Integração das áreas do conhecimento na alfabetização

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Integração das áreas do conhecimento na alfabetização

Reportagem de Mônica Cardoso publicada originalmente em 2015 na Plataforma do Letramento

Por Mônica Cardoso

alfabetização abre portas para um mundo de possibilidades. Ler, escrever, compreender, interpretar e produzir conhecimento são formas de desenvolver capacidades e de se inserir plenamente na sociedade. Com o objetivo de assegurar que todas as crianças brasileiras sejam alfabetizadas até os 8 anos de idade, ao final do 3º ano do Ensino Fundamental, os governos federal, do Distrito Federal, dos estados e municípios firmaram, em 2012, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Para isso, o Ministério da Educação (MEC), em parceria com universidades públicas federais e estaduais, além das redes de ensino municipais e estaduais, desenvolve ações formativas, materiais didáticos, monitoramento e avaliações.

Para atingir a meta, o professor alfabetizador tem papel fundamental, por isso um dos eixos do Pacto é a formação continuada. No primeiro ciclo do programa, realizado de 2013 a 2014, os professores receberam formação em Língua Portuguesa. No segundo, de 2014 a 2015, em Matemática. O terceiro ciclo, de 2015 a 2016, abordou as demais áreas do conhecimento: Artes, Ciências Humanas e Ciências da Natureza. O MEC estima que o novo ciclo será lançado até junho, ao término da formação em Matemática.

Conforme explica Mirna Araújo, que foi coordenadora geral de formação de professores da Secretaria de Educação Básica (SEB) do MEC nesse período:

Mirna Araújo

Para 2015, optou-se por considerar a interdisciplinaridade como a tônica do trabalho de formação. O processo formativo tem como meta ampliar as discussões sobre a alfabetização na perspectiva do letramento numa abordagem interdisciplinar, que privilegie um diálogo permanente e sistemático com a prática docente e com a equipe pedagógica da escola para a garantia dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes e para a melhoria da qualidade do ensino público brasileiro.”

A formação no Pnaic se desenvolvia desta maneira: um grupo de formadores das universidades públicas era encarregado de formar os orientadores de estudos, que eram professores das redes de ensino e participavam de curso presencial com carga de 200 horas. Os orientadores de estudos, por sua vez, conduziam os cursos presenciais com os professores, com duração de 160 horas. Já os cursos destinados aos coordenadores locais tinham carga horária de 64 horas.

O programa tem se desenvolvido por meio de ações que estimulam a prática reflexiva do professor sobre o tempo e o espaço escolares. Cinco princípios centrais orientam o programa: currículo inclusivo, que defende os direitos de aprendizagem de todas as crianças, fortalecendo as identidades sociais e individuais; integração entre os componentes curriculares; foco na organização do trabalho pedagógico; seleção e discussão de temáticas fundantes em cada área de conhecimento; e ênfase na alfabetização e no letramento das crianças.”

Mirna Araújo

Segundo dados fornecidos pela coordenadora geral, em 2013, 5.420 municípios participaram do Pnaic. Em 2014, esse número aumentou para 5.570, ou seja, o Pacto envolveu a totalidade dos municípios brasileiros. Para este ano, a expectativa é manter esse número.


Aprender para ensinar

A metodologia do curso presencial do Pnaic propunha estudos e atividades práticas, como planejamento das aulas, processo de avaliação para acompanhamento da aprendizagem e uso dos materiais didáticos e pedagógicos distribuídos pelo MEC. A cada turma de alfabetização, o programa distribui materiais como livros didáticos e respectivos manuais do professor; obras complementares aos livros didáticos e acervos de dicionários; obras de referência, de literatura e de pesquisa; obras de apoio pedagógico aos professores e jogos pedagógicos de apoio à alfabetização.

Nos ciclos anteriores, cada professor recebeu um kit com 35 cadernos de Língua Portuguesa e 13 cadernos de Matemática, abordando diferentes conteúdos relacionados à alfabetização e ao numeramento na perspectiva do letramento, além de propostas de atividades e sugestões para ampliar os estudos e os materiais distribuídos. Em 2015, o MEC previu a entrega de mais 12 cadernos, em versão impressa e on-line.

