. Acredito que isso acontece por uma falta de sistematização do debate, o que leva primeiramente ao medo e depois ao bloqueio; e depois por uma falta de olhar crítico”, diz. 

Para situar o debate e ajudar a entender melhor o que é o ChatGPT e quais os seus usos e riscos para a educação, o Portal Cenpec conversou com três especialistas sobre o assunto. Confira a seguir respostas para algumas das principais dúvidas sobre essa inteligência artificial e o seu impacto no cenário educacional.

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O que é o ChatGPT e por que ele ficou famoso?

A inteligência artificial (IA) pode ser usada para diferentes funções e com diferentes objetivos. Há aquelas criadas para mimetizar o comportamento humano – por exemplo, produzir pinturas ou desenhos e escrever textos –, outras para automatizar tarefas (como diagnosticar doenças) e até aquelas que buscam pensar como humanos (que seguem a linha de aprendizagem das máquinas e estão na área de redes neurais). 

Criado pela OpenAI, o ChatGPT é um chatbot, ou seja, um software de inteligência artificial que interage por meio de conversas ou diálogos via aplicativo ou chats. Ele simula uma interação humana e tem uma interface amigável para qualquer usuário – o que ajuda a explicar o seu sucesso. 

Ig Ibert Bittencourt explica que, apesar de não ser uma tecnologia nova, o ChatGPT chamou atenção por conta do nível avançado dos resultados que traz:

Foto: acervo pessoal

Esse tipo de inteligência artificial já existia. A questão é que o ChatGPT conseguiu chegar em um nível de processamento de dados muito grande – que custa centenas de milhares de dólares para rodar – e garantir essa precisão. Pequenas empresas não conseguiriam fazer isso. Além disso, quando interagimos com ele, suas respostas são muito boas e impressionam. Quando você tem esse nível de resposta, você potencializa essa IA e melhora muito a capacidade de interação do usuário com a máquina, além de facilitar a vida das pessoas. Ele é exatamente o tipo de tecnologia que simplifica tarefas.”

Ig Ibert Bittencourt Santana Pinto, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e pesquisador visitante na Escola de Educação de Harvard

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Quais as possibilidades de uso na escola?

O ChatGPT é uma inteligência artificial generativa, que são aquelas que conseguem gerar algo novo a partir do processamento de dados e dos comandos feitos. Um dos exemplos mais populares atualmente é o Dall-E, que cria imagens novas a partir de descrições textuais. 

Imagem gerada com uso do Dall-E

Super Interessante: Como funciona o DALL-E, site que gera imagens a partir de textos


Daí as possibilidades realistas e viáveis de se utilizar a ferramenta para produzir e analisar conteúdo, conforme Camilla Achutti, CEO da Mastertech e presidente da ONG Somas:

Foto: acervo pessoal

Professoras(es) e gestoras(es) podem gerar um comunicado assertivo, assim como estudantes podem gerar uma redação ou um texto baseado em um modelo. Pode-se tirar vantagem do ChatGPT para tudo o que tem a ver com descrições e previsões, e a gente sabe que dentro do ambiente escolar professoras(es), gestoras(es) e estudantes acabam tendo esse tipo de demanda.” 

Camilla Achutti, CEO da Mastertech e presidente da ONG Somas

As(os) educadoras(es) conseguem enviar as respostas de um(a) estudante e pedir um feedback detalhado de uma atividade para o ChatGPT, ou ainda usar o recurso para simplificar um texto mais rebuscado, adequando-o à faixa etária e nível de conhecimento de sua turma. É possível criar resumos, lista de exercícios, e até materiais didáticos, como explica Adriana Silvia Vieira, coordenadora de tecnologias digitais no Cenpec:

Foto: acervo pessoal

O ChatGPT pode auxiliar no planejamento e na elaboração de materiais didáticos se visto como um gerador de modelo inicial. Seria um ponto de partida para elaborar avaliações, plano de aula, questões de múltipla escolha, questões interpretativas sobre determinado tema etc. Nesse sentido, essa ferramenta pode facilitar o trabalho da(o) docente, auxiliando nesse princípio, mas sendo enriquecido por outras referências e contextos”. 

Adriana Silvia Vieira, coordenadora de tecnologias digitais no Cenpec

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Quais os cuidados e riscos ao incluí-lo em práticas pedagógicas?

Antes de tudo, é fundamental entender a ferramenta, como ela funciona e quais as suas limitações. Por exemplo, é preciso entender que há respostas enviesadas e que não são mencionadas as fontes das informações dos textos gerados (a não ser que se peça por elas). 

Acredito que há um risco grande de ampliarmos a disseminação de conteúdos falsos, de fake news. É preciso ter isso em mente, e principalmente dar esse panorama de como o conteúdo pode ser limitado para as(os) estudantes, que estão em formação“, explica Adriana. 

