Acolhimento em cascata: garantindo o apoio emocional na retomada das aulas presenciais

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Acolhimento em cascata: garantindo o apoio emocional na retomada das aulas presenciais

Apoiar uns aos outros, se corresponsabilizar e compartilhar emoções e experiências são ações fundamentais no acolhimento a todos os atores da comunidade escolar

Por Stephanie Kim Abe

No âmbito do projeto Letra Viva Alfabetiza, o CENPEC Educação tem trabalhado com cinco secretarias municipais de educação localizadas no Vale do Ribeira, em São Paulo, e tratado do planejamento da retomada das aulas presenciais, considerando as sinalizações e orientações estaduais. O governo do estado adiou, na última sexta-feira (dia 07/08), o retorno das aulas presenciais, que estava previsto para o dia 07 de setembro, para o dia 08 de outubro.

O projeto Letra Viva Alfabetiza busca contribuir com a melhoria da educação pública através de uma metodologia que qualifica processos e práticas de alfabetização e letramento por meio da formação de rede. Atualmente, o projeto ocorre em parceria com cinco secretarias municipais de educação, todas localizadas na região do Vale do Ribeira em São Paulo: Apiaí, Barra do Chapéu, Itaoca, Itapirapuã Paulista e Ribeira. Saiba mais sobre o projeto aqui

Ainda que as redes não tenham datas estabelecidas de retorno, esse planejamento é muito importante e deve incluir não só a definição de protocolos sanitários, mas também orientações pedagógicas, reorganização de calendário etc.

Entre os procedimentos dessa volta que a equipe do projeto tem trabalhado está a questão do acolhimento.

Entenda a importância do planejamento e da participação na retomada das aulas presenciais


Acolhimento em cascata

A equipe do projeto tem trabalhado com o que chamam de “acolhimento em cascata”. Ela entende que, ainda que os professores estejam na ponta, eles não podem estar sozinhos na recepção dos alunos às escolas, e precisam também receber apoio e estar fortalecidos para poder planejar esse primeiro momento.

Fotografia de Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e letramento e coordenadora do projeto Letra Viva Alfabetiza.

A Secretaria de Educação precisa acolher os gestores escolares (os diretores e coordenadores pedagógicos), para ajudar os gestores a acolherem as suas equipes escolares – no caso, os professores e todos os funcionários da escola. E então temos a escola, claro, acolhendo os alunos e as famílias

Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e letramento e coordenadora do projeto Letra Viva Alfabetiza

De acordo com Maria Alice Junqueira, especialista em alfabetização e letramento e coordenadora do projeto Letra Viva Alfabetiza pelo CENPEC Educação, o “planejamento das oficinas de acolhimento” (como a equipe do projeto Letra Viva Alfabetiza tem chamado esse processo) deve acontecer antes da volta às aulas, junto com os coordenadores pedagógicos – que por sua vez terão planejado e discutido esse esqueleto com os técnicos da Secretaria. Os professores então vão adaptando e planejando as suas atividades.


Tempo para os professores e para as famílias

Dando importância para que cada camada dessa cascata esteja preparada para acolher o grupo seguinte, Maria Alice chama atenção para a necessidade de garantir alguns cuidados. Os professores, por exemplo, devem comparecer à escola alguns dias antes da volta às aulas, para se acostumarem e entenderem as novas dinâmicas.

Já as famílias devem ser acolhidas, na verdade, em dois momentos. Primeiro, antes mesmo da retomada, pela Secretaria de Educação, que deve comunicá-las de todos os procedimentos, as medidas, o calendário e as ações que estão sendo realizadas para garantir a segurança dos estudantes e da comunidade escolar.

“Cada município, por menor que seja, tem que ter o(a) seu(sua) secretário(a) de educação explicando para a comunidade como vai ser essa volta. Seja pelo rádio, televisão ou gravando vídeo e enviando por WhatsApp. Seja como for, a Secretaria precisa se posicionar”, explica Maria Alice.

No retorno, ela sugere que, se possível, as famílias sejam convidadas a estar presente junto com os estudantes na escola, para que elas possam vivenciar e entender a nova realidade escolar, e também compartilhar suas experiências e se sentir acolhidas pelos professores e direção.


Acolher é…

Além de Maria Alice Junqueira, o CENPEC Educação conversou com Roseli Fernandes Lins Caldas, psicóloga e presidente eleita da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE), para entender quais pontos são importantes durante o acolhimento na volta às aulas presenciais. Listamos abaixo o que, para as entrevistadas, significa acolher.


1. Abrir espaço para expor ideias e sentimentos
Fotografia de Roseli Fernandes Lins Caldas, psicóloga e presidente eleita da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE).

Uma das coisas que geralmente fazemos para acolher os outros são os abraços. Mas agora no pós-pandemia, muito provavelmente ainda não poderemos nos abraçar. Por isso, esse será um tempo de escuta das dores, sentimentos, preocupações, medos e reações dos outros, e de valorizar o que aconteceu de bom nesse período

Roseli Fernandes Lins Caldas, psicóloga e presidente eleita da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE)

Essa máxima vale para todas as etapas do acolhimento em cascata – isto é, tanto nos encontros promovidos pela secretaria com os gestores, como dos gestores com os professores e suas equipes, e também dos familiares e alunos uma vez na escola.

