6 aprendizados de educadoras(es) ao estreitar laços com as famílias

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6 aprendizados de educadoras(es) ao estreitar laços com as famílias

A partir de três experiências distintas, educadoras(es) trazem ensinamentos sobre a importância de olhar com cuidado para a família de estudantes durante a pandemia

Por Stephanie Kim Abe

Entre as muitas mudanças que o ensino remoto trouxe durante essa pandemia, está a relação entre família e a escola. De acordo com a pesquisa Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica, realizada pela Fundação Carlos Chagas, quase metade dos 14 mil docentes participantes indicaram um aumento da relação escola-família e do vínculo do aluno com a família.

Imagem de gráficos sobre vínculo familiar com as escolas na pandemia. A pesquisa Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica foi realizada pela Fundação Carlos Chagas.
Gráfico da pesquisa Educação escolar em tempos de pandemia na visão de professoras/es da Educação Básica, realizada pela Fundação Carlos Chagas

Diante desse cenário, o CENPEC Educação destacou três experiências que têm sido desenvolvidas por educadoras(es), formadoras e coordenadoras, que jogam luz nessa relação e que podem servir de ensinamento e inspiração para demais educadores.


Conheça as experiências


1. Apoio ao letramento por WhatsApp

No Jardim Lapenna, bairro localizado no distrito de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo (SP), 10 voluntárias integrantes da Comunidade CENPEC têm realizado uma experiência nova para potencializar a aprendizagem do letramento de 13 estudantes do 1º ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Prof. Pedro Moreira Matos.

Coordenadas por Maria Alice Junqueira, responsável pelo projeto Letra Viva Alfabetiza e especialista em alfabetização e letramento do CENPEC Educação, cada uma das voluntárias tem dois encontros virtuais semanais, por meio de videochamada no WhatsApp, com uma das crianças e um familiar.

Além de Maria Alice, entrevistamos também as formadoras Patrícia Calheta e Elisa Maria Pitombo, voluntárias no projeto. A ação é realizada em parceria com a Fundação Tide Setubal.


2. Adaptação e planejamento de atividades a distância

Da EMEF Desembargador Amorim Lima, na zona oeste de São Paulo (SP), conversamos com o professor de Língua Inglesa do Ensino Fundamental II Wesley Vieira. Desde o princípio das aulas remotas, ele fez questão de manter conversas periódicas com a família de todos os seus alunos, via videoconferência, para melhor entender como adaptar e planejar suas atividades nesse contexto.


3. Cartinhas para as crianças

Já a Escola Municipal Pantera Cor de Rosa, de São José do Rio Preto (SP), ficou conhecida na região e até saiu no jornal local pela iniciativa de enviar cartinhas às crianças da Educação Infantil. Para contar sobre essa iniciativa, falamos com a coordenadora pedagógica Patrícia Vieira Ribeiro.

Imagem de uma cesta com cartas envelopadas sobre uma mesa.
Cartinhas prontas para serem enviadas às crianças

As três experiências mostram a importância de dar voz, não só às crianças, mas também aos adultos, e de aprender com essas famílias a melhor forma de garantir o desenvolvimento dos estudantes.

Fotografia da formadora Patrícia Calheta em uma sala de aula.

Ao entrarmos agora na casa das pessoas, potencializamos essa premissa de que aprender não se esgota na escola, que aprender está em todos os lugares. E que se as pessoas souberem de que maneira elas podem contribuir para isso, dos diferentes papeis que elas assumem, certamente o benefício para a criança vai ser maior

Patrícia Calheta, educadora voluntária da Comunidade CENPEC no Jd. Lapenna, em São Paulo

Os ensinamentos


1. Pedir licença é mais que bons modos – é respeito

“Como entramos nas casas delas?”. Essa foi a pergunta feita por Wesley Vieira, professor da EMEF Desembargador Amorim Lima, uma vez conseguido todos os contatos da família de seus alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Afinal, se as crianças estão em suas casas e as aulas agora serão virtuais, é esse o movimento que professores – e alunos – têm feito: entrar nas casas uns dos outros.

