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Ensino médio na pandemia: como mitigar as perdas de aprendizagem
Como a pandemia tem impactado a perda de aprendizagem e o que podemos fazer para reduzir esses danos?
- Tamara Castro
Por Stephanie Kim Abe
Kauê Queiroz Fonseca tem 16 anos e entrou este ano na Escola Estadual Profª Yolanda Ascêncio, em São Caetano do Sul (SP), para cursar o 1º ano do Ensino Médio. As aulas acontecem por meio do Centro de Mídias da Educação de São Paulo (CMSP), plataforma disponibilizada pela Secretaria Estadual de Educação para o ensino remoto.
O jovem relata:
Eu acompanho as aulas pelo celular, mas as lições que eles passam on-line depois eu não faço. É muita coisa repetitiva e os conteúdos novos estão mais difíceis de entender, porque não temos contato direto com o professor. Então desde o começo do ano eu parei de estudar, por falta de interesse mesmo.”
Kauê Queiroz Fonseca
Ao contrário, Jenifer Ferreira de Souza, de 18 anos, tem estudado muito. Aluna do 3º ano do Ensino Médio do Colégio Estadual da Aldeia Indígena Caramuru (CEAIC), no município de Pau Brasil (BA), ela busca uma boa nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para cursar Enfermagem na faculdade.
Em sua escola, o ensino remoto acontece apenas com a distribuição de atividades impressas a cada 15 dias. Os(as) alunos(as) vão até a escola, pegam os exercícios e depois os devolvem, preenchidos. Os(as) professores(as) enviam links para vídeos que trazem explicações do conteúdo.
A estudante conta:
Tem sido muito difícil responder as atividades e fazer os trabalhos sem uma boa explicação do que é para fazer. Muitas vezes eu não consigo acompanhar e só respondo porque tiro um tempinho para pesquisar, procurar o link e assistir um vídeo sobre o assunto. Matemática, por exemplo, é uma matéria que eu não tinha dificuldades no ensino presencial e estou tendo agora. Às vezes, mandamos perguntas por celular para os professores, mas ainda assim é muito difícil. Meu aprendizado tem sido bem pouco.”
Jenifer Ferreira de Souza
Por conta disso, ela sente que não aprendeu o quanto deveria neste última série do Ensino Médio. Suas aulas remotas devem acabar agora no meio do ano, já que sua turma está concluindo o ano letivo de 2020. Até a prova do Enem, ela planeja estudar por conta própria por meio do YouTube, das apostilas e dos conteúdos que os(as) professores(as) enviaram pelas redes sociais.
Infelizmente, a percepção de Jenifer sobre a sua própria evolução e aprendizado vai de encontro com que especialistas e pesquisas têm alertado sobre como a pandemia tem afetado os(as) estudantes. Em uma das mais recentes, realizada pelo Instituto Unibanco e pelo Insper, com foco em estudantes do Ensino Médio, constatou-se que os(as) alunos(as) tiveram perda de proficiência em Matemática de 10 pontos na escala Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e 9 pontos em Língua Portuguesa, em comparação ao que aprenderiam em um contexto de ensino presencial.
De acordo com o estudo, intitulado Perda de aprendizagem na pandemia, ao longo de todo o Ensino Médio, um(a) estudante alcança, em média, 20 pontos em Língua Portuguesa e 15 em Matemática. A pesquisa, liderada pelo economista Ricardo Paes de Barros, desenvolveu um modelo de simulação, baseado em parâmetros nacionais e internacionais de aprendizagem em um contexto tradicional e remoto, para estimar como a pandemia afetou a curva de aprendizado dos(as) estudantes.
O estudo levou em consideração também o grau de engajamento dos(as) alunos(as) do Ensino Médio nas aulas remotas – que, segundo a PNAD-Covid, foi de 36% em 2020. A previsão alarmante é que, se nada mudar com relação a esse engajamento e as aulas remotas, as perdas de aprendizagem alcancem 16 pontos em Língua Portuguesa e 20 pontos em Matemática ao final de 2021.
Durante o webinário de apresentação da pesquisa, no dia 2/6, Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, alertou para a necessidade de se agir rapidamente para mitigar esses efeitos da pandemia, que devem afetar toda uma geração:
A redução de danos, causados pela pandemia na educação, exigirá um conjunto de ações bastante amplo e muito eficazes. Ações para combater a evasão, melhorar a qualidade e aumentar o engajamento dos estudantes no ensino remoto, garantir as formas distintas de retorno do ensino presencial e o adensamento da modalidade do ensino híbrido e, por fim, identificar as ações que podem ser feitas para recuperar e acelerar o aprendizado.”
Ricardo Henriques
Assista o webinário completo aqui:
O desinteresse de Kauê pela escola não vem desde o ano passado. Pelo contrário. Em 2020, ele estudava em uma escola particular, mas também era novo aluno. Até então, ele sempre estudara em escolas públicas. Por isso, ele conta que precisou inclusive estudar e se esforçar mais ano passado para poder acompanhar a sua turma.
