Yanomami: o que está acontecendo e o que eu tenho a ver com isso?

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Yanomami: o que está acontecendo e o que eu tenho a ver com isso?

Entenda a crise humanitária que está acontecendo na Terra Indígena Yanomami e como a educação pode apoiar a luta desse povo

Por Stephanie Kim Abe

A reportagem que trouxe à tona as 570 mortes evitáveis de crianças Yanomami durante os quatro anos de governo Bolsonaro, produzida e publicada pela plataforma de jornalismo independente Sumaúma em 20 de janeiro de 2023, acendeu o alerta e voltou os olhos do mundo para a crise humanitária que assola o Território Indígena Yanomami atualmente. 

Nem o fato de ser a maior terra indígena brasileira tinha colocado a atenção da mídia e das autoridades para o que vinha acontecendo nos últimos tempos, ainda que as denúncias realizadas por esse povo tenham sido feitas desde sempre. Ou o fato de que a legislação brasileira garante o direito dos povos originários às suas terras e o seu usufruto exclusivo, como descrito no art. 231 da Constituição Federal de 1988

CAPÍTULO VIII – DOS ÍNDIOS

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

(…) 
Brasil, Constituição Federal de 1988.

A falta de acesso a alimentos e serviços de saúde é fruto da atividade garimpeira ilegal que ameaça a região. Em abril de 2022, a Hutukara Associação Yanomami revelou em seu relatório Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo que a destruição provocada pelo garimpo no território aumentou 46% de 2020 para 2021, passando de 1.038 hectares para 3.272 hectares. 

Na introdução do relatório, lê-se que:

Garimpo na reigão de Waikás (RR), Terra Yanomami, em dezembro de 2020. Foto: Instituto SocioAmbiental/divulgação

Trata-se do pior momento de invasão desde que a TI foi demarcada e homologada, há trinta anos. Será apresentado como a presença do garimpo na TIY é causa de violações sistemáticas de direitos humanos das comunidades que ali vivem. Além do desmatamento e da destruição dos corpos hídricos, a extração ilegal de ouro (e cassiterita) no território Yanomami trouxe uma explosão nos casos de malária e outras doenças infectocontagiosas, com sérias consequências para a saúde e para a economia das famílias, e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas.”

Hutukara Associação Yanomami, Relatório Yanomami sob ataque, 2022.

De acordo com o documento, outros fatores que têm contribuído para essa escalada na destruição do território Yanomami são o aumento do preço do ouro no mercado internacional e o enfraquecimento das políticas ambientais e de proteção de direitos aos povos originários. 

Além de lidar com essas ameaças, a luta desse povo esbarra em crescentes campanhas de desinformação e fake news que buscam deslegitimar a sua luta e a sua existência. 

As fake news são criadas para justificar as contínuas, constantes, invasões do território deste povo. A situação piorou muito com a eleição do Bolsonaro, que incentivou abertamente, descaradamente, insistentemente a garimpagem em áreas indígenas”, explica Loretta Emiri, indigenista e escritora.

Loretta atuou na área da educação escolar indígena em nível local, regional, nacional por 18 anos, na década de 1980. Ela acredita que, mesmo que pareça uma realidade distante e que não afeta a vida das pessoas que vivem na cidade ou em outras regiões brasileiras, é preciso trabalhar por, discutir e apoiar a causa do povo Yanomami – principalmente nas instituições de ensino

É fundamental tratar estas questões nas escolas, para sensibilizar as(os) estudantes e formar cidadãs(os) conscientes e sensíveis, que saibam entender que a diversidade cultural é um valor, que os múltiplos saberes enriquecem. Quanto mais diversificada é uma sociedade, mais ela se torna democrática.”

Loretta Emiri

A seguir, entenda mais sobre o povo Yanomami, da sua cultura à sua organização, passando pela forma como a educação pode ajudar a fortalecer essa luta pelos direitos dos povos originários. 

