As diversidades na Educação

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As diversidades na Educação

No Dia da Educação (28 de abril), perguntamos: por que olhar as especificidades de cada grupo para garantir equidade e direito à educação?

Por Stephanie Kim Abe

Alessandra Alcanthara dos Santos Higa é intérprete de Libras há seis anos. Atualmente, ela dá aula em duas escolas da rede municipal de Peruíbe, litoral sul de São Paulo. Com uma das suas alunas da turma de manhã, ela se comunica por Libras, porque a criança já conhece essa língua. Outra aluna usa implante coclear desde pequena. Ela consegue se comunicar com a língua portuguesa e usa pouco a Libras. Logo o trabalho de Alessandra varia muito dependendo do(a) estudante surdo(a) que ela acompanha:

Eu sou contratada para interpretar, mas de que me vale fazer uma interpretação que a criança não vai entender? A maioria das crianças do nosso município chega às escolas sem saber a língua de sinais, então às vezes eu tenho que ensinar a Libras a elas. Elas precisariam de alguém da comunidade surda que ensine o idioma a elas, pra que, quando chegassem na sala de aula pra mim, soubessem a língua de sinais e entendessem tudo o que eu interpreto.”

Alessandra Higa

Esse é só um exemplo das muitas dificuldades que diferentes segmentos da sociedade enfrentam para garantir o seu direito à aprendizagem, e que professores(as) e gestores(as) precisam olhar para garantir uma escola de fato inclusiva. Vale ressaltar que a educação inclusiva diz respeito a todos, não somente aos(às) estudantes com deficiência, e entende que o processo de aprendizagem de cada pessoa é singular. Ou seja, é preciso perceber e tomar consciência da diversidade que há na comunidade escolar.

Sara Wagner York, pai, avó e doutoranda em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ilustra a questão apontando que há mais de 180 professoras e educadoras transsexuais, cujo trabalho não se nota porque é invisível e indica um sintoma maior da falta de conhecimento sobre a questão:

Essa invisibilidade atende uma política maior, que quer pensar equidade, mas depende. Discutir LGBTI+ e síndrome de Down, por exemplo, traz outra complexidade que a gente nem tem formação e nem sabe para onde recorrer para melhor lidar com essa situação. Por isso temos usado ‘diverCISdade’, ou seja, sempre a diversidade naquilo que você consegue visualmente estabelecer.”

Sara Wagner York

Mudanças nas concepções

Na matéria publicada ontem no Portal Cenpec, destacamos alguns dos principais marcos regulatórios e políticas públicas que marcaram avanços na educação de diferentes modalidades de ensino. A análise desse histórico é importante porque indica as mudanças nos olhares e nas concepções sobre esses diferentes grupos e que influem na formulação de políticas públicas.

No caso da educação no campo, Raimunda Alves Melo, professora e coordenadora do curso de Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal do Piauí (UFPI), explica:

A nova concepção de campo entende esse espaço como heterogêneo, de abundância, de diversidade, de engajamento das famílias e de possibilidade de vida digna. É uma concepção que foge da perspectiva do campo como um espaço de produção de alimento, de atraso e de nostalgia, e que não o coloca como antagônico da cidade.”

Raimunda Alves Melo

Quando olha para a história dos quilombos e a sua presença na escola, Givânia Silva, educadora do quilombo Conceição das Crioulas, em Salgueiro (PE), alerta que é preciso reconhecer o silenciamento que existe sobre esses povos no currículo escolar:  

Uma educação que se propõe a ser um pouco mais justa, a ter mais equidade – não igualdade, porque existem diferenças – precisa incluir nas suas bases, a história de todos os grupos, não pelo olhar do colonizador, mas dos próprios grupos. São as populações dos povos indígenas e dos descendentes de africanos escravizados, sendo que muitos deles são hoje quilombos.”

Givânia Silva

Mudanças no currículo

Na prática, esse reconhecimento significa garantir que leis como a 11.645/2008, que estabeleceu a obrigatoriedade do ensino sobre a história e culturas afro-brasileiras e indígenas na educação básica escolar, sejam de fato implementadas. O currículo deve ter um equilíbrio, resgatando a história dos povos originários e as resistências dos quilombos, ao mesmo tempo que fala da Revolução Francesa. 

