Como pensar a avaliação diagnóstica e o planejamento na volta às aulas presenciais

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Como pensar a avaliação diagnóstica e o planejamento na volta às aulas presenciais

Avaliação em rede, autoavaliação, olhar específico e atividades de acolhimento são algumas maneiras de manter vínculos e alinhar orientações pedagógicas nesse retorno

Por Stephanie Kim Abe

São muitos os protocolos e diretrizes que precisam ser pensadas e planejadas com muito cuidado para a retomada das aulas presenciais: sanitários, pedagógicos, que olhem para a alimentação e o transporte escolar etc.

Dada a complexidade desse processo, mesmo sem data prevista de retorno alguns estados já começam a pensar como fazer com que esses protocolos sejam adaptados para cada cidade, rede e escola, de acordo com as suas realidades.

No diagnóstico de rede para a retomada, que deve olhar para o acesso dos alunos às atividades remotas, a infraestrutura das escolas a ser adaptada para os protocolos sanitários, a percepção da comunidade escolar sobre a situação e o sentimento de insegurança, a avaliação da e para a garantia do processo de aprendizagem dos alunos também é muito importante – e pode ser realizada de diferentes formas.

Veja mais sobre a importância do planejamento e da participação na retomada das aulas presenciais


Avaliação de rede aliada ao olhar do professor

Desde o dia 14 de julho, 160 mil estudantes dos ensinos Fundamental e Médio do estado do Espírito Santo estão realizando uma avaliação diagnóstica de rede, on-line. Escalonada por componente curricular, ela foi elaborada pela equipe da Secretaria Estadual de Educação com o objetivo de avaliar as habilidades que deveriam ter sido desenvolvidas no ano letivo de 2020.

Concomitantemente, professores da rede foram orientados a realizar uma outra avaliação, com o propósito de olhar os conhecimentos dos alunos sobre o que tem sido trabalhado nas Atividades Pedagógicas Não-Presenciais (APNPs), que tem acontecido desde abril – ou seja, durante o período de fechamento das escolas e aulas remotas ocasionado pela pandemia. Essa avaliação é elaborada pelo professor, pois depende das atividades e do conteúdo trabalhado por ele com as suas turmas.

Fotografia de Debóra Resende Maranhão, gerente de Informação e Avaliação da Secretaria da Educação (Sedu) do Espírito Santo.

Queremos ter um real cenário de como esse aluno chegou este ano e o que ele recebeu em 2020, para que, quando retomarmos as aulas presenciais, tenhamos um diagnóstico preciso para planejarmos como a rede irá atuar

Debóra Resende Maranhão, gerente de Informação e Avaliação da Secretaria da Educação (Sedu) do Espírito Santo.

As aulas presenciais no estado ainda não têm data de retorno, mas a Secretaria pretende ter todos esses resultados em mãos antes mesmo do anúncio da volta pelo Governo, para poder repensar propostas de intervenção que farão sentido para quando essa retomada acontecer – levando em consideração todas as diversas situações pelas quais eles tenham passado.

A ideia é entregar um consolidado e uma análise a partir dos resultados dessas duas avaliações para cada escola, por turma e por aluno, com a relação de descritores de habilidades que foram consolidadas ou não.

“Para aquelas que não foram, indicamos a retomada do conteúdo. Para as habilidades que foram consolidadas, recomendamos um reforço, uma atividade complementar ou algo nesse sentido”, diz Débora.


Aprendizagens diversas e acolhimento

Mas não foram só conteúdos que as crianças aprenderam nesse período – e alguns desses aprendizados não se percebem em avaliações de rede de múltipla escolha ou atividades on-line.

Os estudantes desenvolveram um pouco mais a sua autonomia para estudar sozinhos, aprenderam a usar novas ferramentas, tiveram que se organizar melhor, fazer atividades em ambientes às vezes desafiadores e não propícios para concentração. Aprenderam a lavar as mãos, a manter um autocuidado, a cuidar das pessoas ao redor.

“Os saberes e as aprendizagens foram tão variadas. Desde o ponto de vista do que foi trabalhado efetivamente até em termos de relacionamento e desenvolvimento. As crianças e os jovens passaram pelas situações mais diversas, então é difícil pensar em uma avaliação padrão. A melhor avaliação seria a que pudéssemos olhar para cada um”, diz Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa Cedac.

