Informação, Memes e WhatsApp: ignorância ou conhecimento?

-

Informação, Memes e WhatsApp: ignorância ou conhecimento?

Juliano Spyer, Pollyana Ferrari e Francisco Brito Cruz falaram sobre memes, fake news e redes sociais em debate on-line realizado dia 23/10

Por João Marinho

Como funciona a difusão de fake news e informações falsas na indústria dos memes? Como elas conseguem superar a credibilidade das notícias da imprensa tradicional? Quais as implicações desse novo ambiente informativo em que o falso e o real convivem, para a cultura, a política e a vida social? Por que há dificuldade de legislar e regular os circuitos de difusão digital?

Essas e outras questões sobre cultura digital foram abordadas por Juliano Spyer, Pollyana Ferrari e Francisco Brito Cruz no debate on-line Informação, Memes e WhatsApp – A Formação da Opinião Pública na Cultura Digital, realizado no auditório do CENPEC na última terça-feira (23) e transmitido aqui, no Portal, no YouTube e nas nossas redes sociais. Veja como foi.

Mais conhecimento ou mais ignorância?

Gabriel Priolli, mediador do debate, abriu o encontro comentando sobre a democratização da comunicação via cultura digital, que deu um poder inédito ao usuário comum de gerar e transmitir informações. A pergunta, segundo Priolli, é se esse poder trouxe mais conhecimento ou mais ignorância.

Para Francisco Cruz, a cultura digital trouxe ambas as coisas. Segundo ele, uma proposta de análise parte do conceito de dieta midiática: “Essa dieta vai desde o que existia antes até o WhatsApp, Facebook, YouTube… e muita ‘junk food’ entrou nessa dieta”. Já para Juliano Spyer, há necessidade de ceticismo ao se falar das mudanças que a cultura digital, de fato, trouxe: “Ela trouxe uma série de mudanças, mas em que medida essas mudanças realmente são novas e influenciam?”. Para dar suporte à sua posição, o especialista citou o caso da divulgação do meme de um dos candidatos ao governo do estado de São Paulo em situação sexual, uma prática que, mesmo antes do advento da internet, já acontecia.

Para Pollyana Ferrari, a diferença, porém, está na velocidade e espaço de propagação: atualmente, em horas, minutos: “Spams, memes, vídeos… Tínhamos até no jornal Notícias Populares, se formos fazer um resgate. A escala é que é uma novidade, e também a falta de educação midiática: como as pessoas não conseguem perceber que se trata de uma montagem, de algo sensacionalista? […] Há uma falta de letramento midiático. Há uma massa de baixo letramento, que aborda questões muito viscerais, como religião, família, propriedade, contra LGBTs etc.”

“A tecnologia mudou porque a sociedade mudou”, ponderou Cruz. “Muitas vezes, queremos ver causas e efeitos em coisas que são muito mais entrelaçadas. Na verdade, há uma certa conivência do ator social que quer acreditar naquilo que propaga”.

Fake news: conceito em formação

A conivência do usuário foi a ponte entre o tema da cultura digital e das fake news, que ganharam importância fundamental nas eleições gerais brasileiras de 2018. “As pessoas são parte desse exército de ‘repassadores’ de conteúdo. As redes do WhatsApp somente são efetivas porque há alguém entre um grupo e outro que concorda em fazer a ponte entre eles e a defender aquele conteúdo. Precisa haver aderência ao sentimento das pessoas”, disse Cruz.

Juliano Spyer aprofundou a discussão, ao destacar que “mais do que ser uma coisa mentirosa, fake news é uma forma de ataque”. Nesse sentido, para Pollyana Ferrari, “desinformação é uma palavra melhor do que fake news, pois nem sempre há a reprodução de um formato noticioso. Há desde um número adulterado, passando por informações que são reais, mas antigas e utilizadas agora, até montagens em vídeo. Essencialmente, o que não esperávamos era um nível tão baixo de montagem”.

