Em tempo de distanciamento social e ensino remoto, as tecnologias digitais passaram a fazer parte do cotidiano educacional, tornando-se essenciais para que as relações interpessoais e as aprendizagens aconteçam. Mas como explorar práticas de letramento digital interessantes, criativas e significativas que promovam a aprendizagem de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades e competências dos(das) estudantes?
Geralmente pouco trabalhada na formação inicial dos professores, práticas de letramento digital implicam que os educadores também tenham criatividade, ousadia para experimentar e capacidade de autocrítica: enfim, professoras e professores com a mesma vontade de aprender que procuram incutir em seus alunos.”
Richard Romancini
O professor, educomunicador e jornalista Richard Romancini é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa do Mercado de Trabalho em Comunicações e Artes (Nupem-ECA/USP), atua na área de Comunicação e Educação, no Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE/USP).
Confira a seguir as reflexões e experiências de letramento digital escolar analisadas pelo especialista.
A articulação entre escola e práticas de letramento digital por estudantes depende de mediadores fundamentais: os professores. Em uma educação para (e em) um ambiente cultural em mudança, desenvolver a capacidade de ensinar os novos letramentos não é simples.
Geralmente pouco trabalhado na formação inicial dos professores, práticas de letramento digital implicam que os educadores também tenham criatividade, ousadia para experimentar e capacidade de autocrítica: enfim, professoras e professores com a mesma vontade de aprender que procuram incutir em seus alunos. Como já notara, com grande sagacidade, Guimarães Rosa, na obra-prima Grande sertão: veredas:
Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”
João Guimarães Rosa
No entanto, de acordo com Lankshear e Knobel (2010), os jovens adquirem os letramentos digitais, sobretudo, “com a mão na massa”: alguém ensina um adolescente a jogar videogame? Os jovens leem algum “manual” antes de utilizar o Instagram?
Da mesma forma, fica evidente a necessidade de os professores também experimentarem (jogar, postar, blogar etc.), participarem dos grupos que desenvolvem determinada prática relacionada à produção de textos multimodais em meio digital. Só assim os educadores entenderão melhor a cultura relacionada a determinado letramento e criarão conexões entre este letramento e objetivos educacionais.
Mas quais experimentações propomos e por quê? Para a reflexão/ação que envolve essas perguntas, uma etapa prévia interessante pode ser conhecer outras experiências. Como outros educadores integraram práticas de letramento digital ao seu fazer pedagógico?
Não basta conhecer e observar. No entanto isso pode ajudar a perder inibições e receios, assim como a imaginar o que poderia ser válido em nosso cotidiano escolar e em relação ao que temos interesse.
Seguem algumas experiências que espero sejam inspiradoras aos professores que leem este texto.
A professora que criou um e-book com seus alunos
Um interessante projeto envolvendo contos, história/memória oral e reescrita de textos foi feito pela professora Ana Cláudia Santos, da Escola Estadual Padre Paulo, em Santo Antônio do Monte (MG). A professora ganhou um prêmio por esse trabalho, realmente criativo. Assista ao vídeo sobre o projeto:
Em termos dos novos letramentos, chama a atenção o uso feito pelos alunos da 6ª série de câmeras de vídeo: no registro das histórias contadas pelos moradores da região. Depois, como a professora explica, houve um trabalho de transcrição, reescrita e reflexão sobre as modalidades linguísticas (oral e escrita) e textuais. Desse modo, foi possível estudar aspectos como os elementos que estruturam as narrativas e os diferentes níveis de linguagem.
Por fim, o trabalho é concluído com a criação do e-book, intitulado O povo conta, com as histórias que os alunos escreveram. É um excelente exemplo de como os letramentos digitais podem ser articulados aos letramentos tradicionais que a escola procura ensinar.
Vale notar também a observação da professora de que os alunos “foram capazes de desenvolver o potencial de ser escritor” (o destaque é meu). Aprender a ser alguma coisa relaciona-se a conhecer e aplicar determinados conteúdos e competências (favorecendo a apreensão e o desenvolvimento destes) − no caso, os que envolveram a feitura do e-book (escrever, digitar, inserir imagens etc.).
Em propostas com maior uso da multimídia (e trabalho com o letramento digital), seria possível utilizar também vídeos, áudios e outros tipos de imagem (fotos, por exemplo).
TV Cedro Rosa
Conforme a cultura digital avança e dispositivos tecnológicos tornam-se cada vez mais acessíveis, têm aumentado as propostas de TVs escolares, envolvendo professores e estudantes. Esse foi o caso da TV Cedro Rosa, de São Paulo, que se singularizou pelo trabalho com alunos de Educação Infantil.
Como o professor Marcelo Augusto Pereira dos Santos, o criador do projeto, explica num trabalho dos alunos de Educomunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), a proposta permitiu que as crianças se tornassem mais autônomas e confiantes.
A mediação do professor é fundamental, em diferentes tarefas envolvendo o planejamento, a filmagem e a edição das atividades escolhidas pela turma. Aqui, parece haver mais uma familiarização com os novos letramentos do que seu ensino. Mas, sem dúvida, trata-se de um projeto que favorece aspectos relacionados ao conhecimento do mundo (no caso, por meio da linguagem audiovisual) pelas crianças.
Confira a seguir a entrevista com o professor Marcelo Santos, criador da TV Cedro Rosa.
CCB WebTV
Outra experiência interessante foi desenvolvida por estudantes de uma escola municipal no Rio Grande do Sul, que criaram uma WebTV, a CBB. O desenvolvimento do projeto envolve gravação, edição e postagem digital de vídeos abordando questões ligadas à escola. Certamente, nesse processo se desenvolvem competências relacionadas aos novos letramentos.
Segundo relato do professor Jorge Cesar Barboza Coelho, responsável pelo projeto e um dos ganhadores do Prêmio Professores do Brasil, em 2012, o trabalho permitiu desenvolver inicialmente questões ligadas à expressão comunicativa dos jovens. Porém, como o professor revela:
tópicos de outros componentes curriculares são abordados, tais como categoria lugar e geolocalização da Geografia, conhecimentos da Língua Inglesa, noção historicidade e registro histórico, cuidado com o corpo da Educação Física, conhecimentos estéticos das Artes, releituras musicais, senso crítico e consciência social da Ética, desafios matemáticos, análise de obras literárias, apresentação de projetos de Ciência. Aliás, muitos desses são tratados de modo transversal, com a colaboração de outros professores.”
Jorge Cesar Barboza Coelho
Da frase acima, destaco o trabalho transversal, com diferentes conteúdos, favorecido por propostas que envolvem letramento digital e midiático. Estes podem beneficiar, quando há professores criativos e com bons planejamentos, novas formas de ensinar e aprender tanto os tradicionais como os novos conhecimentos.
Existem muitas outras experiências interessantes envolvendo letramento digital. Gostaria muito de conhecer outros relatos de trabalho realizado por professores e alunos que lerem este texto. Que tal compartilhar com a gente? Eu sinceramente agradeceria!
Richard Romancini
Referências bibliográficas
COELHO, Jorge Cesar Barboza. Aprendizagem colaborativa através de uma Web TV: Escola Municipal de Ensino Fundamental Borges de Medeiros. Campo Bom (RS), 2012. Baixe aqui.
LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele. DIY Media: A Contextual Background and Some Contemporary Themes. In: LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele (Ed.).DIY Media: Creating, Sharing and Learning with New Technologies. Nova York: Peter Lang Publishing, 2010. p. 1-26.
ROSA, João Guimarães. Grandes Sertão: Veredas. In: Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 2.
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