Ao reconhecer essas histórias, a ideia não é negar que houve a escravidão, mas mostrar que há mais do que sofrimento, há também resistência. Para Givânia, há uma divisão muito clara da sociedade, herança desses tempos passados:

A escravidão deixou como legado, entre todos os males que conhecemos, a separação de dois grupos: os que foram afetados negativamente e os que foram afetados positivamente por ela. No primeiro grupo se encontram os que menos acessam o sistema de educação, as políticas públicas, que estão nos trabalhos precarizados, seja no campo ou na cidade. O segundo é o detentor o poder, majoritariamente representado no Congresso Nacional, no sistema de justiça e nos lugares de poder no país.”

Givânia Silva

Raimunda vê a mesma inadequação curricular quando o assunto é a educação no campo, o que impede que haja as necessárias adequações metodológicas e de calendário escolar:

Nas escolas do campo no Brasil, o que se desenvolve predominantemente é um modelo de educação que valoriza a universalidade e não as especificidades – como a BNCC. As pesquisas da Secretaria de Estado da Educação do Piauí mostram que a lógica urbanocêntrica ainda predomina no currículo de toda as escolas, ou seja, ele não considera a educação para a vida e a realidade local. A gente não vai pra escola para aprender aquilo que aprendemos na família e na comunidade, mas nós não temos que ir pra escola para negar aquilo que nós já sabemos.”

Raimunda Alves Melo

Garantir planos de aula e livros didáticos que contemplem a diversidade das línguas originárias são alguns dos pontos que Weibe Tapeba, assessor jurídico da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince), acredita serem problemáticos quando olhamos para o currículo na perspectiva da educação indígena. 

Mais do que isso, ele acredita que é imprescindível considerar a comunidade como um todo e todos os seus espaços tradicionais como espaços de prática de ensino e aprendizagem:

A escola é comunitária, ela não está solta e deve ser compreendida para além de seus muros. Existe um território e a escola tem o papel de formação cidadã, reconhecimento e valorização da nossa cultura, memória, costumes e tradições. É preciso entender que a casa de farinha, o terreno sagrado onde acontecem os rituais e a área de plantio comunitária são salas de aula.”

Weibe Tapeba

Mudanças nas escolas e políticas

A lógica de nucleamento e fechamento das escolas tem retirado os direitos dos estudantes no campo. De acordo com Raimunda:

Em 2010, existiam 78.776 escolas no campo. Em 2020, são apenas 53.741. Em 10 anos foram fechadas 30% das escolas do campo. Além disso, nós ainda temos uma situação educacional discriminatória injusta nas escolas do campo, desde os dados de acesso e do número de formação de professores.”

Raimunda Alves Melo

Para garantir que as diversidades não sejam mais invisíveis e sejam consideradas no projeto político pedagógico da escola e no trabalho da gestão escolar, Sara York destaca o papel da escuta sensível:

Uma escuta sensível na escola significa você desacelerar no tempo para dar atenção a uma questão que até então era invisível pra você. Foi o que aconteceu, por exemplo, com as práticas racistas e a homo, lesbo e transfobia durante anos, que eram classificadas como bullying, para amenizar o seu teor e colocá-las no campo das piadas.”

Sara York

No caso dos estudantes LGBTI+, o uso do nome social e do banheiro por pessoas trans são algumas das ações que precisam ser discutidas na escola para quebrar o estigma social com os corpos chamados de “gênero diverso”. Para Sara York, é urgente uma formação de professores(as) que os(as) ajude a lidar com essas novas gramáticas, a que não tiveram acesso até o momento. Ela faz uma comparação com a aprendizagem das Libras para o professor:

Se você tem um aluno surdo na sua sala de aula, não pode mais falar rapidamente como falava antes. Você vai precisar pontuar as frases, falar mais devagar e com calma, pra ajudar o intérprete que depende de você, e consequentemente esse aluno que depende do intérprete. É ter essa adequação nas escolas públicas.”  

Sara York

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