Mitos e lendas no ensino de ciências

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Mitos e lendas no ensino de ciências

Autora da oficina: Carla Wanessa A. Caffagni, professora de Ciências e doutora em Educação pela USP. Conteúdo publicado originalmente na Plataforma do Letramento

O que é?

Proposta transdisciplinar no currículo de ciências, explorando o diálogo com literatura, identidade e diversidade cultural.

Material

• Livros sobre lendas e mitos do Brasil e do mundo.
• Mapas políticos.
• Vídeos, documentários e filmes.
• Computadores com acesso à internet ou livros para pesquisa sobre os locais de origem das lendas e mitos a ser trabalhados.
• Livro de ciências como suporte didático de conteúdo específico.
• Lápis de cor, canetinhas, pincéis, tintas…
• Retalhos, agulha e linha (para a produção de colcha de retalhos da avaliação).

Finalidade

• Trabalhar conteúdos de ciências de forma transdisciplinar, contemplando nas aulas questões sobre identidade, cultura, tradição e literatura.
• Conhecer um pouco da cultura do Brasil e do mundo, por meio da leitura de lendas e mitos de diversos povos e tradições.
• Relacionar mitos e lendas ao seu local de origem, por meio do estudo das características socioambientais destes locais.
• Desenvolver alternativas de trabalho no ensino de ciências.

Expectativa

Promover diálogos entre o pensamento científico e outras formas de compreensão e explicação da natureza, contemplando a identidade e a diversidade cultural.

Público

Alunos do Ensino Fundamental II. 

Espaço

Sala de aula, de leitura ou de computação

Duração

1 encontro semanal durante 1 trimestre

Início de conversa

Vivemos uma mudança de paradigma na educação. Novos pensadores da área propõem que busquemos formas de trabalho descoladas dos objetivos conteudistas e que se dê prioridade à formação integral do aluno, possibilitando a discussão e a reflexão sobre valores, sentimentos e a busca pela conciliação entre o que se aprende na escola e o que se vive.

Mas como fazer isso de forma a contemplar os conteúdos presentes no currículo e ainda desenvolver uma prática transversal dentro da organização disciplinar da escola?

A proposta a seguir é orientada para o trabalho com alunos do Ensino Fundamental II, na área de ciências, mas pode ser adaptado a turmas de Ensino Fundamental I, de acordo com a abordagem do professor.

Na prática

Sugestão de encaminhamento

A ideia inicial é que possamos trabalhar com os alunos a origem do conhecimento e com base nisso suscitar reflexões sobre a produção do conhecimento popular e tradicional e, posteriormente, do conhecimento científico.

Há vários títulos que refletem a diversidade cultural presente em nosso país.

Primeiro, propõe-se que se discuta com a turma a importância dos mitos e das lendas entre os povos antigos, na busca de explicações sobre a origem do mundo, a organização dessas sociedades, valores sociais, éticos e filosóficos.

Num segundo momento, sugere-se que os estudantes tragam livros sobre histórias e lendas de diversas regiões do mundo. Geralmente, as bibliotecas escolares possuem muitos exemplares de livros com estes temas.

Sugerimos que organize grupos de 3 ou 4 alunos. Distribua os livros entre os grupos e peça que cada estudante consulte a obra com calma e escolha uma narrativa para contar para a turma.

Oriente-os que leiam o conto e façam um desenho com base nessa leitura. O desenho será a ilustração da história que cada um vai narrar para os colegas em uma roda de contação. Combine com eles um tempo adequado para que preparem a apresentação e marque a data do evento.

Em tempos antigos, homens e mulheres sentavam-se ao redor do fogo para contar suas façanhas diárias: a luta contra um animal feroz, o susto de encontrar um ser da floresta. Narrar o ocorrido gerava a certeza de um pertencimento ao universo em que se vivia. Naquele momento, todos compreendiam que o universo – contemplado nas noites sem lua – era uma infinita teia.”

Clique aqui para ler o artigo de Daniel Munduruku na Carta Educação. Acesso em: abr. 2019.

Roda de estórias
No dia do evento, prepare o espaço com a turma de forma a torná-lo bem bonito e aconchegante. Se possível, traga ou peça para os estudantes trazerem almofadas, tecidos coloridos e objetos relacionados ao universo das narrativas, além dos desenhos criados pelos alunos.

Você pode selecionar músicas instrumentais que tenham relação com as histórias a serem apresentadas ou trazer alguns instrumentos de percussão (tambores, chocalhos, maracas, reco-recos etc.) para criar o ambiente sonoro.

Depois de ouvirem todas as narrativas, peça que os alunos escolham uma entre todas as contadas. A escolha deve ser feita com base no encantamento e na empatia que despertou na turma. É importante que o professor evite interferências nesse momento, para que os alunos se sintam à vontade na escolha.