A diferença é que os 15 dias de aulas presenciais que ocorreram antes do fechamento das escolas com a pandemia, em março, possibilitou que ele criasse um vínculo com os novos colegas e professores(as):
Eu faço amizade muito rápido, então eu pude conhecer todo mundo. Até com os professores eu criei uma boa relação – tanto que a professora tinha o meu WhatsApp e ficava no meu pé para eu acompanhar as aulas. Nós discutíamos assuntos da classe no grupo e ficávamos conversando. Isso me ajudou bastante a manter o foco e o interesse nas aulas.”
Kauê Queiroz Fonseca
Como o ano letivo já começou remoto em 2021, ele não teve tempo de conhecer ninguém na sua atual escola. Além disso, as aulas no Centro de Mídia são acompanhadas por milhares de estudantes ao mesmo tempo, então ele não sente que faz parte de um grupo.
Kauê foi procurado pela direção escolar, que percebeu que ele não estava entregando as atividades, e explicou o seu desinteresse. Ele espera poder frequentar as aulas presenciais, que já acontecem na sua escola, para conhecer os colegas e os(as) professores(as). “Pretendo continuar a estudar porque é necessário. É mais fácil procurar emprego com o ensino completo”, diz.
Conta pra Gente Estudante!
Hoje (15/6), o Observatório da Alimentação Escolar lançou uma iniciativa inédita: a Campanha Conta pra Gente Estudante! O objetivo é recolher informações de estudantes de escola pública a partir dos 12 anos por meio de um questionário sobre a alimentação escolar.
Saiba mais e participe!
O estudo concluiu que é possível mitigar entre 35 e 40% das perdas em proficiência caso sejam adotadas ações que garantam que o ensino remoto não ocorra da mesma forma que em 2020.
Giselle Rocha, técnica de projetos no Cenpec, relata como a pandemia pegou de surpresa a comunidade escolar e exigiu que Secretarias de Educação e professores(as) se ajustassem às pressas:
A pandemia instaurou um tipo de ensino que sempre imaginamos que aconteceria um dia: o ensino à distância ou o ensino híbrido. Mas era uma possibilidade de um futuro, que chegou sem nenhum tipo de estrutura montada pelas equipes pedagógicas de qualquer cidade ou estado. Os professores estão muito sem caminho e sem saber como atrair esses adolescentes para a aula.”
Giselle Rocha
Trabalhar formas de engajar mais os(as) estudantes no ensino remoto é uma das alternativas para mitigar os impactos da pandemia. Caso esse engajamento dobre este ano, o estudo prevê uma diminuição de 2 pontos na escala Saeb na perda de proficiência em Língua Portuguesa (de 16 pontos, para 14 pontos). Caso o ensino híbrido seja adotado no 2º semestre de 2021, adiciona-se 1 ponto a essa redução. Além disso, se forem aplicadas medidas para acelerar o aprendizado, a perda de aprendizagem pode chegar a 11 pontos.
Para Giselle, os caminhos para aumentar o engajamento não diferem muito das mudanças que já eram necessárias para que o Ensino Médio se tornasse mais atrativo para os(as) adolescentes e jovens. O desinteresse pela escola e pelas disciplinas escolarizadas, as aulas teóricas sem qualquer ligação com a realidade que vivem e a pouca interação entre os grupos de alunos(as) são alguns dos problemas que já existiam no Ensino Médio antes da pandemia e afastavam os(as) estudantes do ambiente escolar.
Os(as) adolescentes entre 15 a 17 anos compõem a maior parte da população em idade escolar fora da escola. De acordo com a pesquisa Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, 1,5 milhão de adolescentes entre 15 e 17 anos estavam fora da escola ou sem atividades escolares ao final do ano letivo de 2020. Além do desinteresse na escola, a procura por trabalho e a gravidez são os principais motivos alegados por essa população para não estarem estudando.
Giselle acredita que é preciso realizar propostas que façam sentido para os(as) alunos(as), que os(as) provoquem a pensar, refletir e colocar em prática o que aprendem, e mudar a abordagem do conteúdo e da apresentação da aula:
Aquela aula convencional e expositiva, que já não trazia engajamento presencialmente, definitivamente não vai funcionar com uma tela. O professor pode aproveitar a tecnologia e diversificar as linguagens (vídeo, música, podcast) utilizadas nas aulas. Também pode propor atividades práticas – como criar um plano de mobilização ou uma campanha para chamar colegas para a escola. A ideia é colocá-los como protagonistas e incentivá-los a serem mais atuantes, não ficar somente sentados em frente às telas.”
Giselle Rocha
No caso da gestão escolar, Giselle chama atenção para a necessidade de olhar para o planejamento do currículo escolar, para as mudanças nos planos de aula que levem em conta as diferentes práticas pedagógicas necessárias para serem realizadas em um contexto de ensino híbrido e para o suporte aos(às) educadores(as) nesse redesenho das aulas. Já a gestão educacional precisa garantir condições de infraestrutura e tecnologia que permitam a estudantes e professores(as) realizarem suas atividades e manterem o vínculo escolar.
Informação e formação pelo direito à educação
Para apoiar educadores(as), gestores(as) e redes de ensino neste momento complexo, sistematizamos nossas produções sobre essa temática desde o início da pandemia no Brasil. Confira#EducacaoNaPandemia.
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