Inclusão de adolescentes e jovens no ensino médio

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Inclusão de adolescentes e jovens no ensino médio

Reportagem da Plataforma Educação&Participação (Cenpec/Itaú Social) apresenta debates do Seminário Internacional sobre Inclusão de Adolescentes e Jovens no Ensino Médio em 2016

Diversidade: qualidade daquilo que é diferente, variado, múltiplo. Foi justamente a multiplicidade de questões, representatividades, vozes e, principalmente, propostas e desafios que esteve presente no Seminário Internacional sobre Inclusão de Adolescentes e Jovens no Ensino Médio, ocorrido durante os dias 27 e 28 de abril de 2016, em Belo Horizonte (MG). Saiba como foi esse encontro.


O ensino médio faz sentido para os estudantes?

Em todo o país, existem 1,6 milhão de adolescentes e jovens, de 15 a 17 anos, fora da escola. Os números, divulgados em março deste ano pelo Ministério da Educação, referem-se ao Censo Escolar de 2015 e mostram que o ensino médio concentra os piores indicadores de educação.

Os dados revelam que as matrículas nessa etapa têm caído ano a ano. Entre 2015 e 2014, houve uma redução de 2,7%, chegando aos 8,1 milhões de alunos. No período anterior (2013-2014), a queda foi de 0,2% entre um ano e outro. Essa etapa de ensino também possui as menores taxas de aprovação da Educação Básica, com média de 80,3% (essa taxa, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, é de 92,7% e, para os anos finais, 84,8%). Além disso, pertence ao ensino médio a maior distorção idade-série: 31,4% dos estudantes não têm a idade adequada à etapa, que é 15 anos.

“Estamos aqui manifestando nossos direitos, lutando por uma melhoria da educação, com liberdade de expressão e democracia” (estudante José Otávio de Azevedo)

Diante deste contexto e para garantir os direitos dos adolescentes e jovens brasileiros, mais de 4.500 jovens de diferentes regiões e representando uma diversidade de causas sociais – como a questão racial e étnica, de gênero, LGBT, além de especialistas, gestores, educadores e técnicos da educação no Seminário Internacional sobre Inclusão de Adolescentes e Jovens no Ensino Médio durante os dias 27 e 28 de abril, em Belo Horizonte (MG), para dialogar, aprofundar e realizar um intercâmbio de experiência e análise das políticas voltadas ao tema.

Promovido pela Secretaria de Educação de Minas Gerais, pela Fundação Itaú Social, pelo Unicef e pelo Cenpec, o seminário trouxe à tona o fato de a escola contemporânea não fazer muito sentido aos diversos contextos vividos por adolescentes e jovens, e debateu sobre demandas de como agregar temas relacionados a gênero, transexualidade, etnia, raça, acessibilidade e democracia.

“Se a gente vai discutir juventude, é preciso que o jovem esteja junto. Se a gente vai trabalhar com uma política pública para a juventude, temos que trazê-los para discutir conosco. Nós não podemos definir a vida de quem está hoje neste país querendo participar”, explica Ângela Dannemman, superintendente da Fundação Itaú Social.

“Estamos aqui manifestando nossos direitos, lutando por uma melhoria, liberdade de expressão, democracia. Nós lutamos pela sobrevivência, somos e continuaremos sendo a parcela dessa sociedade que vai lutar por liberdade, educação e democracia dentro da escola”, disse o estudante José Otávio de Azevedo.

Para Mário Volpi, do Unicef, um dos principais desafios para romper com a evasão do ensino médio é fazer com que a escola tenha sentido para o jovem. “Não combina com o Brasil que somos e queremos ser ter somente 60% de adolescentes de 15 a 17 anos no ensino médio. Alguma coisa falhou no País e temos que rever isso. Não podemos aceitar que 40% fiquem na cultura de repetência ou estejam fora da escola. É muita energia jogada fora. Nós precisamos quebrar esse distanciamento entre o que a escola é, o que ela faz e o que os adolescentes esperam”, explica.