Quem são os Yanomami

Foto: capa/reprodução

Os Yanomami constituem uma sociedade de caçadores-coletores e agricultores de coivara que ocupa um espaço de floresta tropical de aproximadamente 230 mil quilômetros quadrados, nas duas vertentes da serra Parima, divisor de águas entre o alto Orinoco (no sul da Venezuela) e a margem esquerda do rio Negro (no norte do Brasil). Formam um vasto conjunto linguístico e cultural isolado, subdividido em várias línguas e dialetos aparentados. Sua população total é estimada em mais de 33 mil pessoas repartidas em cerca de 640 comunidades, o que faz deles um dos maiores grupos ameríndios da Amazônia que conservam em larga medida seu modo de vida tradicional.

(Bruce Albert, prólogo. KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.)

Foto: arquivo pessoal

Loretta conta da sua experiência: 

Os grupos locais Yanomami são, na prática, grandes famílias extensas, interligadas entre si por laços de parentesco. Quando o grupo se torna grande demais, uma parte sai para criar outro grupo local; com isso evitando tensões internas, mas também para não acabar com os recursos naturais da área ocupada.” 

Loretta Emiri

Assim, os Yanomami são seminômades e se deslocam de tempos em tempos para permitir à área ocupada de se recuperar, podendo, depois de um tempo, voltar a morar no mesmo local. Eles também estabelecem alianças intercomunitárias e se organizam de forma horizontal – daí, por exemplo, o fato de se pensar na construção de um estado Yanomami ser irreal, dado que não se organizam politicamente como tal.

Loretta também acrescenta que:

Entre eles não há classes sociais, todo mundo possui as mesmas coisas, sabe fabricar os artefatos de que precisam. A categoria do tuxaua, ou cacique, é uma invenção dos brancos. Os xamãs são os intermediários entre o mundo humano e o sobrenatural, e curam as doenças agindo no plano emocional-psicológico; nem mesmo eles têm privilégios, precisando cuidar das atividades rotineiras como qualquer outro morador da maloca.”

Loretta Emiri

Apesar de isolados por muito tempo, desde que ocorreram os primeiros contatos com os não indígenas, o território e a cultura Yanomami têm estado sob constante ameaça. 

Foto: @brunofreitasmonteiro/Flickr

Os primeiros contatos, esporádicos, dos Yanomami do Brasil com os brancos, coletores de produtos da floresta, viajantes estrangeiros, militares das expedições de demarcação de fronteiras ou agentes do SPI datam do início do século XX. Entre as décadas de 1940 e 1960, algumas missões (católicas e evangélicas) e postos do SPI se instalaram na periferia de suas terras, abrindo assim os primeiros pontos de contato regular, fonte de obtenção de bens manufaturados e também de vários surtos de epidemias letais.

(Bruce Albert, prólogo de A queda do céu. KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010)

Muito mais que um território

A Terra Indígena Yanomami (T.I.Y.) foi homologada ainda em 1992 e se estende por cinco municípios de Roraima (Alto Alegre, Amajari, Caracaraí, Iracema, Mucajaí) e três do Amazonas (Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira). Não à toa, há diversidade entre o próprio povo Yanomami, tanto em termos de língua quanto de cultura. 

Fonte: Instituto SocioAmbiental (ISA)

A terra Yanomami é muito cobiçada pois abriga minerais preciosos, e essa é a principal ameaça desde a demarcação do território, que traz consigo não só consequências ambientais, como o desmatamento, mas também outros problemas para a população Yanomami, como as que vemos nas notícias atualmente. 

Fonte: Instituto SocioAmbiental (ISA)
Garimpo ilegal em terra Yanomami, 2016. Foto: Bruno Kelly/reprodução

As invasões das terras dos Yanomami por garimpeiros – e suas consequências em termos de epidemias, estupros, assassinatos, envenenamento dos rios, esgotamento da caça, destruição das bases materiais e dos fundamentos morais da economia indígena – se sucedem com monótona frequência, seguindo a oscilação das cotações do ouro e de outros minerais preciosos no mercado mundial. […]

O sistema de garimpo é semelhante ao do narcotráfico, e, em última análise, à tática geopolítica do colonialismo em geral: o serviço é feito por homens miseráveis, violentos e desesperados, mas quem financia e controla o dispositivo, ficando naturalmente com o lucro, está a salvo e confortável bem longe do front, protegido por imunidades as mais diversas.


(Eduardo Viveiros de Castro, em “O recado da mata”, prefácio. KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.)