Para a pesquisadora, além dos memes, que é um dos formatos mais recorrentes de transmissão de fake news, há hoje muitos vídeos transitando pelas redes. A definição de meme, no entanto, não foi consensual entre os participantes. Para Ferrari, é um formato que se aproxima da publicidade e charge, mas Francisco Cruz e Juliano Spyer propuseram uma definição mais ampla: “Para mim, meme é imagem e vídeo. É tudo que é curto e se propagada rapidamente pelo power“, disse Spyer.

Redes sociais e ecossistema híbrido

As redes sociais foram o último dos temas abordados no debate. A pergunta, lançada por Gabriel Priolli, foi se realmente houve democratização da informação por meio desses serviços. Segundo o jornalista, os discursos dos anos 1990 eram otimistas em relação às redes e migraram hoje para um pessimismo, segundo o qual, inclusive, as redes sociais estariam levando à destruição da democracia.

Juliano Spyer destacou que fazer uma separação entre as mídias tradicionais e as redes sociais pode ser difícil: “Podemos ver que há um pico de uso da Web ao mesmo tempo que o assunto aparece na televisão. Então, como se separa?”. Para Cruz, essa constatação evoca um ecossistema midiático mais híbrido e, ao mesmo tempo, contextual: “As redes facilitam processos muito ambíguos, com coisas que parecem democráticas, como o maior acesso à informação, que coincidem com a perda de confiabilidade por parte de instituições que mediavam o processo de informação – e, nesse espaço, apareceram falsos mediadores”.

Para Pollyana Ferrari, porém, houve de fato uma inversão entre os papéis das mídias tradicionais e das redes sociais, e a percepção de um maior hibridismo seria resultado das “bolhas” em que as pessoas permanecem. Autora do livro Como sair das bolhas, Ferrari também criticou esse efeito das redes sociais. “As pessoas criam uma persona digital que não confere consigo mesmas, e os algoritmos captam isso […]. Considerando que estamos nas mãos de três titãs – Facebook, Google e Amazon –, ficamos em bolhas de consumo de veracidade muito duvidosa”. Spyer, porém, pondera um efeito positivo das redes sociais: “Devido ao acesso às mídias, houve crianças que, pela primeira vez, encontraram um motivo para praticar a leitura e a escrita”.

Quem foram os debatedores

► Juliano Spyer, doutor em Antropologia pela University College London. Ocupa o cargo de Head of Human Insights na www.alexandria.ai. O livro Mídias Sociais no Brasil Emergente é o produto de sua pesquisa de doutorado sobre como as camadas populares entendem e usam as mídias sociais. Veterano da indústria da internet, foi comunicador digital na campanha de Marina Silva em 2010.

► Pollyana Ferrari, escritora e pesquisadora em Comunicação Digital. É professora de hipermídia e narrativas transmídias nos cursos de Comunicação e Multimeios, Jornalismo e na pós-graduação de Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD), todos ligados à PUC-SP. É autora de artigos e livros sobre comunicação, o mais recente deles o estudo Como Sair das Bolhas.

► Francisco Brito Cruz, diretor-geral do InternetLab, centro de pesquisa independente em Direito e Tecnologia, baseado em São Paulo. É doutorando e mestre em Filosofia e Teoria Geral do Direito na Faculdade de Direito da USP e autor de artigos acadêmicos e de opinião sobre políticas de internet, além de especialista no monitoramento de políticas públicas ligadas à tecnologia e estudioso das relações dessas políticas com a democracia.

► Mediador: a mediação do debate foi do jornalista e educador Gabriel Priolli, diretor de Difusão e Mídias do CENPEC. Ex-professor da PUC-SP, FAAP e FIAM, com atuação em quase todos os grandes veículos da mídia impressa e eletrônica brasileira, foi um dos organizadores da Televisão Universitária no país e dirigente de emissoras públicas educativas, como a TV Cultura e a TV Escola.


Fotos: Thiago Luis de Jesus e João Marinho