Educação integral e politecnia no ensino médio

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Educação integral e politecnia no ensino médio

Artigo de José Clovis de Azevedo aborda política educacional desenvolvida no Rio Grande do Sul. Publicado originalmente na plataforma Educação&Participação. Foto de destaque: Wagner Ramos/SEI

Para discutir alguns elementos que constituem diferentes dimensões e entendimentos sobre a concepção de educação integral, utilizaremos neste texto, como referência, a experiência que tivemos com a reforma do ensino médio na rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul, desenvolvida entre 2011 e 2014.

Nesse processo, destaca-se a distinção entre o significado de educação integral e educação em tempo integral. Vamos discutir também a educação integral no âmbito do conceito de politecnia e seus pressupostos. Ou seja, a formação omnilateral; o trabalho como princípio educativo; a interdisciplinaridade; a não separação teoria prática, pensar e fazer, ciência e tecnologia.

O desinteresse da juventude é decorrente de uma política educacional e de um modelo curricular descolado da realidade social, que não dialoga com os contextos culturais e as expectativas da juventude contemporânea.

Diagnóstico da Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (Seduc-RS) apontava um quadro negativo nos resultados do ensino nédio, reproduzindo a situação nacional: altos índices de evasão e repetência, desinteresse dos jovens pelos estudos propostos pelos currículos e um grande número de indivíduos na idade própria para esse nível de ensino fora da escola. Vistos no seu conjunto, ao longo de 35 anos, os dados eram alarmantes. Em 1975, o índice de aprovação foi de 82,21%. Houve uma curva descendente nas décadas seguintes, ficando quase sempre abaixo de 80%, e tendo chegado a 66,1% em 2010.

Segundo Kuenzer (2009), os resultados quantitativos negativos expressam elementos de contradições qualitativas dos currículos. O desinteresse da juventude é decorrente de uma política educacional e de um modelo curricular descolado da realidade social, que não dialoga com os contextos culturais e as expectativas da juventude contemporânea. Os currículos convencionais e as práticas pedagógicas que caracterizam a escola tradicional não alcançam a pluralidade da nossa juventude. Tratados como massa homogênea, “[…] sujeitos sem rosto, sem história, sem origem de classe ou fração de classe” (FRIGOTTO, 2004, p 57).

A formulação de uma política pública demanda a construção de projetos sustentados e consubstanciados em conceitos, quando são mais ou menos explicitados os elementos ontológicos, os valores essenciais considerados e os elementos epistemológicos – ou seja, as atitudes e as formas de relação com a produção do conhecimento. A reforma do Ensino Médio na rede estadual gaúcha experimentou essa construção. Foi necessário acumular discussões que superassem alguns sensos comuns que constituem núcleos conservadores impeditivos a projetos transformadores.

Ao assumir a concepção de educação integral, ficou claro que não há, necessariamente, coincidência entre educação integral e educação em tempo integral, ainda que seja desejável ambas: uma educação integral feita em tempo integral.

Apesar da validade e necessidade de ampliação do tempo escolar, é preciso admitir a possibilidade de colocar em prática uma concepção de educação integral mesmo sem tempo integral.

A confusão entre os dois conceitos pode determinar a prática da educação integral, num paralelismo de atividades sem conexões: em um turno são ministradas as disciplinas de modo tradicional; no outro, atividades culturais e esportivas, sem relação orgânica com os objetivos de aprendizagem nos diferentes campos do conhecimento. Isso pode ocorrer quando não há clareza sobre o que é um currículo organizado com a concepção de educação integral.

Na formulação genérica, não há grandes discordâncias. Contudo, ao aprofundar a discussão, identificamos pressupostos conceituais diferenciados e contraditórios. Nas propostas clivadas pela ideologia liberal, aparece o discurso da formação de cidadãos plenos e autônomos e do direito à educação e à aprendizagem. No entanto, essas promessas não se realizam.

A educação tem se constituído em espaço hierarquizado, com avanços no acesso mas com limites à aquisição do conhecimento para os socialmente mais vulneráveis, com discriminações de campos curriculares, subestimando e desvalorizando áreas de formação humanísticas e de desenvolvimento das dimensões históricas e culturais.

Nessa concepção, estruturou-se o processo dual de uma educação geral qualificada para as elites e outra geral, desqualificada ou de formação profissional elementar para os socialmente desprivilegiados.