De acordo com a coordenadora técnica do Cenpec, Maria Amábile Mansutti, a educação integral mostra um caminho para essa aproximação entre os estudantes e a escola. “Estamos tratando de um dos temas mais agudos e polêmicos da educação no País, que é a inclusão de adolescentes e jovens no ensino médio. Apesar de termos 10 milhões de jovens na escola, perdemos 1,4 milhão de matrículas. Uma possibilidade para mudar esse contexto é investir na educação integral, reunindo elementos importantes das forças do território, como o trabalho em uma perspectiva de política intersetorial, promovendo parcerias com universidades e centros de formação”, afirma.

Macaé Maria Evaristo dos Santos, secretária de Educação de Minas Gerais, também aposta na educação integral como estratégia de inclusão de adolescentes e jovens no ensino médio. “Para construir uma educação de qualidade, temos que criar políticas baseadas não só na questão regional, mas nos sujeitos, professores, estudantes, saberes, territórios. Temos que pensar no território educativo, não podemos ficar de costas para a realidade desse sujeito. É importante a gente pensar em uma lógica de território, na tentativa de construir a ideia de territórios educadores sustentáveis, começando a pensar no lugar onde nós estamos, quais as suas potencialidades educativas”, esclarece.

“Metade dos jovens da América Latina está fora da escola. Muitos atrelam a evasão à pobreza, ao fato de esses estudantes não terem condições financeiras para estudar. Porém a questão é mais complexa. A principal razão para a evasão é porque eles não encontram sentido na educação” (Rosa-María Torres del Castillo, ex-ministra da Educação do Equador)

A distância entre a escola e os sujeitos do território também foi apontada por Rosa-María Torres del Castillo, ex-ministra da Educação do Equador, como um dos fatores de exclusão dos adolescentes e jovens. Para ela, que participou do encontro para fazer uma reflexão sobre a questão no âmbito latino-americano, a escola não satisfaz o que esses estudantes querem e precisam aprender.

“Metade dos jovens da América Latina está fora da escola. Muitos atrelam a evasão à pobreza, ao fato de esses estudantes não terem condições financeiras para estudar. Porém a questão é mais complexa. A principal razão para a evasão é porque eles não encontram sentido na educação. Isso implica uma discussão profunda no sistema escolar: para que o jovem está no sistema escolar? Para que aprende? Qual o valor disso? O sistema escolar passa conhecimento como se fosse informação, mas o conhecimento precisa de processamento e de tempo”, argumenta.

Educação integral e Juventude
Uma das iniciativas que contribuiu para a realização do seminário foi o Programa Jovens Urbanos. Criado em 2004, o Programa busca promover, na perspectiva da educação integral, a ampliação do repertório sociocultural de jovens que vivem em territórios urbanos vulneráveis.

Em Minas Gerais, o Programa faz parceria com a Secretaria do Estado da Educação para contribuir na construção de uma nova proposta para o ensino médio do Estado. Saiba mais sobre o programa, clique aqui.

Encontro Nacional de Redes de Adolescentes e Jovens – Previamente à realização do seminário, jovens representando diferentes regiões e movimentos do Brasil se reuniram para debater e trazer questões e propostas ao seminário. Transexualidade, raça, acessibilidade e democracia na educação foram alguns dos temas.


