Série Novo Ensino Médio: estudantes relatam as suas experiências

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Série Novo Ensino Médio: estudantes relatam as suas experiências

Conheça as percepções, adaptações, críticas e expectativas de três estudantes do ensino médio de São Paulo, do Mato Grosso e do Maranhão sobre as mudanças na última etapa da educação básica

Por Stephanie Kim Abe

Falar do Novo Ensino Médio (Lei nº 13.415/17), que começou a ser implantado nas escolas públicas e privadas de todo o país este ano, é falar da educação de adolescentes e jovens de todo o país. Por isso mesmo, elas(es) devem (e deveriam) fazer parte das primeiras e principais pessoas a serem consultadas e ouvidas quando estamos falando de uma proposta que busca melhorar a qualidade do ensino nessa etapa da educação básica.

Não à toa, desde que o Novo Ensino Médio foi aprovado, em 2017, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) tem acompanhado de perto todo o movimento para a sua implantação. “Queremos um ensino médio com os estudantes, não só para os estudantes”, diz Rozana Barroso, presidente da entidade.

Ela explica que a entidade, que fez muitas críticas à proposta há cinco anos, hoje busca trabalhar em conjunto com os estados para garantir que os interesses das(os) estudantes sejam levados em consideração pelas equipes das secretarias de educação.

Mais do que isso, ela espera que essas(es) tomadoras(es) de decisão reconheçam os impactos da pandemia nessa etapa de ensino na hora de pensar essas mudanças nessa nova política, para garantir o acesso e a permanência de todos e todas no Ensino Médio:

Foto: reprodução

Temos rodado os estados e conversado com todas(os) as(os) secretárias(os) de educação para jogar luz à nova situação da educação pós-pandemia, tentando reduzir ao máximo os danos, como a evasão, o abandono escolar, o esvaziamento da sala de aula. Com o Novo Ensino Médio, nos preocupa a carga horária, o deslocamento das(os) estudantes até a escola, a priorização de uma lógica de mercado que pode esquecer a escola como espaço de formação social. Mas a nossa maior preocupação é garantir o acesso à educação de qualidade e a busca ativa, por isso temos trabalhado nessa articulação.”

Rozana Barroso

Veja a entrevista com Rozana Barroso sobre as dificuldades das(os) jovens em tempo de pandemia


Estudantes contam as suas experiências

Dada a centralidade desses atores na construção e na implantação dessa política, esta segunda reportagem da série Novo Ensino Médio: O que é preciso entender? traz a voz de três estudantes do ensino médio de diferentes partes do país.

A ideia é mostrar o que sabem sobre a nova proposta, que informações receberam da direção da escola, as suas percepções sobre as mudanças, os desafios para se adaptar às cargas horárias, as críticas sobre o que não tem dado certo, as esperanças com o que pode vir a ser melhor e as expectativas sobre um ensino médio que lhes traga mais oportunidades e perspectivas profissionais e de vida. 

O que é preciso entender?

A fim de colaborar para a melhor compreensão do cenário, das complexidades e controvérsias em torno da implantação do Novo Ensino Médio, o Portal Cenpec iniciou, em fevereiro, a série Novo Ensino Médio: O que é preciso entender?.

A cada mês, publicaremos uma reportagem com diferentes atores da comunidade escolar e especialistas que trarão os seus olhares sobre aspectos variados desse processo. A ideia é escutar tanto quem está no chão da escola (estudante ou docente) como quem está na gestão pública planejando essas mudanças ou pesquisadoras(es) que se debruçam sobre as consequências dessa política pública.

✏️ Confira a primeira matéria da série

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Como o Cenpec tem contribuído para o debate sobre o Novo Ensino Médio


Confira o depoimento do estudante:


Kattryel Henrique Santos Rezende
Estudante do 2º ano do ensino médio noturno da escola Professor Fernando de Azevedo

“Quando nos foi jogada essa notícia de que haveria um Novo Ensino Médio, com mudanças que nos permitiriam escolher cursos da nossa preferência para estudar ao longo do ano, houve uma reação muito positiva. Falo não só por mim, mas por grande parte das(os) estudantes da minha sala.  

Mas foi um choque de realidade tremendo! Porque você idealiza um padrão de estudo muito mais avançado do que o que está sendo trabalhado, pensa que pode aplicar para o que de fato gostaria de estudar e que está se desenvolvendo acadêmica e profissionalmente.

E aí você chega em realidades como a da minha sala, na qual eu vejo uma insatisfação total de praticamente todas(os) as(os) 38 estudantes. Isso porque a maioria não está cursando o itinerário que havia escolhido e muitas(os) delas(es) veem tudo isso como uma perda de tempo.