É por isso que é preciso ter pensamento e olhar crítico para toda a interação que se realiza com o ChatGPT. Para Camila Achutti, não podemos perder de vista que é justamente essa habilidade que nos difere das máquinas:

As escolas precisam ter cuidado para não passar a ideia de que a inteligência artificial é muito mais capaz que nós mesmas(os), porque isso tira a capacidade de uma pessoa de refletir, discutir, ponderar. Uma pessoa que faz uma redação em dois minutos e entende que o que foi produzido por essa ferramenta é algo irretocável, perfeito, porque veio de uma inteligência artificial, corre um risco grande no seu processo de formação e desenvolvimento”. 

Camilla Achutti, CEO da Mastertech e presidente da ONG Somas
Imagem gerada com uso do Dall-E

Mais do que proibir o uso do ChatGPT pelas crianças e adolescentes, é preciso garantir que essa interação seja feita com a mediação da(o) professora(r) no contexto da sala de aula. A partir desse uso assistido, as escolas poderiam explorar boas práticas, explica Camila:

Por exemplo, diferentemente de um buscador como o Google, em que você apenas amontoa palavras-chaves, no caso das inteligências artificiais generativas, como o ChatGPT, uma boa prática é você dar o maior contexto possível. E, para isso, a gente precisa ensinar as crianças e adolescentes a construir esse contexto, a fazer boas perguntas, a fazer boas descrições. Quanto melhor for essa entrada, melhor será o resultado dado pela inteligência artificial generativa. Então as(os) professoras(es) podem trabalhar esses inputs, quais detalhes são importantes, quais não são etc.” 

Camilla Achutti, CEO da Mastertech e presidente da ONG Somas

Para Adriana, o mais importante é que haja um trabalho de reflexão sobre as respostas geradas, mediadas por uma(m) professora(r) especialista da área .

O resultado do ChatGPT depende muito da qualidade das nossas perguntas. Essa é uma constatação que aparece tanto nos textos sobre a ferramenta como que eu mesma tenho testado. Esse pode ser um lado a ser explorado ao usar a plataforma“, diz Adriana. 

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Como garantir o melhor uso da inteligência artificial na escola?

O pesquisador Ig Ibert lembra que o ChatGPT é uma tecnologia habilitadora. “Ou seja, no conceito de educação 4.0, ela é uma tecnologia que está por trás de uma intencionalidade pedagógica”, explica. 

Isso significa que o seu uso não deve ser um fim em si mesmo. Muito pelo contrário. Em vez de termos gestoras(es) e professoras(es) preocupadas(os) em pensar qual o melhor uso para fazer do ChatGPT na sala de aula, como fazer para impedir o acesso das(os) estudantes à ferramenta, ou que tipo de competências precisam desenvolver para trabalhar com ela, as(os) educadoras(es) deveriam partir da proposta pedagógica que se pretende realizar, para então decidir quais tecnologias (ou não) podem ser adequadas para alcançar esse objetivo.

Essa é uma visão tecnology driving, explica o professor Ig Ibert. Ou seja, ela parte da visão de que é preciso garantir infraestrutura, conectividade, computador para todas as escolas e estudantes. 

Infelizmente, o modus operandi no Brasil é esse: a secretaria faz uma licitação para adquirir uma tecnologia que usa o ChatGPT ou qualquer outra inteligência artificial. Gasta uma fortuna e dá para as escolas usarem, e elas pensam: ‘o que eu vou fazer com isso?’. A ideia de pensar criticamente também vale para os gestores: é entender quando eu preciso realmente usar uma tecnologia nova, de que forma, por que, como ela se encaixa no meu projeto político pedagógico.”

Ig Ibert Bittencourt Santana Pinto, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e pesquisador visitante na Escola de Educação de Harvard

“Não é que isso está errado, mas não é porque as pessoas têm acesso que elas vão fazer o uso adequado. O certo é a visão question driven, ou seja, aquela que parte da indagação: qual é a proposta pedagógica? O que se quer com o uso da tecnologia? Dado o que se quer com o uso da tecnologia eu penso que recurso tecnológico preciso para isso“, complementa.

O professor também acredita que é preciso desenvolver políticas de uso e de formação, não somente para as(os) educadoras(es), mas para toda a rede – e inclusive para quem produz as tecnologias.

As(Os) gestoras(es) precisam ter formação também, para entender como essas tecnologias funcionam e pensar como construir essas políticas de uso. E as empresas que criam inteligência artificial na educação também tem que ter a sua responsabilidade de entender os desafios de privacidade, de segurança, de proteção de dados – tal qual impõe a nossa Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como não ampliar as desigualdades etc.”

