Parceria pela alfabetização em tempos de pandemia

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Parceria pela alfabetização em tempos de pandemia

Iniciativa do CENPEC Educação e Fundação Tide Setubal apoia famílias em situação de vulnerabilidade em São Paulo

Por João Marinho

Mesmo com a escola física fechada, o aprendizado não pode parar, muito menos no período de alfabetização, no qual as crianças não conseguem caminhar sozinhas e necessitam de um mediador. Leitura e escrita são objetos culturais sobre os quais somente se pode aprender, com raras exceções, tendo um parceiro mais experiente como guia”.

A afirmação de Maria Alice Junqueira, coordenadora do projeto Letra Viva Alfabetiza e especialista em alfabetização e letramento do CENPEC Educação, pauta uma das ações inovadoras da instituição, nascida no contexto da pandemia de Covid-19, doença respiratória causada pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus: dar apoio, a distância, à alfabetização e letramento de crianças em situação de vulnerabilidade.

A ação, uma parceria entre a Fundação Tide Setubal e o CENPEC Educação, insere-se na iniciativa Comunidade CENPEC e tem como território o Jardim Lapenna, bairro localizado no distrito de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo (SP).


No extremo leste de São Paulo

A região tem sido atendida pela Tide Setubal desde 2006. “Escolhemos São Miguel Paulista pelo legado que a senhora Tide Setubal havia deixado na região na época em que foi primeira-dama de São Paulo, com projetos sociais que existem ali até hoje, como o corpo de voluntárias do Hospital Municipal Tide Setubal. Sendo assim, a Fundação Tide Setubal nasce justamente para homenageá-la e continuar esse legado”, explica Andrelissa Ruiz, coordenadora de Prática Local da Fundação.

Delimitação do Jardim Lapenna, na zona leste de São Paulo, segundo barreiras físicas (Sabesp, Petrobras, Nitroquímica, CPTM). Fonte: Fundação Tide Setubal.
Delimitação do Jardim Lapenna, na zona leste de São Paulo, segundo barreiras físicas (Sabesp, Petrobras, Nitroquímica, CPTM). Fonte: Fundação Tide Setubal.

Com o advento da pandemia e da necessidade de distanciamento social, a Tide Setubal lançou um convite a diferentes organizações para somar forças no enfrentamento à Covid-19. “O CENPEC Educação prontamente se disponibilizou a estar junto e trouxe a ideia de apoiar as famílias que agora precisam dar conta de ajudar os filhos nas aulas a distância”, diz Andrelissa.

“Como conhecemos a realidade do Jardim Lapenna, com muitas famílias sem terem concluído seus estudos – algumas nunca estudaram e grande parte tem apenas o ensino fundamental –, trouxemos essa realidade ao CENPEC Educação e iniciamos um diálogo com a única escola do bairro, a Escola Estadual Prof. Pedro Moreira Matos, que atende ao ensino fundamental e médio. A coordenadora pedagógica avaliou, então, que a faixa etária da alfabetização, que não consegue fazer as atividades sozinha, seria uma das mais prejudicadas”, esclarece.

Andrelissa Ruiz, da Fundação Tide Setubal.

O apoio de voluntárias do CENPEC Educação passou a ser de grande ajuda para não deixar que essas crianças tenham um deficit nessa etapa tão importante da aprendizagem que é a alfabetização.”

Andrelissa Ruiz


Apoio às famílias na alfabetização

Na Pedro Moreira Matos, o CENPEC Educação tem apoiado uma turma de crianças do primeiro ano do ensino fundamental, cuja professora está em licença-maternidade. “Os alunos, portanto, estão sem professora nesse momento. Estavam em casa de férias antecipadas e retornaram na segunda-feira com atividades remotas, que começam a receber, enviadas pela Secretaria da Educação do Estado”, conta Maria Alice Junqueira.

“Iniciamos o trabalho na semana passada, organizando um grupo de voluntárias formado por 11 pessoas, que já se reuniram remotamente uma primeira vez para alinhar a proposta. Vamos atender as famílias duas vezes na semana, por meio de chamadas de vídeo pelo WhatsApp, nas quais trabalharemos diretamente com as crianças em interações de, no máximo, 30 minutos”, diz Maria Alice.

“Durante as chamadas, a mãe também estará presente, para que vá compreendendo a proposta e possa encaixá-la na rotina com a criança. Não serão atividades escolarizadas, mas propostas lúdicas, por trás das quais, claro, há uma intencionalidade pedagógica. Nesse momento, a ideia é aproximar as famílias dos filhos e orientá-las para que possam manter vivo o interesse da criança pela escrita e pela leitura, além de incentivar uma postura curiosa e investigativa”, explica.

De uma turma de 30 crianças, 17 famílias serão atendidas. “Não houve ‘seleção’”, comenta ainda Maria Alice.  “O critério utilizado foi a família interessar-se em participar e ter conexão por WhatsApp. Se outras famílias chegarem, havendo possibilidade, atenderemos também”.

Maria Alice Junqueira.

A escola enviou-nos os contatos das famílias e fez uma primeira abordagem, com aquelas que se haviam interessado pela proposta. Ao longo desta semana, contatamos as famílias via vídeo de WhatsApp para entendermos como estão vivendo o distanciamento social, quantas pessoas moram na casa, as preocupações das mães com a aprendizagem e alfabetização dos filhos e os interesses das crianças.