Os materiais didáticos elaborados para o terceiro ciclo estabelecem um diálogo com diferentes autores em uma concepção sociointeracionista de ensino e aprendizagem. Segundo Telma Leal, professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e uma das coordenadoras do material produzido pelo Pnaic:

Telma Leal
Telma Leal

As estratégias formativas são variadas, buscando valorizar as experiências e os conhecimentos do professor, bem como suas experiências como leitor e produtor de textos.

Outras estratégias são o reconhecimento das experiências por seus pares, que também servem como referência, a valorização do trabalho coletivo e da ação autônoma dos professores, o estímulo ao envolvimento do professor em estudo individual e coletivo.

A metodologia empregada se pauta em situações que levem o professor a refletir sobre sua ação cotidiana, dialogando com os modelos teóricos que lhe servem de suporte.”

Os materiais didáticos do terceiro ciclo foram elaborados em parceria com 33 universidades de todo o país. Cada uma indicou seus representantes, pesquisadores de centros de pesquisa e pós-graduação, e professores da educação básica. Além dos autores, as universidades indicaram leitores críticos, que fizeram a análise dos cadernos.

Segundo Telma, todos os cadernos conta com relatos de professores da educação básica, em duas seções: “Aprofundando”, em que os especialistas discutem temas relativos ao ciclo de alfabetização e apresentam relatos resumidos para ilustrar ou problematizar alguma questão, e “Compartilhando”, que é composta por dois relatos completos de professores em cada caderno. Os relatos foram selecionados entre os apresentados pelos professores participantes da formação.

Como o tema central do terceiro ciclo é a interdisciplinaridade, os materiais buscam promover a reflexão com os professores sobre a alfabetização e sobre como organizar o trabalho pedagógico para integrar os diferentes campos do conhecimento.

Nossos três objetivos principais são: refletir sobre o currículo e a ação didática, na perspectiva de integração dos componentes curriculares; auxiliar os professores a planejar a ação didática, dinamizando o uso dos materiais distribuídos pelo MEC para estimular a autonomia e atividades reflexivas de autoavaliação; e desenvolver estratégias de estudo individual e coletivo, bem como estimular práticas de planejamento individuais e coletivas.”

Telma Leal

Boa iniciativa

Em geral, as avaliações dos coordenadores, orientadores, formadores e professores que participaram do programa foram positivas. Como relata Roberto Vieira de Oliveira, técnico da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Coronel Sapucaia (MS) e coordenador local do Pnaic:

Roberto Vieira de Oliveira
Roberto Vieira de Oliveira

Nestes dois anos como coordenador do Pnaic, pude notar a transformação de muitos professores em sala de aula. Com a evolução dos encontros de formação, os docentes perceberam que o programa tinha algo novo a oferecer e mergulharam no projeto, colocando em prática os conteúdos e as estratégias que aprendiam nos encontros. Antes, muitos professores não sabiam elaborar desenvolver uma sequência didática de aulas.”

O programa possibilitou a renovação de práticas pedagógicas em sala de aula e o desenvolvimento de atividades diferenciadas de letramento.
Na análise de Edvanir da Silva Costa, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Antônio Veríssimo de Amorim, em Rio Maria (PA):

Edvanir da Silva Costa
Edvanir da Silva Costa

O Pnaic reaviva o debate sobre a alfabetização nos anos iniciais, que são a base da vida acadêmica dos alunos. Com o programa, pude ampliar meus conhecimentos sobre as práticas de alfabetização e melhorar a atuação em sala de aula, percebendo se o planejamento e as intervenções eram apropriados às dificuldades dos alunos. Isso me fez perceber que eu tinha muito o que aprender com eles e para eles, e que meu papel não é apenas ensinar, mas ter uma apreciação crítica sobre o meu trabalho e o desenvolvimento dos alunos.”

