PNAD Contínua 2022: "Precisamos identificar grupos mais afetados e desenvolver políticas específicas"

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PNAD Contínua 2022: “Precisamos identificar grupos mais afetados e desenvolver políticas específicas”

De acordo com o IBGE, 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais são analfabetas e cerca de 18% da população entre 14 e 29 anos não completaram o ensino médio; entenda os motivos com comentários de Romualdo Portela

Por Stephanie Kim Abe

Em 2022, o Brasil tinha 9,6 milhões de pessoas com 15 anos ou mais analfabetas – o que representa uma taxa de analfabetismo de 5,6%. Apesar desse número seguir uma tendência decrescente, ele evidencia as desigualdades educacionais que afetam a população brasileira.

Dentre esses 9,6 milhões de brasileiras(os) analfabetas(os), mais da metade (55,3%) delas viviam na Região Nordeste. Entre as pessoas brancas de 15 anos ou mais, esse percentual é de 3,4%, enquanto que entre as pessoas negras (pretas ou pardas), ele chega a 7,4% de taxa de analfabetismo. 

Focando as pessoas de 60 anos ou mais, essa discrepância é ainda maior: a taxa de analfabetismo das pessoas pretas ou pardas chega a 23,3%, contra 9,3% entre as pessoas brancas.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) – Educação 2022, divulgada no dia 07 de junho pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec, chama atenção para o componente etário do analfabetismo:

Foto: acervo pessoal

O analfabetismo se concentra majoritariamente em populações mais velhas, e isso tem a ver com o processo histórico de exclusão da educação para uma grande parcela da população, justamente essa população mais antiga. Nos últimos 20 anos, temos facilitado esse acesso à educação, mas a taxa de analfabetismo ainda é maior entre os mais velhos que os jovens”. 

Em 2022, o Brasil tinha 5,2 milhões de pessoas analfabetas com 60 anos ou mais (taxa de analfabetismo de 16% para esse grupo etário). Entre as pessoas com 40 anos ou mais, essa taxa cai para 9,8%; e entre a população com 15 anos ou mais, ela chega a 5,6%. 

Sendo assim, as políticas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) se tornam centrais para conseguir garantir o direito à educação dessa população – mas, infelizmente, não é isso o que tem acontecido. 

“Essas populações que não se escolarizaram, ou mesmo as populações mais jovens que não se escolarizaram na idade adequada, dependem muito da oferta de políticas de EJA. Mas essa modalidade tem sido negligenciada em muitos estados – e isso é muito preocupante. Não é possível que, tendo a dívida educacional que temos, não se mantenham políticas de EJA em todos os estados e todas as cidades“, diz Romualdo. 

Entenda a luta de quem busca a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e como as políticas para essa modalidade estão sucateadas


Nível de escolaridade e abandono escolar 

A PNAD Contínua traz outros dados sobre o nível educacional da população, como as taxas de abandono escolar, nível de instrução e média de anos de estudo. 

Eles são importantes para analisar a situação e a evolução da educação brasileira. No Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/14), por exemplo, a meta 9 estabelece que a erradicação do analfabetismo até o final da vigência do plano (em 2024) e, como meta intermediária, a diminuição gradual da taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais até 6,5% em 2015. 

Analisando os dados da PNAD Contínua, podemos verificar que o Brasil atingiu essa meta intermediária em 2017. Mas a taxa varia de região para região – no Nordeste, a taxa em 2022 ainda é de 11,7%.

A proporção de pessoas de 25 anos ou mais que concluíram o ensino médio, no mínimo, chegou a 53,2% em 2022, seguindo uma tendência de crescimento nos últimos anos. A porcentagem de pessoas com o ensino superior completo cresceu de 15,4% em 2016 para 19,2% em 2022. 

Quando analisamos sob o marcador de raça, percebemos que 60,7% das pessoas brancas concluíram o ensino médio, enquanto entre as pessoas de cor preta ou parda esse número chegou a 47%

“De 2016 para 2022, essa diferença reduziu um pouco – era de 16,6 p.p. em 2016 – porém se manteve em um patamar elevado, indicando que as oportunidades educacionais eram distintas para esses grupos”, lê-se no informativo da PNAD Contínua divulgado pelo IBGE. 


Para Romualdo Portela, um dos destaques dos dados da PNAD Contínua são os impactos da pandemia na educação. “Tivemos, durante a pandemia, jovens que abandonaram a escola. Nos últimos anos, tivemos certa reincorporação dessa população, mas elas(es) ainda vão apresentar uma defasagem de aprendizagem”, diz.

Os dados da população fora da escola são os mais alarmantes: em 2022, tínhamos 9,5 milhões de brasileiras(os) entre 14 e 29 anos (18% dessa população) que não completaram a educação básica, seja porque não terminaram o ensino médio, por terem abandonado a escola antes ou por nunca tê-la frequentado. 

O principal motivo para esse abandono é a necessidade de trabalhar, como aponta o informativo. 

O abandono escolar ocorre como uma consequência do empobrecimento da população decorrente da pandemia. Muita gente não conseguiu trabalhar,  e isso afetou as famílias, o que fez com que outros membros que eventualmente poderiam estar estudando tivessem que passar a buscar atividades remuneradas para recompor minimamente a renda familiar”, explica Romualdo. 

Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec

Por isso, uma política que busca trazer essas crianças de volta para a escola precisa ser intersetorial e considerar também esse componente:

Os dados indicam que o fator fundamental que causa a exclusão escolar é a questão da renda. Logo, precisamos intensificar políticas de renda cidadã associadas à frequência escolar, para garantir a permanência da criança e dos jovens na escola“. 

Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec

Para Romualdo, os dados da PNAD Contínua devem ser analisados à luz e em conjunto com outros dados educacionais e estatísticas que temos por gestoras(es), equipes técnicas e tomadoras(es) de decisão para garantir que as ações planejadas e as políticas públicas programadas estejam produzindo resultados efetivos e diminuindo a desigualdade entre os diferentes grupos da população brasileira e o seu acesso à educação.

“Certamente temos que avançar mais. Temos que identificar aqueles grupos que estão mais fora da escola, que apresentam maiores índices de analfabetismo, que têm menos acesso ao ensino superior. Temos que identificar grupos mais afetados e desenvolver políticas específicas para eles”, diz.

Veja mais dados no Painel de Desigualdades Educacionais no Brasil 


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