Jogo completo: o esporte na educação

-

Jogo completo: o esporte na educação

CENPECexplica: Esporte e educação
Em ano olímpico, saiba como o esporte – e a educação física – podem se aliar a outras disciplinas em propostas curriculares em favor do desenvolvimento integral de crianças e jovens

Por João Marinho

CENPEC Educação Explica.

Com a participação de mais de 11 mil atletas de 50 modalidades, a Olimpíada de Tóquio começa em 24 de julho deste ano. O evento esportivo, que reúne mais de 200 países, retoma o espírito de paz entre os Estados, uma característica presente desde 776 a.C., data que registra os primeiros Jogos Olímpicos, na Grécia antiga: uma trégua tão sagrada que, ainda na Antiguidade, interrompeu temporariamente a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), entre Atenas e Esparta.

Logo da Olimpíada de Tóquio, 2020

Entretanto, não é apenas a paz que pode ser evocada ao se falar de espírito olímpico e, por extensão, do esporte. “O esporte ensina valores como respeito às regras, cooperação, solidariedade ou disciplina e desenvolve habilidades como autonomia, autoconfiança, persistência ou autoestima – tudo transferível para outras áreas da vida,  seja no futuro ambiente de trabalho, seja no campo das relações humanas” , diz Mônica Zagallo, ex-coordenadora da área de Disseminação da Fundação Gol de Letra e atual gestora de Território do programa Melhoria da Educação, do Itaú Social.

A prática esportiva é franca promotora da inclusão, da igualdade de gênero e da convivência democrática.”

Mônica Zagallo
Imagens de modalidades esportivas.

Esporte e desenvolvimento integral

Devido às contribuições que traz para a formação do ser humano (ver imagem abaixo), o esporte contribui para o pleno desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens. Nesse sentido, dialoga com perspectivas como a da educação integral, que defende o desenvolvimento em múltiplas dimensões – afetiva, cognitiva, estética, política, ética e física –, em uma proposta curricular integrada.

Esporte e educação: que habilidades o esporte propicia para a criança e o adolescente?
Arte: Vanessa Nicolav.

Segundo Laércio Elias Pereira, doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e fundador do Centro Esportivo Virtual (CEV), o esporte também propicia estabelecer parcerias produtivas para a educação: “Para o esporte – e a educação física –, a ampliação do tempo é crucial, assim como são fundamentais as parcerias. Com elas, não apenas se dá um passo em direção à comunidade, como também são contornados desafios na infraestrutura das escolas, como a falta de espaço adequado para a prática esportiva”.

“O esporte ajuda o jovem a descobrir suas potencialidades humanas”. José Luiz Adeve, comunicador, radialista e educador, especialista em educomunicação e mobilização social, fala sobre como o esporte promove ações de cidadania, atua no desenvolvimento integral de crianças e jovens e como se dá a mediação das atividades esportivas com outros temas relacionados ao universo das juventudes, como o mercado de trabalho. Ouça.
José Luiz Adeve. Foto: Reprodução.

O lugar e importância da educação física

Menina em competição de atletismo.

Pereira costuma dizer que “escolheu vir para a vida como professor” e, além de treinador e preparador físico, tem um longo histórico como professor de educação física, inclusive em uma experiência histórica que aliou esporte, atividade física e fundamentos da educação integral em São Paulo: os Ginásios Vocacionais, extintos pela ditadura militar.

Para ele, é fundamental investir mais na formação do professor de educação física e que ele participe ativamente das discussões curriculares na escola e nos debates públicos.

Infelizmente, na universidade, tem-se privilegiado apenas os aspectos teóricos, como biologia, traumatologia ou biomecânica. Já na escola, há o problema do local das aulas: não tem espaço adequado, vão ser feitas no contraturno, vão fazer barulho etc.

Isso foi distanciando o professor de educação física das atividades da escola (…). Nesse sentido, a parceria com outras instituições pode ser estratégica, mas é preciso ter em mente que o local é um suporte: é preciso também garantir que não se afaste o professor de educação física. Ele precisa participar dos conselhos de classe, do planejamento e da proposta curricular.”

Laércio Elias Pereira

Confira, a seguir, alguns exemplos de projetos e instituições que trabalham o esporte e a atividade física aliados à educação em uma perspectiva de currículo integrado.


Vínculos e parcerias

Falta de motivação pelos estudos, conflitos familiares, ausência de perspectiva de emprego, altos índices de violência e uso de drogas eram os elementos que, em 2007, compunham o cotidiano e a vida escolar da maioria dos estudantes da Escola Municipal José Brunetti Gugelmin, em Pinhais (PR).

Após uma experiência que buscou integrar práticas de diferentes modalidades esportivas associadas a aulas de reforço, a comunidade escolar conquistou maior integração das famílias, transformou seus níveis de aprendizagem e diminuiu os índices de evasão. O sucesso foi resultado da parceria entre a escola e uma organização da sociedade civil (OSC): o projeto Atleta Bom de Nota, que deu origem ao instituto de mesmo nome.

Idealizado por Gil Brasil, ex-professor de matemática, que dedicou a vida à educação de práticas esportivas a crianças dentro e fora das escolas, o projeto busca justamente explorar os benefícios da associação entre educação, família, escola e esportes. Crianças e adolescentes dedicam-se às atividades físicas e também recebem acompanhamento de reforço e atividades de lazer.