Ig Ibert Bittencourt Santana Pinto, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e pesquisador visitante na Escola de Educação de Harvard

“Não esqueçamos que essas inteligências artificiais estão sob o domínio das Big Tech, das grandes empresas, cujo interesse é o lucro. Ou seja, não necessariamente elas estão preocupadas com o bem social e coletivo. É preciso ter essa visão ética e social da tecnologia, para não tomarmos decisões que acabem por excluir ainda mais pessoas do mundo digital e do seu direito à educação, alerta Adriana.  

O bom uso dessas ferramentas tem como base um mínimo de condições estruturais para garantir que o trabalho seja realizado, como acesso à internet, dispositivos etc.

Adriana acredita que é preciso principalmente observar as práticas pedagógicas que estejam de acordo com uma educação conectada:

Essas novas tecnologias vêm enfatizando a necessidade de práticas pedagógicas mais ativas, que colocam as(os) estudantes como protagonistas de sua aprendizagem. Isso requer mudar também o olhar para as avaliações, as atividades realizadas em sala etc. Para realizar todas essas mudanças, é preciso formação continuada que traga de fato reflexões a partir da prática e que tenham sempre em mente que os interesses de aprendizagem das(os) estudantes e a autonomia pedagógica das(os) professoras(es) deve vir antes da adoção de qualquer tecnologia.”

Adriana Silvia Vieira, coordenadora de tecnologias digitais no Cenpec

As metodologias precisam acompanhar os objetivos pretendidos. Se queremos que os alunos sejam proativos, precisamos adotar metodologias em que os alunos se envolvam em atividades cada vez mais complexas, em que tenham que tomar decisões e avaliar os resultados, com apoio de materiais relevantes. Se queremos que sejam criativos, eles precisam experimentar inúmeras novas possibilidades de mostrar sua iniciativa.”

José Moran

Confira:
Metodologias ativas: como inovar na sala de aula e envolver mais as(os) estudantes

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O quanto o ChatGPT é disruptivo de fato para a educação brasileira?

Será o ChatGPT realmente um ponto de inflexão na educação, tal como há muitas pessoas alardeando? 

Imagem gerada com uso do Dall-E

Muita gente discorda, mas eu não vejo o ChatGPT como disruptivo quando pensamos na educação básica pública brasileira. Acredito que ele vai sim influenciar os grandes centros de países mais desenvolvidos, o ensino superior e o ensino privado. Mas a educação básica no sul global está bem atrás, tecnologicamente falando”, diz Ig Ibert.

De acordo com ele, pensar a inteligência artificial na educação é aumentar um nível de demanda de camada tecnológica. Ela exige não só competências digitais, mas competências em IA; não só infraestrutura, mas processamento massivo de dados. E, considerando a desigualdade digital do mundo, é muito provável que a adoção da inteligência artificial no mundo também acabe por favorecer a desigualdade educacional:

Não chegamos nem a ter igualdade de acesso à eletricidade no mundo todo. A previsão de acesso à internet a todos é para 2100. Como podemos falar em transformação digital equitativa quando temos um gap de 100 anos de conectividade, de recursos, de competência?”, questiona.

Ig Ibert Bittencourt Santana Pinto

Camila Achutti acredita que a ferramenta pode ser sim considerada disruptiva, e por isso mesmo será ainda mais desafiador trabalhar as tecnologias para que as desigualdades não se aprofundem no Brasil:

Cada vez mais a tecnologia se coloca como mais um parâmetro de desigualdade, em vez de estar igualmente distribuída. Ela tende a aumentar as desigualdades porque requer acesso a computadores mais rápidos, à conectividade. Por isso, acredito que temos que ter formações onde ensinamos, por exemplo, programação a lápis – que é o pensamento computacional e o uso de tecnologias para prática didática sem impor algum tipo de investimento ou compra de hardware ou software. Acho que o grande desafio hoje é esse: como usamos a tecnologia sem aumentar as desigualdades.”

Camilla Achutti, CEO da Mastertech e presidente da ONG Somas

Entenda o que é preciso priorizar para que uma política de educação conectada não aprofunde as desigualdades


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Um pensamento em “ChatGPT e a inteligência artificial na educação

  1. Legal ver como a inteligência artificial está ganhando espaço na educação! Me lembrei de um artigo que li recentemente sobre o futuro da educação e como a inteligência artificial está transformando as salas de aula. É incrível pensar em como a IA pode personalizar o aprendizado dos alunos e dar aos professores insights valiosos. Se quiserem dar uma olhada, o artigo está aqui: https://estudaescolas.com.br/blog/o-futuro-da-educacao-como-a-inteligencia-artificial-esta-transformando-as-salas-de-aula/

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