Eu estudo atualmente à noite e curso o itinerário que se chama Se Liga na Mídia, voltado para Ciências Humanas. Ele é composto de três itinerários (ou disciplinas), sendo que dois deles (Observatório Internacional da Imprensa e Criação e Comunicação Publicitária) estão sendo horários vagos desde março, quando a professora que ministrava essas aulas saiu da escola e não foi substituída. São aulas em que as(os) estudantes ficam o tempo todo no celular.

A minha primeira opção de escolha era um curso técnico na área das Ciências Exatas – tanto que eu curso Desenvolvimento de Sistemas em uma Escola Técnica Estadual (Etec) que fica em outra cidade, a quatro quilômetros, no período da tarde.

Eu tive que escolher esse curso voltado para relações midiáticas porque era a opção que tinha. Algo que nos incomodou bastante, quando fomos levados para a sala de informática para escolher os nossos itinerários no segundo semestre de 2021, foi que as(os) estudantes que não escolhessem nada seriam redirecionados a outras escolas. Ou seja, ou você acompanhava a mudança que estava acontecendo, ou você era excluída(o).

Quando vi que não tinha conseguido o itinerário que queria, escolhi com mais dois amigos o mesmo itinerário para que pudéssemos estudar juntos este ano (já que as salas estão divididas por itinerários hoje em dia). Também não deu certo. Então, a possibilidade de escolher um itinerário que fosse agregar na área que eu quero trabalhar foi descartada; a de escolher um itinerário que fosse para estar na mesma turma que meus amigos também; e então eu fui jogado no curso que estou atualmente.

Eu acabei descobrindo que a minha escola realmente não tem porte para trabalhar um curso técnico como o que eu faço hoje. Falta espaço e profissionais capacitados para dar essas aulas – e isso que a minha escola é uma das mais renomadas aqui da zona noroeste de Santos.

Por exemplo, a aula de Jornalismo com Inclusão nos Esportes é dada por uma professora de Educação Física que tem pouco conhecimento e enfoque sobre jornalismo. Em compensação, o Laboratório de Produção Jornalística está sendo trabalhado por uma antiga professora minha de Português, que é formada em Jornalismo e Letras. Ela tem uma boa noção da temática, então as aulas são bem mais dinâmicas, é uma aula que cativa mais as(os) alunas(os). A profissionalização é algo que diferencia, é perceptível que ela é capacitada naquilo

Também não é culpa das(os) professoras(es). Eu vejo que a minha escola vai fazendo o que dá, o que está no alcance da direção. Mas quando é preciso tomar alguma providência, fazer algo que foge ligeiramente do alcance da escola, não vejo nenhuma reação.

Quando eu penso ainda na pandemia, eu fico muito preocupado com o ensino que está sendo dado não só na minha escola, como em outras, porque houve uma decadência muito grande. É falado a todo momento da defasagem de aprendizagem, desde o 8º ano do ensino fundamental. 

Existe sim uma recuperação de conteúdos, mas ela está conflitando com os itinerários. O período noturno sempre teve uma carga horária menor que o diurno, mas, com a introdução dos itinerários formativos, eu tenho menos uma aula de Português, uma de Matemática, e não tenho mais Inglês nem Artes. Se já há uma defasagem tão grande de estudantes em Língua Portuguesa e Matemática, em matérias essenciais que precisam ser trabalhadas antes de a(o) aluna(o) sair da escola, eu não vejo sentido em inserir matérias novas na grade escolar no lugar dessas de itinerários.

Eu acho que o Novo Ensino Médio foi uma mudança muito drástica, toda jogada para cima das(os) jovens e que não acompanhou o ritmo das(os) alunas(os), principalmente nesse período de pandemia. Eu vejo ainda muita gente perdida, uma quebra de expectativa muito grande e quem vai acabar lidando com essas consequências somos nós, as(os) jovens.”


Confira o depoimento da estudante:

Thaynara Cerutti Amorim
Aluna do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual Padre José Maria do Sacramento

“Com o Novo Ensino Médio, o nosso horário de aula aumentou. Antes, a aula começava às 13h e acaba às 17h. Hoje, ela começa às 12h, o que é um pouco mais complicado, porque a gente quase não tem tempo para almoçar mais. No começo isso foi ruim, porque eu tive que adaptar muita coisa da minha rotina. Eu ajudo a minha avó dentro de casa e eu precisava descansar um pouquinho antes de ir pra escola. Com o novo horário, tem dias que eu vou pra escola sem almoçar. Mas agora eu já me acostumei.

