2020 foi um ano tão atípico que nem o tradicional dicionário Oxford, que todo ano define uma “palavra do ano” em inglês, conseguiu encontrar apenas um termo para representá-lo.
Entre as “Palavras de um ano sem precedentes”, como se intitula o documento, estão termos que expressam os movimentos e ativismos sociais e ambientais (como “Vidas negras importam” e “queimadas”); que descrevem o trabalho remoto, o uso da tecnologia e as redes sociais (como “no mudo”, “cultura do cancelamento”); e, claro, que serviram para caracterizar e explicar essa pandemia (como “lockdown”, “distanciamento social”, “reabertura”, “máscaras”).
A Educação, como todas as outras áreas, também foi muito afetada pela pandemia e todos esses acontecimentos que marcaram 2020. Os protestos do movimento “Vidas negras importam” ressoaram no Brasil e nos fazem discutir a importância de uma educação antirracista e da valorização da diversidade.
As eleições e a polarização política mostram a importância de ensinar os estudantes a criar pontes e diálogo, e a ter um olhar crítico. O fechamento das escolas e o trabalho e ensino remoto trouxeram desafios para gestores(as) e professores(as), assim como afetaram a aprendizagem dos alunos.
O Portal CENPEC Educação conversou com três especialistas para fazer um balanço de 2020 na Educação, e entender como elas veem as conquistas, os impactos e as consequências dos acontecimentos deste ano para milhões de estudantes e profissionais da educação de todo o país.
Andressa Pellanda, coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Imagem: Arquivo pessoal
Para ela, o que a pandemia fez foi trazer à superfície e aprofundar problemas estruturais na educação – tal como a exclusão escolar, por falta de infraestrutura de atendimento e pelas desigualdades de oferta e atendimento.
“Essa crise que a educação está passando decorre, especialmente, da Emenda Constitucional 95, do Teto de Gastos, que asfixiou o Plano Nacional de Educação, a espinha dorsal da educação brasileira. Diante do cenário de desinvestimentos e de retrocessos na área, com o agravante da pandemia, os estados e municípios tiveram que agir rápido, de forma inédita, para construir políticas emergenciais para a educação”, explica Andressa.
Daí a importância da aprovação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal conquista deste ano.
O Novo Fundeb estabelece o aumento da complementação da União de 10% para 23%, com recursos novos e preservado o Salário-Educação; a inclusão do Custo Aluno Qualidade (CAQ) e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb) como parâmetros para o Fundo; o aumento do percentual de recursos que podem ser destinados ao pagamento dos profissionais da educação para 70% e a aprovação de um sistema híbrido de distribuição de recursos, que preserva as redes que ganham com o modelo atual e que garante equidade para os novos recursos.
Na última terça-feira (dia 15/12), o Senado Federal aprovou, com alterações, o PL 4.372/2020, que regulamenta o Fundeb. O relator Izalci Lucas (PSDB-DF) retirou do texto as alterações polêmicas que foram feitas pela Câmara dos Deputados, como a destinação de 10% dos recursos do Fundo para instituições filantrópicas comunitárias, confessionais e para educação profissionalizante, inclusive do Sistema S. O texto volta para a Câmara dos Deputados.
De acordo com Andressa, o financiamento é crucial para enfrentar os desafios de infraestrutura que as escolas vão encarar para garantir uma retomada das aulas presenciais com segurança e adotando todas as medidas sanitárias necessárias. Mesmo com o avanço do Fundeb, ela acredita que o prognóstico segue ruim já que a política de austeridade segue em voga.
Entre os equívocos cometidos pelas gestões, especialmente as estaduais, Andressa alerta para a falta de gestão democrática na construção das políticas emergenciais e a implementação em massa de educação remota com uso de plataformas privadas, sem garantir acesso e qualidade para todos e, portanto, de forma excludente, e sem cuidar da proteção dos dados dos estudantes e profissionais da educação.
“Duas medidas precisavam ser tomadas e não foram: somente com gestão democrática e com financiamento adequado podemos construir políticas educacionais – sejam elas emergenciais ou não – que garantam o direito à educação de forma inclusiva e efetiva. Espero que sejam aprendizados que levaremos”, defende Andressa Pellanda.