“Começamos o projeto porque víamos muitas crianças na rua, com poucas condições, indo para as drogas e o crime, e sabíamos que o esporte é um poderoso instrumento que colabora com a saúde, a disciplina e o relacionamento social”, afirma Gil Brasil, que já foi voluntário em grandes eventos esportivos, como os Jogos Pan-Americanos (2007) e a Copa do Mundo (2014).

O Instituto Atleta Bom de Nota já desenvolveu atividades de treinamento de futsal, jiu-jítsu, jogos, campeonatos e palestras. As ações incluem acompanhamento de frequência e notas, reuniões com pais e alunos e fortalecimento de vínculos, em parceria com a escola.

A oportunidade de trabalhar dentro das escolas, em articulação com o currículo e os gestores, veio demonstrar também, segundo Gil, o impacto que tais práticas podem ter no aproveitamento da aprendizagem, na convivência e na apropriação do espaço por parte dos alunos.

Gil Brasil e criança no Instituto Atleta Bom de Nota.
Foto: Arquivo Pessoal.

A participação das crianças e dos adolescentes nos esportes demonstrou potencializar o seu desenvolvimento pessoal e social, além de aumentar a capacidade de disciplina, concentração e de se adaptar a formas de competir e cooperar com outras pessoas.

Eles têm também a oportunidade do convívio social, adquirindo hábitos saudáveis e uma relação de confiança e de crescimento como pessoa na sociedade. Aprendem que a escola é deles (…) e são motivados a ter um futuro melhor”.

Gil Brasil, do Instituto Atleta Bom de Nota

Assista a uma reportagem sobre os impactos do Atleta Bom de Nota em Pinhais (PR):


Esporte e transformação social

Além de meios para o desenvolvimento de capacidades físicas, motoras e psicológicas, o incentivo e a promoção de práticas esportivas podem ser também meios de transformação social em escala.

Essa é aposta da iniciativa idealizada pelos ex-jogadores de futebol Raí e Leonardo, que, em 1998, criaram a Fundação Gol de Letra, que tem o objetivo de promover, por meio do esporte, da cultura e da formação para o trabalho, práticas de educação que proporcionem impactos nas realidades locais.

Há outros projetos desenvolvidos pela organização com centros esportivos e trabalhos com escolas públicas situadas em territórios com altos índices de vulnerabilidade.

Uma dessas regiões é o bairro de Vila Albertina, no distrito do Tremembé, zona norte de São Paulo. Lá, o programa Jogo Aberto oferece, em parceria com escolas, oficinas de esportes como futsal, vôlei, basquete, handebol e capoeira, além de formação de monitores e ações comunitárias. O conteúdo é multiplicado e disseminado pelo bairro e entre familiares e amigos dos participantes e nas escolas.

Saiba mais sobre o projeto da Gol de Letra na Vila Albertina:


Cidadania no combate à violência

Com sede no Rio de Janeiro, o Craque do Amanhã surgiu em 2012 em São Gonçalo (RJ) e, no mesmo ano, foi replicado na Comunidade do Escondidinho, na capital. Em 2015, foi replicado em Osasco (SP).

O Craque do Amanhã é desenhado para crianças, adolescentes e jovens de nove a 17 anos de idade. Há preocupação em envolver as famílias e estabelecer parcerias, utilizando o futebol como ferramenta de educação, cidadania e combate à violência e vulnerabilidade social.

A organização também se tornou conhecida por promover a inclusão nos treinos e partidas, inclusive por meio da metodologia do futebol de três tempos.

Nessa metodologia, turmas mistas, de meninos e meninas e de pessoas com e sem deficiência, revezam-se em partidas nas quais pactuam regras e combinados no primeiro tempo, realizam atividade no segundo e fazem a avaliação do processo no terceiro, com a participação e protagonismo de crianças e adolescentes.

Saiba mais sobre o Craque do Amanhã:


Veja também

  • Centro Esportivo Virtual: ativo na internet desde os anos 1990, o CEV é uma comunidade acadêmica na internet que promove a pesquisa em educação física, esportes e lazer;
  • Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa: o COTP é um equipamento da Prefeitura de São Paulo que se dedica à formação de atletas profissionais. São realizadas peneiras periódicas para crianças e adolescentes, e é necessário que o(a) candidato(a) esteja matriculado(a) na rede de ensino pública ou privada;
  • Ensino médio e educação integral: a ampliação da prática desportiva integrada ao currículo escolar é uma das estratégias ligadas à meta 3 do Plano Nacional de Educação (PNE), que propõe a universalização do atendimento escolar a jovens entre 15 e 17 anos de idade;
  • Atletismo, o esporte mais antigo: a oficina traz sugestões de como trabalhar pedagogicamente a modalidade mais antiga de que se tem registro;
  • Letramento e esporte: a oficina traz um projeto de educomunicação relacionado a esportes, explorando gostos, atividades e conhecimentos prévios dos jovens;
  • O que é que a cidade tem: a oficina traz uma sugestão de como investigar os serviços de educação, saúde, esporte e cultura oferecidos pela administração municipal para a população da cidade, especialmente crianças, adolescentes e jovens.

Com colaboração de Vanessa Nicolav.
Fotos/Imagens: Reprodução, salvo outra informação.


Material originalmente publicado na plataforma Educação&Participação, adaptado e atualizado para o Portal CENPEC Educação.