Além de rodas de conversas, Maria Alice sugere dinâmicas, como a criação de um mural da quarentena, no qual os participantes do encontro podem escrever, desenhar ou fazer uma colagem, por meio de papel e caneta, sobre as situações ou sentimentos vivenciados durante a quarentena.

“Todo mundo estará voltando de situações difíceis. Mas a atividade não deve ser um muro de lamentações. A ideia é que todos possam trocar e se acolher, se reaproximar e se fortalecer como grupo”, reforça Maria Alice.


2. Manter brincadeiras, interações e ludicidade

Mesmo com todas as adversidades e as restrições que os protocolos sanitários impõem, a coordenadora do Projeto Letra Viva Alfabetiza acredita que é possível garantir, principalmente para as crianças pequenas, espaços e atividades lúdicas para que elas possam recuperar forças e se reaproximar do grupo.

“O lúdico é algo muito restaurador da saúde para a criança. A linguagem pela qual ela se expressa é a brincadeira e a interação. Mas não vale qualquer atividade lúdica: devem ser propostas nas quais possamos expressar e compartilhar vivências que tivemos na quarentena, que nos aproximam e também descontraem”, diz Maria Alice.

Entre as brincadeiras que estão sendo trabalhadas e propostas no projeto Letra Viva Alfabetiza, estão as mímicas (de nome de filme, novelas, desenhos animados que as pessoas tenham assistido durante a quarentena), o “Qual é a música” e a gincana “Levante a mão/escreva o nome na lousa quem…” (brincou com o cachorro na quarentena, chorou, perdeu alguém etc).


3. Apoiar uns aos outros

Para a psicóloga Roseli Fernandes Lins Caldas, o acolhimento deve ser um processo que se caracteriza por uma via de mão dupla. Isso significa que professores também apoiam gestores, assim como alunos auxiliam professores e família – uma relação que, na verdade, tem se desenvolvido ao longo desse processo de educação remota.

“Não vejo apenas o professor apoiando as famílias e as crianças, mas sim um apoio mútuo. Eu, como professora universitária, vivi isso durante a pandemia, quando me perdia de vez em quando nas tecnologias e os alunos me ajudavam. Então todo mundo tem se visto um pouco responsável pelo outro”, diz Roseli.

Ela reforça a importância dos familiares preservarem a valorização do professor, já que, com as adaptações à pandemia, houve, para muitos, o estreitamento da relação escola-família e uma nova percepção da importância dos educadores. Além disso, acredita que a intersetorialidade pode trazer muitos ganhos para esse processo.

“A aproximação dos educadores com equipes que tenham expertises diferentes – nem melhores nem piores -, como a psicologia e o serviço social, pode ajudar nessa associação do acolhimento ao período de acolhimento”, diz.


4. Adaptar-se a novos espaços e formatos

Assim como no fim das férias ou quando um aluno começa uma nova etapa de ensino, é preciso um período de adaptação escolar. Neste sentido, a volta às aulas presenciais no atual contexto também requer um período de readaptação.

“Precisamos pensar que os alunos vão voltar e encontrar uma professora mascarada, um espaço físico totalmente diferente, uma nova rotina. E também no que não vão encontrar, como aquele amigo preferido que acabou não entrando no corte de 30% da turma que retornou. Acolher é também ajudar as crianças a se acostumarem com tudo isso que é novo”, diz Maria Alice Junqueira.

Por essa questão ela acredita que o acolhimento não será algo de um dia, mas em torno de uma semana, a depender das possibilidades, recursos e particularidades de cada rede.

Além de se acostumarem a esse novo formato, professores e gestores precisam garantir que os alunos entendam esses protocolos – que podem ser mais difíceis de serem seguidos para algumas etapas, como a Educação Infantil – e sua importância para a garantia da saúde de todos.


Acolhimento primeiro, avaliação diagnóstica depois

Ambas as entrevistadas reiteram a necessidade de priorizar o acolhimento, para, em um segundo momento, partir para a avaliação diagnóstica. Isso não significa que pensar o conteúdo é menos importante, mas que o acolhimento é fundamental até mesmo para entender um pouco sobre o que foi aprendido durante esse período de aulas remotas.

“Passado esse acolhimento, temos o período de diagnóstico, que deve ser bem cuidadoso, delicado e preciso, para orientar o trabalho. Só na volta presencial vamos saber de fato quem avançou, quem regrediu, quem deixou de aprender – enfim, o tamanho das perdas”, diz a coordenadora Maria Alice.

“Óbvio que conteúdo é importante, já que a escola não é clube, só para relação interpessoal, social. Ela tem uma função social fundamental sobretudo para as crianças de família de baixa renda, como lugar de oportunidade para conhecer outras realidades e de adquirir conhecimento”, defende Roseli.

Leia mais sobre como pensar a avaliação diagnóstica e o planejamento na volta às aulas presenciais


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