O “pedir licença” é abrir uma conversa com os pais ou familiares responsáveis, antes de tomar quaisquer decisões referentes à forma como essa nova dinâmica vai se colocar – passo esse que foi ignorado por muitas redes de ensino no momento de pensar suas ações remotas e impor maneiras de trabalhar, ferramentas virtuais utilizadas e atividades a serem realizadas.

Esse diálogo com a família deve gerar também um respeito mútuo, em termos de acordos feitos entre as partes.

Imagem da formadora Elisa Maria Pitombo.

É importante que se respeite o horário e o espaço combinado. Eu sempre ligo antes, pergunto se está tudo bem, se podemos conversar daqui a pouco. Envio mensagem no horário adequado e, se falo que vou ligar daqui a 5 minutos, eu ligo, e termino no horário

Elisa Maria Pitombo, psicopedagoga e pedagoga voluntária do projeto da Comunidade CENPEC no Jd. Lapenna, em São Paulo

2. Acolhimento aos familiares é alinhar expectativas

Ao se dispor a ouvir os pais, os entrevistados descobriram que nem sempre aquilo que achavam ser prioridade era o que de fato mais os preocupava. Patrícia Vieira Ribeiro, coordenadora pedagógica da Escola Municipal Pantera Cor de Rosa, em São José do Rio Preto, percebeu uma ansiedade dos familiares em saber quando as aulas voltariam, no primeiro momento.

Wesley Vieira, professor da EMEF Desembargador Amorim Lima, ficou surpreso ao saber que a cobrança dos pais não estava em ter aula a aula: “Eles estavam muito mais preocupados com o fato de que as crianças mantivessem os vínculos e tivessem com quem conversar sobre a pandemia, do que com as fórmulas de Matemática que deveriam estar estudando. O pensamento conteudista foi para segundo plano”, relata.

Acolher as crianças e os familiares leva em conta os saberes e as angústias deles, já que as questões emocionais também afetam a aprendizagem e têm vindo mais à tona, nesse momento tão único de pandemia. Daí a importância de pequenos gestos, como o de enviar cartinhas para as crianças, realizado pelas professoras da EM Pantera Cor de Rosa.

Imagem da coordenadora pedagógica Patrícia Vieira Ribeiro, em frente a um computador.

Não sabemos se elas perderam um ente querido, como um avô ou um vizinho. Então estamos muito preocupadas com a questão emocional das crianças e das famílias. Queremos abraçá-las, da forma que for possível, quando retornarmos

Patrícia Vieira Ribeiro, coordenadora pedagógica da EM Pantera Cor de Rosa, em São José do Rio Preto (SP)

Com a palavra, os familiares

Mais do que o conteúdo, foi a falta de interação com as professoras e as outras crianças que mais preocupou Thiago Pereira do Santos quando as aulas da sua filha Ísis, de 04 anos, foram suspensas na Escola Municipal Pantera Cor de Rosa, em São José do Rio Preto. Ele tem gostado muito das dicas de atividades que as professoras têm compartilhado com os pais via grupo privado no Facebook. Mas foi com a cartinha enviada pela professora no começo de junho que ele sentiu realmente que, apesar da distância física, estava mais próximo da escola:

“Eu sentei com ela na cama e li para ela. Falei que era uma cartinha da professora, que ela estava em quarentena assim como nós, mas que logo tudo iria voltar. Ela ficou sentadinha, prestando atenção e ficou muito feliz. Depois, foi brincar com os adesivos de unicórnio (os favoritos dela) que a professora tinha enviado. Eu, lendo, até fiquei meio emocionado – acho que gostei mais do que ela. Gostaria de agradecer a escola pelo cuidado e pela atenção que tem tido com as crianças”


3. É preciso levar em conta a dinâmica da casa

A quantidade de pessoas que vivem na casa, quantos cômodos elas dividem, o espaço disponível para as crianças estudarem, as pessoas que transitam ao redor delas enquanto fazem lição, como são divididos os afazeres domésticos, a rotina dos pais…tudo isso entra em jogo para o professor que pensa na melhor forma de apoiar o estudante no seu processo de aprendizagem remota.