Os postulados ideológicos do “novo liberalismo”, que ora vivenciamos, aprofundam essa situação. Nessa doutrina, cidadania significa acesso ao consumo, aptidão para a competição, empreendedorismo e produtivismo. Educação integral, então, seria sinônimo de aquisição de habilidades para a empregabilidade e de formação do “cidadão” cliente. Seria, assim, o ajuste do sistema educacional às necessidades imediatas do mercado e a construção de subjetividades com valores individualistas e privados, em detrimento do comunitário e do público.

A reforma curricular do ensino médio na rede pública do Rio Grande do Sul baseou-se numa concepção de educação integral constituída por elementos ontológicos e epistemológicos opostos aos postulados liberais. Ou seja, a não linearidade entre educação e empregabilidade, a não hierarquização de campos do conhecimento, a não dualidade entre formação geral e profissional e o não paralelismo curricular, com atividades lúdicas, artísticas, esportivas e culturais em um turno e uma educação tradicional, com todos os seus componentes excludentes em outro.

A política educacional da Seduc-RS propôs, em 2011, uma educação integral tendo a politecnia como estruturante: a educação politécnica como possibilidade para uma formação direcionada ao domínio intelectual dos fundamentos científicos que sustentam os processos sociais, técnicos e produtivos.

O conceito de educação politécnica implica em conhecer os nexos e as rupturas entre educação e trabalho. Para Saviani (2007),

… no ponto de partida, a relação entre trabalho e educação é uma relação de identidade. Os homens aprendiam a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la.”

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Crianças trabalhando em fábrica nos Estados Unidos, século XIX. Foto: reprodução

A separação entre educação e trabalho consolida-se na Revolução Industrial, do século XVIII em diante, adquirindo a forma contemporânea. A partir daí, a escola separa-se em duas vias: a preparação específica dos trabalhadores para funções técnicas e a preparação intelectual das classes privilegiadas para formar dirigentes e produzir a ciência que vai alimentar o aprofundamento do trabalho abstrato.

Kuenzer (2007) destaca que a divisão entre trabalho manual e intelectual foi aprofundada e solidificada com a organização científica do trabalho, conforme as concepções taylorista/fordista que hegemonizaram o trabalho fabril no século passado.

A divisão do trabalho aprofundou a separação entre esse e a educação. Operou a cisão entre a atividade intelectual e as atividades humanas laborais (GRAMSCI, 1978). A concepção burguesa de educação separou os homens em dois grandes campos conforme caracteriza Saviani (2007, p. 159): “[…] aquele das profissões manuais para as quais se requeria uma formação prática limitada à execução de tarefas mais ou menos delimitadas, dispensando-se o domínio dos respectivos fundamentos teóricos”, os executores das tarefas específicas determinadas pelo trabalho intelectual. E, de outro lado, a formação para as profissões que movimentam o domínio intelectual do trabalho: “[…] aquele das profissões intelectuais para as quais se requeria o domínio teórico amplo a fim de preparar as elites e os representantes da classe dirigente para atuação nos diferentes setores da sociedade”. (SAVIANI, 2007, p.156).

Essa separação consolidou o chamado sistema dual: uma escola para as elites formarem seus dirigentes, baseada nas ciências e humanidades, e outra de formação profissional para os trabalhadores. Trata-se de ensinar, treinar, adestrar, formar ou educar na função de produção adequada a um determinado projeto de desenvolvimento pensado pelas classes dirigentes. Nessa divisão, ficava bem claro que à educação destinada aos trabalhadores bastava uma formação parcial, especializada, com foco na ocupação, como afirma Kuenzer (2007).

A reforma do ensino médio da rede pública gaúcha teve a intenção de construir práticas pedagógicas que possibilitassem aos educandos a apropriação de fundamentos científicos do trabalho produtivo integrando teoria e prática, pensar e fazer, ciência e tecnologia.

Segundo Frigotto, Ciavatta e Ramos (2010), a ideia de integrar “pressupõe que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho”. Trata-se, portanto de uma formação omnilateral, quando a formação profissional passa pela compreensão do mundo do trabalho, pelas relações do conhecimento com o mundo da produção e da apropriação e distribuição da riqueza produzida.

Nessa perspectiva, a educação integral não fragmenta artificialmente a realidade, mas trata o conhecimento como totalidade, como relação indissociável entre teoria e prática, pensar e fazer, ciência e tecnologia. Ficou claro que não se tratava de ensino voltado para o adestramento e treinamento de habilidades específicas, mas de um projeto curricular em que ensino e pesquisa são articulados em unidade – um currículo com a pretensão e ousadia de explicitar, por meio do ensino e da pesquisa, o domínio teórico e prático sobre os modos de articulação dos saberes com o mundo do trabalho.

