Dentro da palavra “professora”

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Dentro da palavra “professora”

Em celebração ao Dia das(os) Professoras(es), destacamos esta homenagem do saudoso poeta Jorge Miguel Marinho. Publicado originalmente na Plataforma do Letramento, em 2015

Por Jorge Miguel Marinho

Essa minha descoberta aconteceu em Lavrinhas, lá perto e bem perto de Cruzeiro do Sul, ao norte de todas as minhas revelações. Dia sim, dia não, de manhã ou de tarde, nunca deixo de ir lá. Cultivo a minha descoberta, é um trabalho de jardinagem. De palavras.

A minha descoberta se chama Telma e, como um nome está dentro de todos os nomes, atende pelo chamado só de professora. Ela se sente sempre chamada pelas crianças e pelos personagens que ela inventa. A professora Telma quase não tem mais nome, nem precisa, ela é professora.

Ilustração: livros
Imagem: Fotolia.

As palavras se embaralham, brincam e jogam com outras palavras, a vida se descobre todo dia, às vezes se encanta, às vezes se assusta. Essa minha descoberta não é só minha, é da professora, mas aqui ninguém é dono de nada, é proibido mandar no reino de todas as coisas e no reino de coisa nenhuma. É um lugar de coisas grandes e pequenas, todas do mesmo tamanho, do tamanho do céu e das curvas de uma ideia, do pensamento das palavras. Essa é outra descoberta da professora, é ela.

Um dia é dia de sol, outro dia é dia de chuva, todo dia é dia de gente, de dores e de alegrias. E as dores são bem-vindas, as alegrias esperadas, o que conta é o que não se obriga. Tudo acontece e tem dia que acontece tanta coisa que é preciso esquecer para guardar o lugar da próxima descoberta.

A palavra preferida da professora Telma é inventário. Penso comigo que é porque ela gosta de inventar coisas para sempre. E as crianças entram nessa outra descoberta e ficam inventando o que parece que não existe na cabeça das outras pessoas, mas existe dentro de um livro. E dentro da vida, que é melhor ainda.

Um dia desses, uma criança mais atrevida olhou dentro da palavra professora e achou o nome dela, um outro nome. Não disse para ninguém, tem descoberta que é só minha.


“… os professores […] têm a tarefa de cuidar para que mundos se abram cada vez que viramos uma página de um livro”, diz Telma Vilas Boas, a professora que inspirou Jorge Miguel Marinho nesta homenagem ao Dia das(os) Professoras(es).

Leia a entrevista com essa educadora apaixonada por literatura e por seu ofício de formar leitores.


Jorge Miguel Marinho
Foto: arquivo pessoal

Jorge Miguel Marinho (1947-2019) foi professor de Literatura Brasileira com pós-graduação pela Universidade de São Paulo (USP), coordenador de oficinas de criação literária, dramaturgo, roteirista, ator, pesquisador de componentes lúdicos na crítica literária com os livros Nem tudo que é sólido desmancha no ar – ensaios de peso e A convite das palavras – motivações para ler, escrever e criar, autor de livros de ficção literária, entre eles, Te dou a lua amanhã – uma biofantasia de Mário de Andrade e  Lis no peito – um livro que pede perdão, premiados com o Jabuti.

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