RAIO X DA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS

Não foi à toa que o seminário foi realizado em Minas Gerais. De acordo com especialistas, o Estado, por sua localização geográfica e constituição histórica, apresenta uma diversidade de realidades que acabam por traduzir os diferentes contextos brasileiros. Nesse sentido, conheça alguns números sociodemográficos e educacionais do Estado:

  • 853 municípios;
  • 47 superintendências regionais de ensino;
  • 20 milhões de habitantes;
  • mais de 2,8 milhões de habitantes rurais;
  • 3.654 unidades escolares, das quais mais de 300 são rurais;
  • 15% dos jovens de 15 a 17 anos fora da escola;
  • 38% dos jovens de 15 a 17 anos no Ensino Fundamental;
  • acesso desigual para pretos, pardos, indígenas, quilombolas, do campo e de periferias;
  • decréscimo de 200 mil matrículas no ensino médio entre 2011 e 2014

(Dados apresentados pela secretária de Educação do Estado, Macaé Evaristo)


Vozes dos jovens

Ana Flavia – 18 anos – Juiz de Fora (MG)

“Eu montei o coletivo de mulheres IFeministas, voltado para as discussões do Ensino Médio.

Quero reivindicar creches nas escolas, para que tanto as mães que estudam no Ensino Médio como as do Ensino Superior possam deixar suas crianças na escola enquanto estudam.

As escolas não estão preparadas para receber as mães: às vezes precisamos levar nossas crianças para a escola e os professores não aceitam. Não quero deixar de ir para a escola por ser mãe.”

Diego Nascimento – 15 anos – Salvador (BA)

“Eu sou um homem trans, represento aqui o Ibrat, que é o Instituto Brasileiro de Transmasculinidades. Além de trans, eu também sou bissexual e atuo nessas duas frentes, além de dialogar com o movimento feminista e atuar com o movimento negro. Trago para cá o acúmulo de violências que a gente passa, que vai desde o respeito pelo nome social. A gente não traz a teoria, a gente traz a prática das vivências LGBTs dentro do sistema educacional, dentro do Ensino Médio.

A partir disso, queremos construir um Ensino Médio que lide melhor com a diversidade, tanto de gênero, quanto a sexual, de etnia, de raça para que a gente consiga ter uma educação realmente inclusiva a todos.”

João Paulo – João Câmara (RN)

“A gente veio com o intuito de mostrar os problemas dos indígenas com relação ao ensino médio e, mais do que isso, propor soluções.
A escola ideal, para mim, é a escola de tempo integral: uma escola em que eu chegue de manhã e saia de noite; em que eu pratique esporte; em que eu conheça a cultura do índio, do negro, do LGBT; em que eu conheça o movimento social; em que eu conheça a política pública dentro da escola; em que eu me torne sujeito de minha própria realidade, e não um mero coadjuvante.”

Seratã Patachó – Porto Seguro (BA)

“Represento o povo Patachó. Nesse evento, o meu foco foi pensar em melhorias para o meu povo. Acredito que deveria haver pessoas da nossa própria comunidade para dar aula para a gente. A nossa visão é outra, não é a mesma daqueles que moram na cidade. Hoje tem universidades que formam indígenas para trabalhar em suas próprias comunidades, e isso é muito importante. Na minha comunidade só há uma professora, e ela não é da comunidade, é de fora, e não conhece a nossa cultura, não fala a nossa língua.”

Leiliane Lins – 17 anos – Pernambuco

“Os maiores problemas que enfrentamos são relacionados aos professores: há aqueles que apoiam, que têm uma linguagem direta com aluno e existem aqueles que impõem as regras, os moralistas, que se fixam na hierarquia. Esse é o nosso maior desafio, essa conexão entre aluno e professor.
A escola que a gente quer precisa ter os seguintes elementos: gestão democrática, ensino para além do médio, que dê a oportunidade de o aluno se encontrar além de suas fronteiras, e que garanta uma infraestutura, com acesso à tecnologia, água, banheiro etc.”

José Otávio de Azevedo – 18 anos – Macapá (AP)

“Eu vim representando o coletivo Enegrecer, que está construindo uma rede de adolescentes de negros e negras que busca ampliar a discussão do Ensino Fundamental e Médio em relação às questões de raça.
Acredito que para termos educação, temos que discutir o que é educação. Para mim, ela envolve uma política participativa, de inclusão, de aceitação. Isso significa constituir uma democracia, formada pelo educador e pelo jovem.”