Nesse sentido, ela defende o processo de acolhimento dos estudantes – que deve acontecer antes mesmo de se pensar qualquer avaliação e ser central no processo de retomada das aulas – como uma forma de garantir esse olhar individualizado para identificar por quais situações e/ou dificuldades o aluno passou.

São as “rupturas”, como diz Patrícia Lueders, presidente da Undime-SC e secretária municipal de educação de Blumenau (SC). “Ninguém estará voltando de férias, as crianças não estão felizes, os professores têm trabalhado muito”, diz.

“É preciso acolher os professores, acolher a equipe escolar e as famílias. O acolhimento dos alunos também gera condições para fazer esse diagnóstico sobre o que ocorreu com os estudantes durante o período em que estiveram em casa”, complementa Tereza Perez.


Tempo de autoavaliação

Tereza acredita que o primeiro movimento em relação aos estudantes deve ser uma autoavaliação e uma avaliação participativa.

Fotografia de Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa Cedac.

O ponto de partida não seriam provas individuais. Eu faria algo mais humanizado, uma autoavaliação e uma avaliação participativa em que todo mundo coloca na roda quais são as suas necessidades e quais foram as maiores dificuldades para a retomada das aulas

Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa Cedac.

Ela vê muitos pontos positivos nesse processo avaliativo. O aluno olha para si, para refletir sobre aquilo que estava sendo ensinado e o que de fato ele aprendeu. O professor aprende a levar em consideração essa visão crítica do aluno, essa autonomia, e entende que ele é capaz de identificar o que precisa e o que quer aprender. A participação nessa avaliação é fundamental para permitir o encontro e a conversa entre os diferentes envolvidos, sejam eles professores, estudantes, funcionários e gestão escolar.

Ainda que favorável a avaliações e acompanhamentos que auxiliem a aprendizagem, Tereza mostra preocupação com o impacto que uma avaliação precipitada possa ter nas crianças, adolescentes e jovens que não tiveram condições de acompanhar o que foi proposto nas atividades remotas.


Planejamento a partir do diagnóstico

As avaliações oferecem aos gestores uma real dimensão das consequências e dos impactos das atividades realizadas remotamente até o momento – assim como as disparidades prováveis que esse processo tem ocasionado. Daí a importância de olhar com cuidado para os resultados das avaliações.

“Ainda que a avaliação diagnóstica não esteja calibrada para isso, à medida que temos um olhar para verificar como foram as aprendizagens que ocorreram nesse período e começarmos a perceber que os resultados são muito divergentes em determinados locais ou redes, ou mesmo dentro de uma escola, isso pode ser um sinal de que efetivamente há uma ampliação das desigualdades”, explica Frederico Amâncio, secretário de educação e esportes de Pernambuco, durante o webinar Avaliação da aprendizagem na retomada das aulas, organizado pela Fundação Getúlio Vargas em parceria com o Consed e o Itaú Social.

Para a presidente da Undime-SC, Patrícia Lueders, a avaliação diagnóstica deve ser seguida de um planejamento que atenda justamente essa diversidade de cada criança e adolescente, trabalhando por grupos etários.

Fotografia de Patrícia Lueders, presidente da Undime-SC e secretária municipal de educação de Blumenau (SC).

O planejamento sempre precisou ser heterogêneo, porque sempre tivemos crianças em níveis diferentes. Mas nesse momento de retorno, esse olhar sensível é fundamental porque sabemos que o ritmo de aprendizagem de uma criança que não teve acesso às atividades remotas vai ser diferente daquela que manteve 100% de acesso

Patrícia Lueders, presidente da Undime-SC e secretária municipal de educação de Blumenau (SC).

Já Tereza Perez acredita que é preciso levar em consideração também as mudanças em termos de valores trazidos pela pandemia, como a solidariedade e o cuidado, no sentido de rever questões metodológicas e potencializar o vínculo e o respeito entre a família e a escola.

“Valorizar a ciência e o conhecimento, ter responsabilidade e praticar a cidadania não estão na grade curricular, mas são competências que têm uma valia muito grande”, diz Tereza.

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