Nós nos apresentamos e conversamos sobre a forma pela qual estamos pensando em contribuir. Enfatizamos que faremos algumas ‘brincadeiras’ que têm intencionalidade e contribuem muitíssimo para o avanço das crianças.

Achamos importante ‘empoderá-las’, no sentido de que, ainda que algumas possam ter baixo letramento, pertencem a uma cultura, já brincaram na rua um dia e devem conhecer diversas cantigas, parlendas, rimas e brincadeiras que podem contribuir e ser realizadas com as crianças em sua rotina.”

Maria Alice Junqueira

A coordenadora do Letra Viva Alfabetiza também destaca a importância de estimular a leitura de histórias junto aos pequenos – e, nesse sentido, merece menção o apoio da biblioteca do ponto de leitura do galpão mantido pela Tide Setubal no bairro, de onde virão os livros: “Ainda que não saibam ler, as mães podem ver as imagens e conversar com as crianças sobre o que observam, ou pedir a um irmão mais velho, que já saiba ler, para realizar a leitura”.

Gráfico de barras com taxa de escolarização bruta no Jardim Lapenna, em São Paulo. Fonte: Fundação Tide Setubal.
Taxa de escolarização bruta no Jardim Lapenna, em São Paulo. Gráfico: Fundação Tide Setubal.

“O Galpão ZL, nosso espaço no Jardim Lapenna, sempre foi um lugar muito vivo, com muitos cursos e programações culturais. Temos mantido tudo por meio de uma agenda on-line com formações para empreendedores, culinária, contação de história e lives, discutindo as diferentes frentes e desafios que esse momento nos coloca”, conta Andrelissa Ruiz.

“Em relação ao projeto com o CENPEC Educação, a recepção tem sido positiva. O ponto de leitura que fica no Galpão, gerido pela Fundação e pela Sociedade Amigos do Jardim Lapenna, é parceiro nesse processo, e cada família receberá a doação de um kit livro. Também haverá agendamentos para empréstimos de livros”, complementa.


Comunidade CENPEC e voluntariado

A diretora de Tecnologias Educacionais do CENPEC Educação, Maria Amabile Mansutti, chama a atenção para o fato de a parceria com a Fundação Tide Setubal inserir-se na inovação trazida pela Comunidade CENPEC.

“A Comunidade CENPEC é uma ideia que vem sendo pensada, há algum tempo, pela Diretoria de Tecnologias Educacionais. O trabalho de mais de 30 anos permitiu ao CENPEC Educação acumular experiências e conhecimentos importantes para escolas, professores e gestores. Esse grande capital foi construído por um corpo técnico dedicado, formado não apenas pelos profissionais que hoje atuam nos projetos e pesquisas, mas por todos que passaram pela instituição e ainda mantêm com ela fortes vínculos de reconhecimento e amizade”, diz Maria Amabile.

Segundo ela, todos esses profissionais unem-se em prol de uma causa: assegurar aprendizagem a todos os estudantes das escolas públicas. Dessa maneira, a Comunidade CENPEC é constituída por um grupo de educadores vinculados à instituição que se oferecem como mediadores para levar a experiência e conhecimento acumulados no CENPEC Educação para outros educadores, estudantes e famílias.

“A Comunidade CENPEC nasce dessas ideias, usando para isso recursos tecnológicos atuais. A situação de distanciamento social que enfrentamos e o aceno da Fundação Tide Setubal foi a oportunidade que nos levou a torná-la realidade”, esclarece Maria Amabile.

A carta-convite enviada pelo CENPEC Educação ao grupo de pessoas que hoje são voluntárias na ação no Jardim Lapenna deixa claro que esta é a primeira ação da iniciativa, que poderá e deverá inspirar outros projetos envolvendo a Comunidade CENPEC.

“Ao mesmo tempo que reconhecemos a importância de oferecer nossos conhecimentos, vemos também que é uma grande oportunidade para aprendermos. Quando convidamos nossas colegas para participarem da experiência de alfabetização no Jardim Lapenna, a aceitação foi imediata, e elas indicaram profissionais de outras instituições interessados em participar. A aproximação da escola com as famílias desafia-nos há muito tempo. Com essa iniciativa, estamos enfrentando mais de perto esse desafio”, comenta a diretora de Tecnologias Educacionais.

Maria Amabile Mansutti.

A experiência com a Escola Pedro Moreira inaugurou a Comunidade CENPEC, e temos certeza de que será inspiradora de outras ações. A Tide Setubal e o CENPEC Educação têm uma forte identidade em relação aos propósitos que orientam sua atuação: combate às desigualdades e promoção da equidade.

Assim, pensamos que instituições que defendem a educação pública precisam unir forças, somar, oferecer o que têm de melhor para enfrentar o que estamos vivendo. Os estudantes das escolas públicas não estão tendo assegurados seus direitos de aprender, e isso terá consequências negativas e aumento das desigualdades.

Como educadores, temos o dever de buscar saídas para minimizar o problema. É hora de estabelecer parcerias para enfrentarmos juntos os desafios de hoje e os que virão com o retorno à escola, que certamente serão grandes.”

Maria Amabile Mansutti

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