Como diz Saviani,

trata-se, agora, de explicitar como o conhecimento (objeto específico do processo de ensino), isto é, como a ciência, potência espiritual, se converte em potência material no processo de produção.”

Saviani (2007)

A pesquisa de iniciação científica, que mobilizou estudantes e sensibilizou professores, contribuiu para demonstrar a relação entre ciência e mundo do trabalho (PISTRAK, 1981), com o aprendizado da transformação dos recursos da natureza material e social em meios de produção da existência.

A reforma curricular da rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul considerou a base legal estabelecida pelo conceito de Educação Básica, cuja formulação garante, no ensino médio, o acesso a uma educação geral consistente, mesmo para a educação profissional.

Com base na politecnia como conceito estruturante, a reforma sustentou-se nos seguintes princípios norteadores: planejamento coletivo; articulação interdisciplinar do trabalho pedagógico entre as grandes áreas do conhecimento (ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e matemática); trabalho como princípio educativo; pesquisa como princípio pedagógico, relacionando os estudos escolares com o mundo do trabalho, buscando desvelar a vida real, vivida pelos estudantes em suas comunidades; e avaliação emancipatória. Essa última, caracterizada por Saul:

O compromisso principal desta avaliação é fazer com que as pessoas direta ou indiretamente envolvidas em uma ação educacional escrevam ‘a sua própria história’ e gerem suas próprias alternativas de ação”.

Saul (1998)

Trata-se de uma avaliação comprometida com a aprendizagem e com o sucesso do aprendiz, em contraposição às avaliações classificatórias e seletivas, reduzidas a resultados.

A reforma enfatizou ainda a qualidade com permanência e aprendizagem e redução da repetência e do abandono. Como um dos pressupostos para a qualidade, houve o aumento do tempo escolar, pois segundo Costa (2008), qualidade implica também “aumentar o tempo dedicado ao aprendizado, melhorar a assiduidade e aumentar o número de horas-aula do nível atual de 3-4 horas para 5-6 horas por dia.” A carga horária do ensino médio aumentou de 2.400 para 3.000 horas. Essa etapa da escolaridade foi organizada em três modalidades: o ensino médio politécnico, não profissionalizante; a educação profissional integrada, profissionalizante; e o normal (magistério).

Taxa de rendimento no Ensino Médio da rede estadual - RS (2005-2014)

A nova estrutura curricular define-se como interdisciplinar, tem a pesquisa como princípio pedagógico e o Seminário Integrado como novo espaço.

Um dos principais objetivos do Seminário Integrado é evidenciar os vínculos do currículo com as novas categorias teóricas propostas e as diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Educação (2012).

Ele constitui-se como espaço e tempo destinado à articulação interdisciplinar e à socialização dos temas desenvolvidos pelos projetos de pesquisa, elaborados com base nas áreas do conhecimento. É o local e o momento em que educador e educando exercitam o aprendizado da pesquisa, aprendem o método e a operacionalização da investigação, elaboram e comunicam os resultados para seus pares.

É o novo espaço curricular onde pesquisa e ensino articulam as ações pedagógicas, colocando os conteúdos programáticos em diálogo com a vida, investigada em suas dimensões reais.

O educando, como protagonista e sujeito na construção do conhecimento, pode, pelo exercício da investigação, começar a forjar, gradativamente, os contornos de um projeto de vida, respeitando o seu direito à formação geral, sem ser forçado a escolhas precoces: construindo sua autonomia intelectual; localizando-se como cidadão; identificando-se com determinados campos do conhecimento; conhecendo o funcionamento de setores da sociedade que lhe despertam interesse; e delineando suas possibilidades profissionais, seja na profissionalização de nível médio ou superior.

A reforma iniciou-se com as turmas do 1o ano em 2012, do 2o ano em 2013 e do 3o ano em 2014. Essa forma gradativa de implantação teve como objetivo acumular progressivamente as novas experiências, com as práticas de cada ano subsidiando as dos anos subsequentes e aprofundando as ações pedagógicas à luz das novas concepções que orientaram as mudanças.

Segundo a Seduc (2011), o objetivo foi ter como base a realidade dos alunos, abrindo caminhos e construindo trajetórias para a inserção social e profissional da juventude nessa fase difícil:

No último degrau da Educação Básica, os dilemas que marcam a transição para outro patamar do ciclo da vida ficam mais evidentes.”

