Cenpec assina manifesto de entidades contra educação domiciliar

-

Cenpec assina manifesto de entidades contra educação domiciliar

Mais de 350 coalizões, redes, entidades e movimentos sociais se mobilizam contra a tramitação de projetos de lei que regulamentem o homeschooling no Brasil

Por Stephanie Kim Abe

Na última sexta-feira (dia 21/5), mais de 350 organizações da sociedade civil, coalizões, redes, entidades sindicais, instituições acadêmicas, fóruns e movimentos sociais divulgaram o “Manifesto Contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas”. O Cenpec Educação é uma das organizações signatárias. 

A mobilização ocorre por causa da tramitação de diversos projetos de lei que versam sobre o tema no Congresso Nacional. Entre eles, está a proposta de substitutivo ao PL 3.179/2012, elaborada pela deputada Luísa Canziani. O texto reforça em vários aspectos o PL 2.401/2019, apresentado pelo governo Bolsonaro ao Parlamento, e acrescenta outros pontos controversos. 

A votação do PL 3.262/2019 na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, prevista para acontecer amanhã (dia 25/5), também causa preocupação. O PL visa descriminalizar a ausência de matrícula escolar de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos para famílias que adotarem a educação domiciliar.

Dada essa ameaça, as entidades signatárias do Manifesto vão promover mobilizações nas redes sociais para denunciar os problemas deste PL, além de cobrar dos parlamentares prioridade para a aprovação de leis que garantam efetivamente o direito à educação. . O twittaço está programado para às 9h, com a tag #NãoÀEducaçãoDomiciliar!

Confira o “Manifesto Contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas”.


Homeschooling não deve ser prioridade

O documento alerta para o “extremo risco” que a uma possível autorização e regulamentação do homeschooling pode trazer, aprofundando as desigualdades educacionais e sociais e multiplicando os casos de violência e violação de direitos de crianças e adolescentes brasileiros. 

As entidades pontuam ainda que a educação domiciliar fere o direito ao acesso a conhecimentos científicos e que a sua regulamentação deve gerar gastos extras com a fiscalização e adequação de estruturas para acompanhar as matrículas e atividades realizadas pelos praticantes da modalidade. Elas reforçam o papel da escola na segurança alimentar de crianças e famílias de baixa renda e na denúncia de casos de violência doméstica e sexual. 

Maio Laranja: Educação versus violência sexual contra crianças e adolescentes. Confira dicas de especialistas

Em contrapartida, os signatários defendem a priorização de medidas que atendam aos urgentes desafios educacionais brasileiros, principalmente aqueles que foram agravados pela pandemia, e sigam os principais marcos legais que regem a educação no país:

No campo da educação, as secretarias estaduais, distrital e municipais estão desamparadas tanto financeiramente quanto para planejar e implementar o ensino remoto com tecnologias, o retorno às aulas presenciais, o enfrentamento da evasão escolar e o combate à violência doméstica. A inviabilização do Plano Nacional de Educação por uma absurda política econômica de austeridade fiscal e a ausência de coordenação federal, também na educação, denunciam a opção do Governo em desviar a atenção do que deveria ser prioritário na gestão de superação da pandemia. O debate sobre o homeschooling se apresenta como mais uma agenda inoportuna diante das agruras vividas pelos sistemas de ensino e a sociedade em geral”. 

Manifesto Contra a Regulamentação da Educação Domiciliar e em Defesa do Investimento nas Escolas Públicas, 2021

Saiba mais sobre os riscos da educação domiciliar aqui


Educação regular x educação domiciliar 

Durante webinário sobre o tema promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) na última quinta-feira (dia 20/5), Romualdo Portela de Oliveira, diretor de Pesquisa e Avaliação do CENPEC, reforçou a importância e o dever da escola na redução das desigualdades sociais. O professor destacou ainda a necessidade de não perder de vista que o sujeito do direito à educação é a criança – e não a família. 

É dever do Estado garantir que ela tenha oportunidade de acesso a uma educação regular em escola republicana, na qual o princípio da socialização permita que ela aprenda a conviver em um sociedade mais plural e diversa. Para ele, essa socialização parcial que os(as) defensores(as) do homeschooling oferece é um dos principais problemas dessa modalidade:

Romualdo Portela
Foto: reprodução

Uma das funções da escola é desenvolver uma concepção de tolerância e cooperação. E isso só é possível se nós temos uma convivência com a diversidade e a pluralidade. Não é possível que isso seja feito entre os que pensam igual. Privar as crianças dessa socialização é privá-las de uma educação substantiva.”

Romualdo Portela de Oliveira

Defenda a escola: 8 argumentos para dizer #NãoÀEducaçãoDomiciliar

Carlos Roberto Jamil Cury, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ex-membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e professor adjunto da PUC-MG, trouxe uma perspectiva histórica sobre como o tema da educação domiciliar foi tratado nas Constituições brasileiras. Em relação à Constituição de 1988, ele diz que:

Portal do Professor - Carlos Roberto Jamil Cury: cabe aos poderes públicos  oferecer oportunidades gratuitas e planejadas para a formação co...
Foto: reprodução

A Constituinte de 1987 não se ocupou do tema homeschooling porque, dentro de um pais já urbanizado e um país que queria se redemocratizar, decidiu por colocar a educação na escola como um instrumento preciso para colocar a cidadania em primeiro plano. Mas a Constituição de 88 estabelece sim um elo de solidariedade entre a instituição escolar e a instituição familiar, cada um com as suas devidas responsabilidades.”

Carlos Roberto Jamil Cury,

Cury citou o parágrafo 3o do art. 208, que diz que “compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola”. “Portanto, o art. 208 coloca uma norma, e não um princípio”, explica.

O webinário contou também com a participação da Anamaria Camargo, do Instituto Livre pra Escolher. Assista o webinário Homeschooling: o modelo e o direito à educação completo abaixo:


Veja também