“Não queremos que nenhum aluno fique para trás”, diz Alice Ribeiro, secretária executiva do Movimento pela Base
Alice Ribeiro, secretária executiva do Movimento pela Base. Imagem: Arquivo pessoal
É essa a razão de ser da Base Nacional Comum Curricular e a importância de sua implementação, de acordo com Alice. 2020 seria o ano em que a Base chegaria às salas de aula, mas com a pandemia, a implementação do documento precisou encontrar outros caminhos.
“A BNCC se fortaleceu como grande referencial para a aprendizagem, sendo utilizada por professores no planejamento das atividades a distância. A nossa principal conquista foi perceber que já temos um documento que aponta para uma aprendizagem mais significativa, mais conectada aos desafios do nosso tempo, um documento que propõe uma aprendizagem por áreas de conhecimento, em vez de compartimentar os saberes em caixinhas”, explica Alice.
Apesar das dificuldades, o Movimento lançou em dezembro o Observatório da implementação da BNCC e do Novo Ensino Médio. A plataforma traz dados e análises sobre a implementação. De acordo com ela, há 4.337 currículos municipais, de Educação Infantil e Ensino Fundamental alinhados à Base. No caso do Novo Ensino Médio, já existem 15 referenciais curriculares entregues para aprovação de Conselhos estaduais, cinco em consulta pública, e sete em construção.
A secretária executiva destaca a atuação da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) no apoio aos municípios e estados para tomar as medidas emergenciais, e do Conselho Nacional de Educação (CNE) na elaboração de diretrizes para o ensino remoto, tomando a BNCC como norte pedagógico.
Ela também reconhece a capacidade de educadores(as) e redes de ensino de adaptação e mobilização, com iniciativas que tinham como principal objetivo manter o vínculo entre familiares e escola.
“Houve roteiros de estudos sendo entregues por agentes de saúde que visitam as famílias de casa em casa, houve diversos exemplos de professores se superando no uso de tecnologias e inventando novas formas de dar continuidade à aprendizagem: professores que criaram aulas nos moldes dos Youtubers, professor que desenvolveu podcast… Há muitos formatos possíveis”, diz Alice Ribeiro.
Confira a retrospectiva do processo de construção e implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) até o momento:
Vídeo com a retrospectiva: 2 anos da BNCC da Educação Básica, elaborado pelo Movimento pela Base
“Sem uma política nacional, as desigualdades educacionais que a pandemia escancarou permanecerão”, diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do CENPEC Educação. Imagem: Divulgação
A dívida histórica que o Brasil já tem com relação à garantia do direito à Educação foi acentuada com a pandemia, e as desigualdades educacionais foram colocadas em pauta, mais do que nunca. Para Anna Helena, tem sido mais difícil diminuir esses impactos devido à atuação do Ministério da Educação (MEC), quase inexistente.
“Enfrentar esses desafios da pandemia requer um esforço conjunto coletivo, principalmente se considerarmos o município que tem menos condições técnicas e financeiras e as escolas que estão em territórios vulneráveis. Mas o MEC se eximiu do seu papel de coordenador da política nacional e de fomento técnico e financeiro dos municípios e estados”, diz.
Anna Helena compartilha a visão de Alice Ribeiro de que tivemos muitas iniciativas importantes, e que devem ser frutos de estudos e pesquisas. “Houve muito conhecimento produzido sobre educação à distância, ensino remoto, articulação família-escola, cooperação entre estados e municípios, uso da tecnologia”, diz. Mas ressalta que elas foram pontuais, não um esforço articulado e sistêmico.
Para ela, um dos principais aprendizados foi o fortalecimento da relação entre familiares e professores, escola e comunidade; a potência de olhar o(a) estudante em todos os seus aspectos cognitivos, sociais, afetivos, culturais; e o papel fundamental do professor como mediador, mesmo diante das novas tecnologias.
“As experiências que foram bem sucedidas tiveram essa marca da Educação Integral, essa concepção (que nós sempre defendemos) do olhar para o sujeito na sua totalidade e da valorização da interação com o território”, explica Anna Helena.
Na volta às aulas presenciais, ela chama atenção para a necessidade de olhar para uma avaliação diagnóstica que não seja em larga escala, que garanta o acolhimento de professores(as) e alunos(as) e que garanta um planejamento de médio e longo prazos – já que as consequências deste ano pandêmico devem ser sentidas ainda por algum tempo.
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