Enquanto a nossa sociedade cobiça a extração desses recursos, os Yanomami buscam preservar a floresta e a terra tal como está, como explica Loretta:

A cada objeto, coisa, elemento da natureza os Yanomami atribuem um espírito. Provavelmente esta concepção fez com que eles preservassem intacta a floresta amazônica até os nossos dias. Para os indígenas, a natureza é um ser vivo, que deve ser respeitado. Na sociedade capitalista, a terra é mercadoria. Nas sociedades indígenas, a terra é mãe, equilíbrio, bem-estar.

Loretta Emiri

Foto: reprodução

“As coisas que os brancos extraem das profundezas da terra com tanta avidez, os minérios e o petróleo, não são alimentos. São coisas maléficas e perigosas, impregnadas de tosses e febres, que só Omama conhecia. Ele porém decidiu, no começo, escondê-las sob o chão da floresta para que não nos deixassem doentes. Quis que ninguém pudesse tirá-las da terra, para nos proteger. Por isso devem ser mantidas onde ele as deixou enterradas desde sempre. A floresta é a carne e a pele de nossa terra, que é o dorso do antigo céu Hutukara caído no primeiro tempo. O metal que Omama ocultou nela é seu esqueleto, que ela envolve de frescor úmido. São essas as palavras dos nossos espíritos, que os brancos desconhecem. Eles já possuem mercadorias mais do que suficientes. Apesar disso, continuam cavando o solo sem trégua, como tatus-canastra. Não acham que, fazendo isso, serão tão contaminados quanto nós somos. Estão enganados.”

(Davi Kopenawa, “O ouro canibal”. KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.)

Protagonistas de sua própria história e defesa

Como podemos notar, a luta do povo Yanomami é incessante – ainda que para a maioria do Brasil ela não pareça, já que só voltamos os olhos para o que acontece nessa região do extremo norte do país quando, infelizmente, a crise aperta. 

No final das contas, são os próprios Yanomami os protagonistas da sua história e da defesa de suas terras, por meio de associações como a Hutukara.

Por que fundamos a associação? É para defender a nossa terra.”

Sobre o nome Hutukara: todos nós, Yanomami, escolhemos este nome porque Hutukara [o céu original a partir do qual se formou a terra] é que nos mantém vivos, juntamente com os rios e a floresta; Hutukara [a terra-céu] nos dá a vida, como fez com nossos antepassados antes de nós. Por isso nós a defendemos. É isto que significa Hutukara.

Comunicado de fundação da Hutukara Associação Yanomami, 12 de novembro de 2004

Davi Kopenawa é presidente da associação desde a sua criação, e um dos principais líderes políticos e intelectuais do povo Yanomami na luta pela demarcação das suas terras e dos seus direitos. 

Maurice Tomioka Nilsson, indigenista e geógrafo, acredita que muito dessa atuação se deve à consciência que Davi sempre teve sobre a importância da educação escolar Yanomami. Maurice foi assessor do projeto de educação da Comissão Pró-Yanomami (CCPY), participando do Programa Yarapiara entre 2007 e 2009, que tinha como objetivo a formação intercultural de professores Yanomami. Um dos participantes e idealizadores desse programa foi justamente Davi Kopenawa. 

Foto: reprodução

Boa parte daqueles que se formaram nesse curso conosco compõem as lideranças atuais dos Yanomami, em termos de representação com a nossa sociedade. Isso ocorreu por uma demanda real de interlocutores nessa defesa constante de seus direitos e de suas terras. Há um protagonismo claro dos Yanomami nessa luta e, ficassem eles apenas como professores nas escolas, não teriam representações que fizessem as denúncias que temos visto nos últimos anos.” 