Além dos cursos presenciais, os participantes destacam a qualidade e o conteúdo dos materiais pedagógicos. Para Salete Mucelin, coordenadora pedagógica na Emef Augusto Meyer, em Anta Gorda (RS), onde atua como coordenadora do Pnaic:

Salete Mucelin
Salete Mucelin

Tanto a formação como os materiais têm influenciado muito o ensino em sala de aula, pois são muito ricos e práticos. Já as aulas se tornaram mais lúdicas, criativas e reflexivas. Sinto que o programa desacomodou e despertou nos professores algo que estava adormecido.”

Além das mudanças em sala de aula, os encontros de formação ofereceram subsídios para que as escolas e os educadores desenvolvam projetos interdisciplinares em torno da alfabetização e do letramento. Glória de Lourdes Silva de Oliveira Melo, que trabalha no Departamento de Apoio ao Desenvolvimento do Educando na Secretaria Municipal de Educação de Porto Velho (RO) e atua como orientadora do Pnaic, complementa:

 Glória de Lourdes S. O. Melo
Glória de Lourdes S. O. Melo

Como diz Paulo Freire, “a leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Para um ensino produtivo da língua, é necessário trazer textos que sejam interessantes e significativos para os alunos. É imprescindível que as crianças se vejam na leitura e na escrita, para se constituírem sujeitos ativos nesse processo.”

Segundo Glória, vários projetos foram realizados a partir do Pnaic nas escolas de seu município. As Emefs Francisco Elenilson Negreiros e Ulisses Soares Ferreira desenvolveram o projeto Pérolas de Porto Velho, em 2013, em que os professores produziram materiais como jogos de leitura, maquetes, cartazes e revistas, tendo como temática a cidade de Porto Velho. No encerramento do projeto, as escolas promoveram uma feira aberta para a comunidade, onde cada visitante conheceu lendas regionais, saboreou pratos típicos e recebeu uma muda de açaí, planta nativa da região.

Aliás, as particularidades socioculturais são contempladas pelo programa, cuja proposta é discutida por uma equipe composta por pessoas de todas as regiões. O conteúdo inclui textos que abordam a diversidade linguística, a educação do campo, a educação inclusiva, as diferentes infâncias, entre outros aspectos, que ajudam a entender a complexidade sociocultural de nosso país. Além disso, a proposta de formação não é fechada, de modo que cada universidade e cada município tem espaço para inserir temáticas específicas da região, bem como adaptar experiências de outras localidades de acordo com sua própria realidade.

“Durante a formação, temos o estudo da educação do campo, que é realizado com professores alfabetizadores das zonas rural e urbana. Ocorre uma troca de experiências e saberes e, simultaneamente, aprendemos como adaptar uma atividade à pratica social e educacional conforme a realidade de nossos alunos”, conta a professora tocantinense Edvanir.


Desafios do cenário

Apesar dos pontos positivos ressaltados no programa, ainda são muitos os desafios e as dificuldades encontrados pelos educadores, como o excesso de alunos em sala de aula e o tempo escasso para a execução das atividades e dos cursos de formação. Para a professora Edvanir:

Os materiais e as estratégias são excelentes, embora ainda faltem recursos audiovisuais ou livros didáticos que contemplem todas as salas de aula, já que o material ainda é insuficiente para a quantidade de alunos e professores.”

Edvanir da Silva Costa

A mesma avaliação é compartilhada por Glória:

A formação dos professores é essencial, por isso é importante que o Pnaic continue investindo na valorização dos profissionais. A maior dificuldade é o pouco tempo para a formação presencial, já que os encontros ocorrem aos sábados, quando os professores estão muito cansados e têm trabalhos de planejamento para realizar em casa.

Uma solução seria realizar os encontros de formação dentro do horário de trabalho do professor. Além disso, um kit por turma ainda é pouco, uma vez que temos muitos alunos em sala de aula. Muitos professores tiveram de usar seus próprios recursos para multiplicar o material, e o fizeram com amor.”

Glória de Lourdes S. O. Melo

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