Aqui no 1º ano na minha escola, nós estamos cursando cinco eletivas: Artes, Matemática e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Linguagens. São matérias diferentes das tradicionais, porque em Matemática, por exemplo, nós estudamos cálculo. Em Matemática e suas Tecnologias, nós estudamos projetos em diferentes áreas, como agora estamos vendo projetos de arquitetura.

Eu acho bem interessante e gostei bastante das novas matérias. Mas elas não são eletivas, porque todo mundo está estudando todas elas. Só poderemos escolher qual ou quais queremos focar no ano que vem (ainda não foi decidido se poderemos escolher só uma ou mais).

É complicado, mas foi feito assim para a gente saber melhor do que elas tratam e se gostamos das matérias antes de fazer nossa escolha. Eu acho que é muito bom, porque assim a gente vai aprendendo certas coisas que não aprendíamos antes. O que é melhor para quando formos escolher a profissão, pois já teremos uma base certa do que estudar e do que fazer.

Ano que vem, eu espero que essa matéria que eu escolha me permita aprofundar mais, pra eu finalmente conseguir decidir o que eu posso fazer na faculdade. Espero que, de fato, essa nova proposta nos ajude a decidir o que fazer da vida, porque é um pouco confuso esse negócio de estar no ensino médio.”


Confira o depoimento da estudante:

Alana Vitória Oliveira Carvalho
Aluna do 2º ano do curso técnico em Administração no Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA)

“Este ano, tivemos uma mudança brusca na carga horária. Sentimos – não só eu, como os meus colegas também – algumas matérias pesando mais que outras. Por exemplo, as disciplinas de Humanas diminuíram muito, enquanto as matérias do curso técnico pesaram um pouco mais. Antes, tínhamos pelo menos dois horários de História e Geografia e cerca de dois ou três horários de base técnica. Agora, tenho matérias da base técnica que tem até quatro horários por semana. Ou seja, a balança está muito pesada para um lado, e deficiente para outro.

Eu considero isso muito ruim. Todo mundo está se sentindo prejudicado, porque a partir do momento que você tira matérias que são essenciais, como História e Sociologia, você prejudica muito a formação cidadã da(o) estudante – principalmente em um ano de eleição. Como ele vai entender o que está acontecendo com a sociedade, o seu papel na política, a história do lugar onde vive e a sua formação social?

Ninguém nunca chegou para a gente e explicou como que o Novo Ensino Médio ia mudar, em que sentido, por tais razões etc. Algumas(ns) professoras(es) falavam sobre, mas o que escutávamos eram coisas bem básicas, como ‘o Novo Ensino Médio vem aí’, sem uma descrição certa. Não houve uma menção sobre itinerários formativos, não sei se porque o modelo da minha escola já é mais profissionalizante. Então achávamos que, como estamos no 2º ano, isso não afetaria muito a gente. Mas tem afetado sim e nós ainda temos muitas dúvidas.

A gente conversa entre nós sobre isso, mas nunca chegamos a perguntar de fato para a gestão como o novo ensino médio nos afetaria. Talvez estejamos faltando nesse ponto, confesso.

De qualquer forma, eu acho que a minha escola tem condições de oferecer os itinerários formativos e se adaptar bem ao Novo Ensino Médio. Sou suspeita para falar, porque eu gosto muito do modelo institucional do IEMA, das coisas que temos, da nossa infraestrutura. É uma escola de tempo integral, que oferece matéria voltada para metodologia científica, de prática de laboratório, robótica – os nossos diferenciais. A equipe toda ali está sempre dando suporte pra gente, a gestão é ouvinte e as(os) professoras(es) são bem informadas(os) e não chegam simplesmente na sala e passam matérias, elas(es) realmente nos aconselham, escutam, reparam no que estamos sentindo.

Por mais que tenhamos dificuldades, que seja difícil às vezes, como durante o ensino remoto na pandemia, temos tido um bom auxílio, uma boa base para continuar a vida. E temos achado não só professoras(es) na nossa caminhada, mas amigas(os).

Eu acho que a proposta do Novo Ensino Médio chegou sem preencher antes algumas lacunas, porque tem muita escola por aí em que faltam professores e infraestrutura, então pedir para uma escola dessas colocar itinerários formativos e matérias eletivas é um pouco estranho.

Eu espero sinceramente que o Novo Ensino Médio seja uma mudança voltada para o positivo, que não continue a ressaltar as desigualdades entre as escolas e que todo mundo consiga ter um ensino mais focado em competências da vida mesmo, que não seja uma decoreba de assuntos, e que ele seja mais igualitário.”


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