Maurice Tomioka Nilsson

Pintura de rosto de Yanomami, Maturacá – AM, 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR/Wikipédia

“Os brancos talvez pensem que pararíamos de defender nossa floresta caso nos dessem montanhas de suas mercadorias. Estão enganados. Desejar suas coisas tanto quanto eles só serviria para emaranhar nosso pensamento. Perderíamos nossas próprias palavras e isso nos levaria à morte. […] Recusamo-nos a deixar que destruam nossa floresta porque foi Omama que nos fez vir à existência. Queremos apenas continuar vivendo nela do nosso jeito, como fizeram nossos ancestrais antes de nós. Não queremos que ela morra, coberta de feridas e dejetos dos brancos. Ficamos com raiva quando nossas mulheres, filhos e idosos morrem sem parar de fumaça de epidemia. Não somos inimigos dos brancos. Mas não queremos que venham trabalhar em nossa floresta porque não têm como compensar o valor do que aqui destroem.

(Davi Kopenawa, “Comedores de terra”. In: KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.)

Educação escolar Yanomami x educação Yanomami

Como explica Maurice em sua tese de doutorado para o Programa de Pós-Graduação interdisciplinar Humanidades Direitos e Outras Legitimidades da Universidade de São Paulo (SP), Yarapiara “advém da entidade mítica de um pássaro, que é o espírito (representante xamânico) do pássaro sabiá, que nos ensina a conversar e cantar (segundo a cosmologia Yanomami)”.

O nome casa bem com a proposta que se buscava à época para construir um projeto político pedagógico para as escolas Yanomami. O programa da formação foi criado e debatido em conjunto com jovens Yanomami na época, além de ter partido de uma demanda do próprio povo. 

Claudia Andujar e Davi Kopenawa. Foto: Marcelo Lacerda, Revista Continente/divulgação

Davi Kopenawa, anos luz à frente de todos nós não Yanomami, já tinha uma noção clara do que era importante fazer na escola. Eu me lembro que me relataram uma cena em que a famosa fotógrafa Cláudia Andujar teria perguntado para Davi: ‘se vocês abrirem uma escola, isso não vai atrapalhar, adulterar a vida do seu povo’? E ele teria dito: ‘não, precisamos que o nosso povo aprenda a ler e escrever, e a fazer conta para não ser roubado’.”

Maurice Tomioka Nilsson

Era, portanto, evidente a ideia da escola como uma instituição de brancas(os), não Yanomami, mas que era necessária para que o povo Yanomami pudesse aprender como se defender. “A escola seria uma espécie de vacina, que serve para a construção de um anticorpo”, explica Maurice. 

Isso significa uma distinção entre educação escolar Yanomami e educação Yanomami. A escola não busca, portanto, ensinar conteúdos ou falar sobre o modo de vida desse povo, mas sim trazer os conhecimentos da e sobre a sociedade de fora para que elas e eles a aprendam e entendam como sua dinâmica

O nosso papel, como educador participando desse programa de formação de professoras(es) Yanomami, era de tradutor-traidor. Traidor da nossa própria sociedade, no sentido de precisar vestir a camisa da causa Yanomami e mostrar a elas(es) os segredos da nossa sociedade que nos diferenciam deles e que pode ajudá-las(os) a entender o nosso funcionamento e como combater quem as(os) ameaçam.”

Maurice Tomioka Nilsson

A difícil missão de buscar uma escola não colonialista

A legislação brasileira educacional garante uma educação escolar indígena específica, intercultural e adaptada às necessidades e realidades de cada um dos povos originários, valorizando a sua cultura, história, língua, memória. Ela foi, inclusive, um dos primeiros temas a serem trabalhados durante a formação de professoras(es) Yanomami, para que soubessem de seus direitos garantidos na Constituição. 

Ainda que se assegurem os próprios meios de aprendizagem dos povos indígenas, como, de fato, ensinar nossos conhecimentos sem cair em uma perspectiva colonialista da educação? 

Essa resposta envolve a lógica da simetria dos conhecimentos, ou seja, de não entender um conhecimento como melhor ou maior que outro. São apenas modos diferentes de se pensar e não verdades absolutas. Além disso, significa oferecer os conhecimentos, mas não impô-los.”

Maurice Tomioka Nilsson

Na prática, Maurice conta que o curso buscava muito mais apresentar e ensinar ferramentas conceituais às(aos) professoras(es) Yanomami, para que entendessem a lógica da sociedade não indígena. 