Depois disso, parte-se para a pesquisa sobre o local de origem dessa narrativa. Sugerimos uma pesquisa simples em que os alunos buscam levantar informações sobre geografia, ambiente, cultura, história etc. do local. O professor pode complementar trazendo materiais como mapas, vídeos, textos que contribuam para esse estudo.

Ao final dessa pesquisa, o professor deve selecionar o conteúdo de ciências que pretende trabalhar, buscando contextualizar o conteúdo específico da área ao local estudado pelos alunos.

A mulher negra, de Albert Eckhout, 1641. Wikipedia.

Um exemplo prático: na escolha de uma lenda de origem do povo banto, pode-se pesquisar sobre o local onde vive essa população, sua história, cultura e sua relação com o ambiente. Com base nisso, o professor pode trabalhar conteúdos como: caracterização de ecossistemas; importância dos rios para uma comunidade tradicional; e até a relação deste povo com os astros, relacionando com o estudo da astronomia. As questões culturais vão aparecendo naturalmente e os alunos conseguem visualizar como a estrutura social, política e econômica de um povo está diretamente ligada à forma como esse povo se relaciona ao lugar em que vive e como as características deste lugar influenciam na cultura dessa população.

É importante frisar que a leitura de mitos e lendas traz para sala de aula a possibilidade de um olhar mais humanitário sobre o conhecimento. Esse tipo de literatura costuma contemplar aspectos do comportamento humano e é preciso que o professor também abra espaço para esse tipo de discussão. Essa abordagem pode, inclusive, permear aspectos históricos de um povo, como violência e domínio sociocultural.

Avaliação
Sugerimos que a avaliação seja processual e se considere o interesse, a participação, a produção textual e imagética. Uma proposta é a confecção de uma colcha de retalhos formada por quadros pintados em tecido com imagens que representem os textos lidos em consonância com a compreensão do universo onde a narrativa foi originada.

O professor pode trabalhar uma narrativa por trimestre, e ao final os estudantes, organizados em grupos de 3 ou 4, produzem um quadro. Ao longo do ano, a turma vai costurando os quadros uns aos outros para formar a colcha de retalhos.

Além dessa produção, pode-se pedir que os alunos elaborem seminários ou apresentações sobre aspectos específicos ligados aos conteúdos de ciências ou ainda a tradições culturais do povo estudado, de acordo com o que o professor pretende priorizar em seu curso.

Outra sugestão é avaliação do caderno, em que o professor pode acompanhar a produção diária dos registros feitos em sala.

Mais sobre o tema
Livros
ANDERSEN, Hans Christian. Andersen e suas histórias. Adaptação Regina Drummond. Ilustr. André Neves. São Paulo: Ave-Maria, 2005.
______. O rouxinol e o imperador da China. Tradução e adaptação Cecília R. Lopes. Ilustr. Cláudia Scatamacchia. São Paulo: Global, 2005. (Clássicos Universais.)
BAG, Mario. 13 lendas brasileiras. Ilustr. Mário Bag. São Paulo: Paulinas, 2005. (Mito & magia.)
BAGNO, Marcos. A lenda do Muri-Keko. Ilustr. Alê Abreu. São Paulo: SM, 2005. (Barco a Vapor.)
BRENMAN, Ilan. As narrativas preferidas de um contador de histórias. Ilustr. Fernando Vilela. São Paulo: Landy, 2005.
HIRATSUKA, Lucia. Histórias tecidas em seda. São Paulo: Cortez, 2008.
LIMA, Maurício; BARRETO, Antônio. O jogo da onça e outras brincadeiras indígenas. Ilus. Dedé e Leleu. São Paulo: Panda Books, 2005.
MARTINS, Adilson. Lendas de Exu. Ilustr. do autor. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.
MUNDURUKU, Daniel. Histórias que eu li e gosto de contar. São Paulo: Callis, 2004.
SILVA, Conceil Correa da. A colcha de retalhos. São Paulo. Ed. do Brasil, 2010.

Animações e documentário
Kiriku e a Feiticeira. Direção: Michel Ocelot. Ano de lançamento (França/Bélgica): 1998 (trailer).

A viagem de Chihiro. Direção: Hayao Miyazaki. Ano de lançamento (Japão): 2001 (trailer).

O povo brasileiro. Direção: Isa Grinspum Ferraz. Ano de lançamento (Brasil): 2000. 

Materiais na rede
Carta Educação: Mitos indígenas para crianças.
Cia Contacausos: pesquisa e contação de histórias oriundas da cultura oral brasileira.
Museu Afro Brasil: memória, história e arte brasileira e a afro-brasileira.
ProgDoc/Museu do Índio: Programa de documentação de línguas e culturas indígenas.