E se o Brasil fosse um frasco de colônia?

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E se o Brasil fosse um frasco de colônia?

A arte-educadora Selma Maria traz reflexões sobre como o ensino de história pode acontecer de forma brincante, artística e divertida; saiba mais.

Por Stephanie Kim Abe

O que um frasco de perfume tem a ver com o Brasil? Ambos são colônia.

Poderia ser uma charada, mas é apenas a associação brincante que deu nome ao novo livro da escritora, atriz e arte-educadora Selma Maria: Brasil Colônia 1.500 Ml (Editora Casinha na Árvore).

Pesquisadora de brinquedos, Selma Maria está acostumada a olhar para objetos do cotidiano com uma outra lente, buscando dialogar com eles tal qual algumas pessoas fazem com animais: 

Foto: acervo pessoal

Tem gente que conversa com bicho, tem gente que conversa com planta, tem gente que conversa com gente. Eu adoro conversar com pessoas, mas também adoro conversar com os objetos, porque eles podem virar outras coisas. Quando você tira a utilidade dos objetos, a parte pragmática, vamos dizer assim, das coisas, elas se tornam mais poéticas”, explica. 

Selma Maria, arte-educadora

Foi dessa maneira que ela olhou um dia para um vidro de perfume, lembrou-se que perfumes também são conhecidos como colônia e entendeu que podia partir desse objeto para tratar do Brasil (ex-colônia de Portugal) e da nossa relação como cidadãos de uma pátria que foi colonizada — e que, por vezes, também pode estar nesse papel de colonizador. 

A diferença é que ela traz o mesmo movimento que de mudança de ótica sob a qual examina objetos para a história do Brasil, buscando contá-la de uma perspectiva decolonial

Brincar com esse vidro de colônia me vem à memória o cheiro que as minhas tias gordas passavam, de seiva de alfazema, dos perfumes antigos. Mas esse produto também pode ser atual, e hoje vir de marcas brasileiras, que por vezes estão também sendo vendidas mundo afora. Essas associações foram se degringolando em outros objetos e palavras que têm a ver com o universo da decolonização”, explica.

Selma Maria
Página do livro Brasil Colônia 1.500 Ml, de Selma Maria

Entre os 14 objetos do cotidiano que aparecem na obra que geram essas diferentes reflexões, está a novela, que é representada na imagem de uma vela com uma corda amarrada, formando um nó. “A novela é um produto brasileiro com o qual nós colonizamos o mundo, de certa forma. Elas estão presentes em Portugal, Angola, Moçambique, e fazem parte da nossa cultura exportada”, diz. 

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Aula de história com humor

Para Selma, além de se utilizar de objetos do cotidiano para falar sobre história, o humor também pode ser um grande aliado e diferencial nesse processo. Tanto porque isso está presente no próprio povo brasileiro, mas também porque nos permite entender o lugar que ocupamos na sociedade e como fazemos parte dela culturalmente.

No Brasil, diferentemente de outros países, como na Europa, quando você anda na rua, você vê as pessoas rindo. Ontologicamente, o Brasil é um país com humor. E o riso é uma identificação que você tem com uma cultura. Quando eu conto uma piada ou faço uma associação engraçada, só rirão as pessoas que entendem essa informação, que tem a mesma cultura ou referência”, diz Selma.

Ao trazer o humor e a brincadeira, a arte-educadora acredita que é possível atrair mais as(os) estudantes e tratar de uma maneira mais leve, mas ainda respeitosa, sobre questões que são muitas vezes sérias e pouco atraentes:

“Quando nos deparamos com um livro didático de história, percebemos que eles se repetem. Sempre colocam que a história do Brasil começa em 1500, por exemplo — sendo que sabemos que isso é uma mentira. Quanta cultura de povos originários não existia já antes dos portugueses chegarem ao Brasil? A dinâmica brincante e o humor podem ser ingredientes que ajudam a entender a complexidade que é o nosso país e a nossa história”.

Selma Maria

Para Selma, o importante é que as(os) educadoras(es) busquem desenvolver nas(os) estudantes uma visão crítica sobre o olhar histórico e o que vem de fora:

“Não é uma questão de falar mal ou bem do Brasil. O que eu quero é despertar nas pessoas um alerta de que façam uma filtragem quanto a absorver os conhecimentos que vêm de outros lugares. Que não deixemos apenas entrar qualquer coisa em nosso imaginário. Que façamos uma autocrítica em relação a tudo o que é despejado sobre nós, sem deixar de aprender todas as coisas incríveis que também estão presentes no mundo afora”, diz Selma.


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