Ensinávamos matemática com o uso do ábaco, dos números, de como fazemos a divisão, do que consideramos justo nesse processo. Na geografia, minha área de formação, por exemplo, eu trouxe o mapa como essa ferramenta que é extremamente útil para entender territórios. Ao mesmo tempo, nós íamos aprendendo sobre a forma como faziam a divisão de alimentos, sobre os conceitos Yanomami de floresta, de terra, e, assim, íamos conversando e nos entendendo mutuamente.”

Maurice Tomioka Nilsson

🏹 Saiba mais sobre como promover uma educação escolar indígena libertadora

Há muito o que superar 

As mesmas dificuldades de assistência que identificamos atualmente para garantir atendimento médico à população Yanomami são enfrentadas por aqueles que buscam garantir o direito à educação. 

De acordo com o governo estadual de Roraima, há 21 escolas estaduais em funcionamento na Terra Indígena Yanomami, que contam com 80 educadores e 1.478 estudantes. 

Maurice explica as barreiras geográficas que requerem grandes logísticas, recursos, tempo e dedicação das pessoas que buscam assessorar a educação escolar indígena na T.I.Y:

Escola indígena. Foto: Seduc AM/reprodução

As escolas Yanomami estão a cerca de 300 quilômetros da capital Boa Vista. Isso significa uma hora e meia de voo, com a hora-voo a quase cinco mil reais. Mandar um assessor educacional para a região requer que ele tenha disponibilidade para passar no mínimo dez dias em cada escola, com algumas regiões com mais de 10 escolas. Ou seja, é preciso investir tempo, dinheiro, materiais, merenda escolar… Já sabíamos naquela época o desafio que seria para o povo Yanomami tocar as escolas nesse meio adverso, mas contávamos com o pessoal da Secretaria de Educação. Vê-se que as dificuldades se mantêm até hoje.

Maurice Tomioka Nilsson

📉 A desigualdade em números

A falta de assistência e a negligência com o povo Yanomami impacta na trajetória escolar das(os) estudantes. Dados do Painel de Desigualdade do Cenpec com base no Censo Escolar (Inep 2015-2021) mostram que as desigualdades educacionais nessas escolas são maiores que a média local e nacional. O município de Alto Alegre, que possui 12 escolas estaduais em território Yanomami, tinha uma taxa de distorção idade-série de 31% em 2020.

Na Escola Estadual Indígena Yanomami Halikatou, no município de Alto Alegre, essa era de 54,9% em 2020. Na Escola Estadual Indígena Yanomami Hakoma, essa taxa chegou a 95,1%, e na Surucucu, 68,2%. Para a rede estadual, esse número era de 23,5%.

Para saber mais

Para sermos aliadas(os), é preciso saber mais desse povo, sua história e sua cultura. Há muito conteúdo interessante e relevante sendo produzido tanto pelos povos indígenas quanto por pessoas que se somam à causa. Listamos abaixo alguns deles para quem quiser se aprofundar mais sobre o assunto.

🏹 Sônia Guajajara no Mano a Mano (podcast)

Sônia Guajajara em cerimônia de assunção do Ministério dos Povos Indígenas. Foto: Ricardo Stuckert/PR/Wikipédia

Neste episódio, Mano Brown conversa com Sônia Guajajara sobre a crise Yanomami e outros temas relativos à luta dos povos indígenas. Uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, segundo a lista da revista Time, Sônia é representante do povo Guajajara, educadora pós-graduada em educação especial, eleita deputada federal e hoje ministra dos Povos Indígenas, nova pasta criada pelo governo atual.

Nós precisamos afirmar que os Yanomami são, sim, do Brasil, são originário daquela região e estão precisando de apoio e não de mais mentiras. Não basta a ausência do Estado, a falta de assistência, para ainda agora, eles, que são vítimas, serem condenados por mentiras e fake news. […] Quando se fala em promover direitos, significa cumprir o que é de responsabilidade também da União: demarcar os territórios indígenas, proteger esses territórios com ações de fiscalização e monitoramento, e garantir a cidadania dos povos indígenas com políticas públicas adequadas.