No caso da turma de 6º ano do professor Wesley, os pais perceberam que, após um mês de suspensão das aulas, as crianças trocaram o dia pela noite. Em uma das videoconferências que ocorrem a cada quinze dias entre eles, Wesley e os pais chegaram ao entendimento de que, para além de jogar videogame até tarde, o novo hábito era uma maneira dos estudantes dividirem o tempo da casa com os outros membros da família e de ficarem sozinhos em determinados momentos.

“Se os pais já foram dormir entre 23h e meia-noite, e as crianças ficam acordadas até às 2h, elas têm aí três ou quatro horas em que a casa é mais delas. O mesmo acontece para os pais. Se eles acordam às 7h e as crianças às 11h, eles têm aí quatro horas para poder dar conta dos seus próprios afazeres”, diz Wesley. E se as crianças estão dormindo até tarde, como manter as atividades pela manhã? Foi preciso então encontrar o melhor horário para as aulas, que têm acontecido duas vezes por semana.

As voluntárias da Comunidade CENPEC no Jd. Lapenna têm tido muito cuidado na hora de lidar com essa dinâmica durante os seus encontros – o que elas têm chamado de “território de delicadezas”. Mas aproveitaram esse entendimento para também ajudar os pais a criar melhores condições para os filhos dentro de casa.

Imagem da educadora Maria Alice Junqueira.

Percebemos que precisamos ajudar a família a se organizar um pouco nesse momento, com muito cuidado e respeito com a rotina. Devagarinho, fomos perguntando se seria possível abaixar o volume da televisão um pouco, se seria possível achar um cantinho para criança estudar etc

Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e letramento e voluntária da Comunidade CENPEC no Jd. Lapenna, em São Paulo

4. A rotina pode ser o ponto de partida para o planejamento das atividades

Se a sala de aula agora é a própria casa, por que não partir do que há nela para pensar as atividades e os conteúdos a serem ministrados?

As voluntárias têm se utilizado muito dessas ferramentas nos encontros virtuais com as crianças do 1º ano do Ensino Fundamental da escola Prof. Moreira Matos, no Jd. Lapenna, em São Paulo. “Aprendi que tem muita coisa legal que a gente consegue aproveitar nesse ambiente para o processo de letramento. Os rótulos dos produtos que estão na mesa do café e os objetos da cozinha são alguns deles. Eu falo ‘vamos pegar objeto que tem a letra E, E de Elisa’, e a Sthefany, de 06 anos, procura e me traz”, relata a pedagoga Elisa Maria Pitombo.

O professor Wesley também tem partido das atividades rotineiras para pensar suas atividades. “Os pais apontaram que as crianças precisavam participar mais dos cuidados da casa, já que estão o dia inteiro em casa, fazendo as três refeições. Precisavam lavar aquela louça, não deixar tanta bagunça, de repente até ajudar a fazer alguma coisa – como o seu próprio café da manhã… então decidimos começar pelas receitas”, explica.

A partir do tema, ele conseguiu trabalhar as frações. Depois, escolheram falar sobre os bichos de estimação e outros conceitos de Matemática foram aplicados (divisão e o quanto as famílias gastam com as rações, por exemplo).

Nas últimas semanas, debruçaram-se sobre as manifestações contra o racismo nos Estados Unidos e no Brasil. Aproveitando o tema, fizeram atividades de Língua Inglesa, discutiram o preconceito racial e acabaram chegando em pronomes, a partir dos erros encontrados nas redações produzidas pelos alunos.

Imagem do professor Wesley Vieira em frente a um muro vermelho.