Sposito e Galvão, 2004

O desafio é responder aos dilemas da juventude ao final da educação básica. A nova concepção curricular buscou superar o modelo pedagógico, a organização curricular e as bases epistemológicas que orientam as práticas tradicionais. Segundo Barbosa (2009), há concepções e práticas que não dialogam com o universo social e cultural vivido pela juventude e, muito menos, com os avanços científicos e tecnológicos do nosso tempo (KUENZER, 2007).

Os fundamentos epistemológicos predominantes como pressupostos das práticas pedagógicas ainda são, em grande parte, condicionados pelos princípios positivistas e mecanicistas, reforçados pela cópia da organização escolar do modelo taylorista-fordista de organização do trabalho (AZEVEDO, 2007). Tais pressupostos legitimam um currículo engessado, fragmentado, com programas de conteúdos sem conexões com o mundo real.

Na sua fase inicial, essa reforma viveu momentos de conflitos e tensões. Todos os estudos realizados a partir de 2012, porém, revelam avanços. Em 2014, havia 38 trabalhos acadêmicos publicados que analisaram o processo (RIBEIRO, 2016). Uma das marcas da experiência foi o trabalho intenso de formação continuada em serviço oportunizada aos professores, em estreita colaboração com as universidades (SEDUC-RS, 2014). Esse passo significativo de cooperação entre rede de ensino e universidades foi facilitado pela política do governo federal, concretizada no Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (BRASIL, 2013).

O quadro contraditório de dificuldades e avanços é detectado pelas pesquisas de Alves (2014) e Ribeiro (2016). Ambos destacam a resistência de parte dos educadores, das adversidades estruturais das escolas, das alegações de falta de discussão e da alegada imposição do projeto por parte do governo. Mas esses estudos também destacam os pontos em que o processo produziu novos comportamentos e práticas que ampliaram o protagonismo da juventude nas ações pedagógicas. Segundo Alves,

… um dos pressupostos da proposta, a autonomia dos estudantes, foi algo possível de observação, que se efetivou.” O Seminário Integrado tornou-se um espaço importante de diálogo com o interesse de aprendizagem dos estudantes.”

Alves (2014)

Embora não superando todos os marcos do pensamento acrítico, do senso comum e da associação linear da educação com o mercado, desencadeou-se um processo de reflexão e autonomia entre os educandos. A iniciação à pesquisa como inerente ao ensino é indicador de um novo paradigma, ainda que incipiente. As pesquisas referenciadas acima ainda destacam a ressignificação dos conteúdos, tornando-os mais próximos e estabelecendo seus vínculos com a realidade vivida pelos estudantes, sujeitos reais das aprendizagens.

Esse foi um aprendizado de parte dos professores, sobretudo os mais envolvidos com o Seminário Integrado. Ainda que não tivessem o aprendizado da pesquisa em sua formação inicial, muitos aceitaram o desafio e se apropriaram das metodologias de pesquisa nas formações continuadas.

O protagonismo dos educandos corresponde também a um protagonismo dos educadores que, gradativamente, ultrapassam a posição de meros transmissores de informações ou reprodutores de livros didáticos para se tornar pesquisadores e orientadores de pesquisa.

Outros elementos importantes foram destacados na pesquisa. Alves (2014) conclui que a proposta do Ensino Médio Politécnico implantado no Rio Grande do Sul “está à frente do seu tempo […]. Por isso causa tantas resistências no contexto da prática”. A escola tradicional tem outros paradigmas, outra cultura. O fazer cotidiano da escola mecanicista e tecnicista tem referências práticas arraigadas e de difícil superação. Mudar implica construir uma nova identidade epistemológica, refazer seus fundamentos paradigmáticos, pois a escola “não está preparada para romper com os paradigmas tradicionais de seleção dos melhores em detrimento dos mais fracos”.

A investigação aponta como síntese dos pontos positivos que se desenvolveram no contexto das práticas da escola:

  • a introdução da pesquisa como prática pedagógica e da pesquisa de iniciação científica como parte do currículo e integrada ao ensino;
  • o movimento provocado pela intensidade da formação de professores, abrindo espaço para as discussões pedagógicas; e
  • a omnilateralidade, o aumento da compreensão e da preocupação com a formação integral dos educandos.

A reforma constitui-se num esforço para dar consequência a uma política de superação da formação unilateral (Gramsci, 2001), valorizando os contextos juvenis, com o protagonismo possibilitado pela introdução da pesquisa no currículo e a criação do Seminário Integrado.

