Letramento digital e professores(as): experiências inspiradoras

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Letramento digital e professores(as): experiências inspiradoras

Artigo de Richard Romancini (Educomunicação/USP) publicado originalmente na Plataforma do Letramento em 2014

Em tempo de distanciamento social e ensino remoto, as tecnologias digitais passaram a fazer parte do cotidiano educacional, tornando-se essenciais para que as relações interpessoais e as aprendizagens aconteçam. Mas como explorar práticas de letramento digital interessantes, criativas e significativas que promovam a aprendizagem de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades e competências dos(das) estudantes?

Geralmente pouco trabalhada na formação inicial dos professores, práticas de letramento digital implicam que os educadores também tenham criatividade, ousadia para experimentar e capacidade de autocrítica: enfim, professoras e professores com a mesma vontade de aprender que procuram incutir em seus alunos.”

Richard Romancini

O professor, educomunicador e jornalista Richard Romancini é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa do Mercado de Trabalho em Comunicações e Artes (Nupem-ECA/USP), atua na área de Comunicação e Educação, no Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE/USP).

Confira a seguir as reflexões e experiências de letramento digital escolar analisadas pelo especialista.


A articulação entre escola e práticas de letramento digital por estudantes depende de mediadores fundamentais: os professores. Em uma educação para (e em) um ambiente cultural em mudança, desenvolver a capacidade de ensinar os novos letramentos não é simples.

Geralmente pouco trabalhado na formação inicial dos professores, práticas de letramento digital implicam que os educadores também tenham criatividade, ousadia para experimentar e capacidade de autocrítica: enfim, professoras e professores com a mesma vontade de aprender que procuram incutir em seus alunos. Como já notara, com grande sagacidade, Guimarães Rosa, na obra-prima Grande sertão: veredas:

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende.”

João Guimarães Rosa

No entanto, de acordo com Lankshear e Knobel (2010), os jovens adquirem os letramentos digitais, sobretudo, “com a mão na massa”: alguém ensina um adolescente a jogar videogame? Os jovens leem algum “manual” antes de utilizar o Instagram?

Da mesma forma, fica evidente a necessidade de os professores também experimentarem (jogar, postar, blogar etc.), participarem dos grupos que desenvolvem determinada prática relacionada à produção de textos multimodais em meio digital. Só assim os educadores entenderão melhor a cultura relacionada a determinado letramento e criarão conexões entre este letramento e objetivos educacionais.

Mas quais experimentações propomos e por quê? Para a reflexão/ação que envolve essas perguntas, uma etapa prévia interessante pode ser conhecer outras experiências. Como outros educadores integraram práticas de letramento digital ao seu fazer pedagógico?

Não basta conhecer e observar. No entanto isso pode ajudar a perder inibições e receios, assim como a imaginar o que poderia ser válido em nosso cotidiano escolar e em relação ao que temos interesse.

Seguem algumas experiências que espero sejam inspiradoras aos professores que leem este texto.


A professora que criou um e-book com seus alunos

Um interessante projeto envolvendo contos, história/memória oral e reescrita de textos foi feito pela professora Ana Cláudia Santos, da Escola Estadual Padre Paulo, em Santo Antônio do Monte (MG). A professora ganhou um prêmio por esse trabalho, realmente criativo. Assista ao vídeo sobre o projeto:


Em termos dos novos letramentos, chama a atenção o uso feito pelos alunos da 6ª série de câmeras de vídeo: no registro das histórias contadas pelos moradores da região. Depois, como a professora explica, houve um trabalho de transcrição, reescrita e reflexão sobre as modalidades linguísticas (oral e escrita) e textuais. Desse modo, foi possível estudar aspectos como os elementos que estruturam as narrativas e os diferentes níveis de linguagem.

Por fim, o trabalho é concluído com a criação do e-book, intitulado O povo conta, com as histórias que os alunos escreveram. É um excelente exemplo de como os letramentos digitais podem ser articulados aos letramentos tradicionais que a escola procura ensinar.

Vale notar também a observação da professora de que os alunos “foram capazes de desenvolver o potencial de ser escritor” (o destaque é meu). Aprender a ser alguma coisa relaciona-se a conhecer e aplicar determinados conteúdos e competências (favorecendo a apreensão e o desenvolvimento destes) − no caso, os que envolveram a feitura do e-book (escrever, digitar, inserir imagens etc.).