Sônia Guajajara

🏹 Organização dos Professores Indígenas de Roraima (OPIRR) “Organizar para Educar e Fortalecer”: nota de repúdio

“A Organização dos Povos Indígenas de Roraima-OPIRR vem a público REPUDIAR a fala do
chefe maior do poder executivo do Estado de Roraima, governador Antônio Denarium
(progressistas), que, em entrevista a Folha de São Paulo no dia 29 de janeiro do corrente ano,
mostrou seu total desprezo e falta de humanidade pelas centenas de vidas indígenas do povo
Yanomami que estão sendo ceifadas por problemas decorrentes do garimpo ilegal em suas
terras.
Ao invés de ajudar a buscar soluções e criar medidas que possam amenizar o
sofrimento de crianças, jovens, adultos e idosos que estão pedindo socorro diante de uma crise
humanitária e sanitária sem precedentes, o senhor governador Antônio Denarium claramente
se coloca do lado dos invasores do território Yanomami quando afirma que o garimpo não é
fator determinante para os problemas que vem ocorrendo.”

Acesse o documento na íntegra.

🏹 Audiolivro A queda do céu, de Davi Kopenawa e Bruce Albert

Ouça “O espírito da floresta”, capítulo de A queda do céu (Davi Kopenawa e Bruce Albert) na voz Pedro Salim.

… o pensamento dos xamãs se estende por toda parte, debaixo da terra e das águas, para além do céu e nas regiões mais distantes da floresta e além dela. Eles conhecem as inumeráveis palavras desses lugares e as de todos os seres do primeiro tempo. É por isso que amam a floresta e querem tanto defendê-la. A mente dos grandes homens dos brancos, ao contrário, contém apenas o traçado das palavras emaranhadas para as quais olham sem parar em suas peles de papel. Com isso, seus pensamentos não podem ir muito longe. Ficam pregados a seus pés e é impossível para eles conhecer a floresta como nós. Por isso não se incomodam em destruí-la!”

Davi Kopenawa, “O espírito da floresta”. : KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

🏹 Amazônia sem garimpo (animação com narração em Yanomami)

Esta animação é parte o projeto de pesquisa “Impactos do Mercúrio em Áreas Protegidas e Povos da Floresta na Amazônia: Uma Abordagem Integrada Saúde e Ambiente”. A iniciativa é da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e tem como objetivo avaliar o impacto do mercúrio em áreas protegidas e em povos da floresta na Amazônia.

🏹 Projeções da Terra-Floresta: O Desenho-imagem Yanomami

Orlando Nakeuxima Manihipi-theri, A casa dos espíritos, 1976 (Coleção Laymert Garcia dos Santos e Stella Senra). Imagem: reprodução.

Conhecer as expressões culturais e artísticas de um povo é um dos caminhos para respeitá-lo e contribuir para sua preservação. Neste artigo, o pesquisador de arte Rafael Alves traz um pouco do universo dos desenhos Yanomami, em diálogo com a história da arte e da arte contemporânea.

Os critérios da história da arte aos quais costumamos recorrer se mostram inadequados para explicar a qualidade dessa fatura. E dizer que esses desenhos são ‘inspirados’ não nos faz avançar. No entanto, como não perceber que os Yanomami parecem acessar diretamente, e espontaneamente, a liberdade extrema do traço, o ato de desenhar buscado por um Miró, ou por Klee? De onde vem essa graça (não há outro termo para melhor qualificar o que paradoxalmente ao mesmo tempo impulsiona o ato de criação e dele parece resultar)?”

Rafael Alves

Leia mais.

🏹 Ailton Krenak: Tragédia Yanomami mostra que clube da humanidade não é para todos (podcast)

Neste episódio da Ilustríssima Conversa (Folha de S.Paulo), publicado em 28 de janeiro, o escritor da etnia Krenak problematiza a visão de humanidade que exclui grupos étnicos e povos como os povos indígenas, que desde o início da colonização sobre inúmeras formas de violência e negação de direitos. Para ele, esse seria um indício de que “o clube dos humanos não é para todos”.

Foto: reprodução

… tem uma sub-humanidade que nunca vai ser admitida nesse clube. Os Yanomami são uma parte dessa sub-humanidade. É por isso que os brasileiros em geral ouviram durante quase 40 anos denúncias e nunca fizeram nada para que o governo brasileiro tomasse uma decisão de fato de proteger a vida dos Yanomami.”

Aílton Krenak

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