Os resultados da pesquisa de Ribeiro (2016) localizam as seguintes críticas ao processo:

  • discussão insuficiente no processo de implantação;
  • oposição, ou não compreensão do conceito de politecnia; e
  • resistência à concepção de avaliação emancipatória.

Contudo, esse mesmo estudo destaca também importantes avanços. Entre eles:

  • o caráter social da proposta, que procura dialogar com a massa de jovens que frequentam o Ensino Médio;
  • a mobilização para a formação continuada e em serviço dos educadores;
  • a melhoria dos índices de rendimento escolar, com a diminuição do abandono e da reprovação (leia tabela abaixo); e
  • o sucesso do trabalho, em várias escolas pesquisadas, sem priorizar a visão de mercado, mas enfatizando a formação ética e crítica em relação ao mundo do trabalho.

A pesquisa destaca que, entre os segundos semestres de 2013 e de 2014, houve um aumento na adesão à proposta. Isso se deu pelo avanço no processo de formação em serviço e nos debates mais intensos e aprofundados, melhorando a compreensão e a percepção da iniciativa. Segundo Ribeiro (2016) quase a totalidade das mais de mil escolas que oferecem essa etapa participaram do ensino médio inovador e aderiram ao Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, programas do MEC. O estudo aponta também dados significativos. Do total de escolas envolvidas:

  • 81% utilizam a pesquisa na construção do conhecimento;
  • 82% adotam práticas interdisciplinares com projetos de pesquisa; e
  • 57% fazem saídas de campo para realizar pesquisas.

Apesar de a política educacional da Seduc-RS questionar as avaliações externas centradas em resultados, prestando-se para os rankings e as comparações artificiais feitas pela mídia, a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul melhorou seus resultados nessas avaliações (SEDUC, 2014):

  • no Índice de Desenvolvimento Educacional Brasileiro (Ideb) ocupava o 11º lugar em 2011 e em 2013 passou para a 2ª colocação entre as redes públicas do Brasil;
  • os alunos do Ensino Médio da rede pública gaúcha obtiveram o primeiro lugar na proficiência de matemática e o 2º na de língua portuguesa;
  • no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), ficou em 2º lugar na proficiência; e
  • 74% das escolas públicas do estado ficaram acima da média nacional, sendo a melhor posição entre todas as redes.

Esses resultados podem ser lidos como expressão das alterações qualitativas operadas na rede pública. Porém, o mais significativo foi a queda crescente do abandono no período (Seduc-RS, 2014).

A mudança de concepção e o movimento de formação alteraram as práticas e recriaram ações pedagógicas, melhorando a aprendizagem e a permanência dos educandos do ensino médio. A tendência histórica, marcada pela curva de resultados descendentes, foi interrompida e tomou um rumo ascendente.

Sem desconhecer limites e contradições, tal reforma evidenciou as possibilidades para mudar o ensino médio, colocando-o em sintonia com as revoluções científica e tecnológica do nosso tempo.

Os primeiros resultados apontam a existência de um processo de diálogo com a realidade juvenil, buscando o seu protagonismo, respondendo às suas necessidades, contribuindo para seus projetos de vida, reduzindo e questionando as práticas pedagógicas que fazem da escola mais um espaço de exclusão pela reprovação e abandono, como tem sido o ensino médio desde os anos 1970.

A gestão atual da Seduc-RS (2015-2018) está sendo dirigida por um representante da Federação da Indústria do Rio Grande do Sul (Fiergs). Está comprometida com os esforços de instrumentalizar a escola pública com os princípios e práticas exigidas pelos mercados, bem articulados com as mudanças no ensino médio implantadas pelo governo federal. Trata-se de compatibilizar a formação juvenil com os elementos ontológicos e epistemológicos que orientam os valores e as aprendizagens necessários à flexibilização e a precarização do trabalho (KUENZER, 2017), conforme as demandas e exigências da fase atual da reprodução do capital. Nessa concepção, não cabe a politecnia, a formação integral e a integração educação geral e profissional, o que está determinando a interrupção do processo de reforma iniciado em 2011.

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José Clovis de Azevedo
José Clovis de Azevedo

Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor e pesquisador do Centro Universitário Metodista IPA e docente do Programa de Mestrado em Reabilitação e Inclusão. Foi secretário de estado da Educação do Rio Grande do Sul de 2011 a 2014.