Em propostas com maior uso da multimídia (e trabalho com o letramento digital), seria possível utilizar também vídeos, áudios e outros tipos de imagem (fotos, por exemplo).


TV Cedro Rosa

Conforme a cultura digital avança e dispositivos tecnológicos tornam-se cada vez mais acessíveis, têm aumentado as propostas de TVs escolares, envolvendo professores e estudantes. Esse foi o caso da TV Cedro Rosa, de São Paulo, que se singularizou pelo trabalho com alunos de Educação Infantil.

Como o professor Marcelo Augusto Pereira dos Santos, o criador do projeto, explica num trabalho dos alunos de Educomunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), a proposta permitiu que as crianças se tornassem mais autônomas e confiantes.

A mediação do professor é fundamental, em diferentes tarefas envolvendo o planejamento, a filmagem e a edição das atividades escolhidas pela turma. Aqui, parece haver mais uma familiarização com os novos letramentos do que seu ensino. Mas, sem dúvida, trata-se de um projeto que favorece aspectos relacionados ao conhecimento do mundo (no caso, por meio da linguagem audiovisual) pelas crianças.

Confira a seguir a entrevista com o professor Marcelo Santos, criador da TV Cedro Rosa.


CCB WebTV

Outra experiência interessante foi desenvolvida por estudantes de uma escola municipal no Rio Grande do Sul, que criaram uma WebTV, a CBB. O desenvolvimento do projeto envolve gravação, edição e postagem digital de vídeos abordando questões ligadas à escola. Certamente, nesse processo se desenvolvem competências relacionadas aos novos letramentos.

Segundo relato do professor Jorge Cesar Barboza Coelho, responsável pelo projeto e um dos ganhadores do Prêmio Professores do Brasil, em 2012, o trabalho permitiu desenvolver inicialmente questões ligadas à expressão comunicativa dos jovens. Porém, como o professor revela:

tópicos de outros componentes curriculares são abordados, tais como categoria lugar e geolocalização da Geografia, conhecimentos da Língua Inglesa, noção historicidade e registro histórico, cuidado com o corpo da Educação Física, conhecimentos estéticos das Artes, releituras musicais, senso crítico e consciência social da Ética, desafios matemáticos, análise de obras literárias, apresentação de projetos de Ciência. Aliás, muitos desses são tratados de modo transversal, com a colaboração de outros professores.”

Jorge Cesar Barboza Coelho

Da frase acima, destaco o trabalho transversal, com diferentes conteúdos, favorecido por propostas que envolvem letramento digital e midiático. Estes podem beneficiar, quando há professores criativos e com bons planejamentos, novas formas de ensinar e aprender tanto os tradicionais como os novos conhecimentos.


Conference, meeting, discussion, brainstorm, conversation

Existem muitas outras experiências interessantes envolvendo letramento digital. Gostaria muito de conhecer outros relatos de trabalho realizado por professores e alunos que lerem este texto. Que tal compartilhar com a gente? Eu sinceramente agradeceria!

Richard Romancini


Referências bibliográficas

COELHO, Jorge Cesar Barboza. Aprendizagem colaborativa através de uma Web TV: Escola Municipal de Ensino Fundamental Borges de Medeiros. Campo Bom (RS), 2012. Baixe aqui.

LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele. DIY Media: A Contextual Background and Some Contemporary Themes. In: LANKSHEAR, Colin; KNOBEL, Michele (Ed.). DIY Media: Creating, Sharing and Learning with New Technologies. Nova York: Peter Lang Publishing, 2010. p. 1-26.

ROSA, João Guimarães. Grandes Sertão: Veredas. In: Ficção completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. v. 2.


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Um pensamento em “Letramento digital e professores(as): experiências inspiradoras

  1. Encontrei esta página do CENPEC, que vem ao encontro de pesquisa que faço há longa data.
    Gostaria de testa-la junto com um professor ( pedagogo) do CENPEC . Uma escola, localizada junto à uma praça publica, aqui em S. Paulo, seria um ótimo território para testar meu dispositivo D.I.C. Ver no youtube o vídeo instrucional do dispositivo D.I.C. FRAMEURBANO.

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