Antes, na escola, eu tinha o conteúdo e mobilizava a atividade para ensiná-lo. Agora não. Eu tenho uma atividade e eu mobilizo conteúdos para embasar ou aprofundar, nessa atividade. O planejamento é feito, então, a cada semana, em conversa com os estudantes, de acordo com as necessidades oriundas das demandas deles

Wesley Vieira, professor do Ensino Fundamental II da EMEF Desembargador Amorim Lima, em São Paulo

5. O ritmo e o tempo agora são outros

A partir do momento em que a escola fechou e as aulas passaram a ser remotas, muita coisa mudou. Entre elas, a percepção de tempo e o ritmo de aprendizagem. “Não podemos ter muita expectativa quanto ao rendimento, como se estivéssemos dando uma aula normal na escola”, reforça Elisa.

Para não se sobrecarregar, a dica do professor Wesley é fazer mais atividades qualitativas do que quantitativas.

“Precisamos esticar mais a corda do tempo. Não é mais aquele tempo que funcionava dentro da sala de aula, com 40 ou 50 minutos para passar um conteúdo que se fecha, e 10 minutos para verificar esses cadernos, vistá-los e dispensar esses estudantes. Eu preciso fazer atividades mais alongadas, para que as crianças se debrucem mais sobre elas, e a gente possa ter um mínimo de sanidade”, defende.

Com a palavra, os familiares

Assim como as filhas, as mães Vanessa de Lima Cordeiro e Amanda Araújo Xavier têm aprendido bastante com os encontros virtuais que acontecem duas vezes por semana com as voluntárias da Comunidade CENPEC.

Durante esses encontros, Mayara, de 07 anos, e Sthefany, de 06 anos, cada uma em sua casa e com a mãe do lado, ouvem histórias, cantam, brincam com letras móveis e fazem outras atividades divertidas e lúdicas acompanhadas em vídeo por uma das educadoras da iniciativa. As meninas gostam muito, e ficam ansiosas para os dias em que vão se encontrar com as educadoras Patrícia Calheta e Elisa Pitombo, respectivamente, nesse projeto que busca potencializar a aprendizagem do letramento.

Vanessa passou a ler histórias com e para a sua filha, aproveitando ao máximo todo esse tempo que elas têm passado juntas – um fato inédito, já que antes da pandemia ela trabalhava o dia inteiro fora e só via Mayara à noite:

“Muitas mães que não podem ter esse acompanhamento, porque não têm internet, não têm celular, não têm tempo… Mas é muito importante acompanhar cada passo que o filho dá”

Amanda tenta adiantar todo o trabalho da casa para estar atenta e por perto durante os encontros. Mesmo quando está lavando a louça, está prestando atenção na conversa da filha Sthefany com Elisa, e gosta muito da atenção e da explicação que a professora dá à criança – e a ela também:

“Eu aprendi que tenho que ter mais paciência quando a Sthefany erra. Porque ela erra e eu não aceito que ela erre, mas a professora Elisa está me ensinando que ela tem que ir no tempo dela. Mas mãe é assim, né? Com relação à escola, a gente quer puxar muito a criança”


6. Nem tudo vai sair como planejado – e tudo bem!

Outra forma de manter a sanidade é entender que nem tudo vai sair como planejado e tentar ser o mais flexível possível.

“A delicadeza está em observar como a criança está e aceitar que naquele dia não vai dar para fazer o que havíamos combinado. Seja porque ela não para quieta, porque a ligação cai a toda hora, porque não conseguimos acabar de ler a história ou porque na casa há dez familiares no mesmo cômodo naquele dia”, diz a formadora Patrícia Calheta.

Mais do que se ater aos planos, é importante criar vínculos com a família, que vão beneficiar o desenvolvimento da criança. É a partir desse movimento que os entrevistados sentiram tanto uma valorização dos professores pelas famílias quanto tiveram uma percepção melhor das limitações da rotina e suas consequências para o aprendizado das crianças.

“Acho que as escolas se aproximavam dos pais muitas vezes numa perspectiva de cobrança das famílias. E estas também se queixavam muito da escola. Ou seja, havia um desencontro muito grande. Percebemos que agora foi preciso estabelecer uma parceria, que sempre acreditamos ser muito importante: a escola e a família juntos em prol do desenvolvimento das crianças”, diz Maria Alice Junqueira.


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