John John – Interior da Bahia

“Vejo aqui a tentativa de encurtar a distância entre jovens, adolescentes e adultos. Uma das pautas que apareceu em vários momentos do encontro foi a evasão escolar. Por ser homem trans e gay, já pensei em me evadir da escola por causa do desrespeito.
Pelo menos, nesse encontro, os professores, as autoridades estão entendendo que é preciso ter um espaço de diversidade: aqui tem homem trans gay, tem pessoas trans não binárias, tem travesti. Este seminário abrange uma gama de diversidade. Isso já é um passo para construirmos uma escola inclusiva, que respeite a cultura dos outros.”

Iana – Brasília (DF)

“Eu acho importante trazer mais os jovens que não participam, ou que participam e não têm espaço de fala, para este evento.
Durante as discussões, percebe-se uma grande interseccionalidade entre diversas vulnerabilidades e, mais importante do que isso, vê-se que os jovens sabem e querem pautar suas questões. São jovens que carregam em seu corpo as opressões e exigem políticas públicas para a garantia de seus direitos.”

Saiba o que se passou durante os dois dias de encontro. Assista ao vídeo:

Oficinas: reflexões sobre as pautas juvenis

Para aprofundar os diversos temas que permeiam a inclusão de adolescentes e jovens no ensino médio, o seminário contou com a realização de sete oficinas: Oficina 1 – O desafio de apoiar os adolescentes retidos no Ensino Fundamental; Oficina 2 – Esporte, cultura e lazer como dinâmicas e linguagens que promovem a inclusão escolar; Oficina 3 – Estratégias Multissetorias a partir de políticas de assistência social, saúde, educação e trabalho; Oficina 4 –Educação integral e juventude; Oficina 5 – Juventudes urbanas: a cidade como espaço educativo; Oficina 6 – A educação em territórios específicos: educação do campo, educação quilombola, educação indígena, e diversidade; e Oficina 7 – Tecnologias da informação e comunicação.

Entre as principais reflexões surgidas nesse espaço, estão:

1. A reivindicação dos jovens para que nos próximos encontros eles se vejam representados nas mesas temáticas;

2. A necessidade de criar processos em que o aluno esteja presente na governança das escolas;

3. A promoção de um trabalho intersetorial, com a configuração de redes e uma pactuação efetiva entre os atores;

4. Um investimento nas singularidades do território, reconhecendo-o como um espaço de formação, de educação;

5. A necessidade de olhar para os diferentes contextos da juventude, com uma oferta mais flexível de atividades para o jovem, com a possibilidade de escolhas e diferentes percursos formativos;

6. A promoção de um diálogo intergeracional e a participação de alunos, pais e professores na construção das políticas e ações educativas;

7. Melhoria de infraestrutura para possibilitar maior acesso às pessoas com deficiência e melhoria na formação dos profissionais da educação para a compreensão das diversidades;

8. A promoção do trabalho intersetorial que estabeleça um maior diálogo entre os estudos e o trabalho;

9. A necessidade de a escola dialogar com o território e buscar novos formatos que atendam melhor à realidade dos jovens;

10. A importância de pensar em uma educação que atenda às especificidades das áreas rurais, das comunidades indígenas;

11. A promoção do uso de tecnologias em prol da educação.

De jovem para jovem

Além de participar das reflexões e da construção de propostas que promovam a inclusão de adolescentes e jovens no ensino médio, os jovens também estiveram presentes no seminário para fazer a cobertura do encontro.

Os participantes da Associação Imagem Comunitária (AIC), organização vencedora regional do Prêmio Itaú-Unicef em 2005, foi ao encontro para ouvir a opinião dos adolescentes, jovens e outros participantes, dando destaque às suas vozes. Veja o resultado:

Galeria de imagens do seminário

Transmissão do seminário

Assista aos vídeos das palestras que aconteceram durante os dois dias de encontro:


Créditos

REPORTAGEMThais Iervolino
CAPTAÇÃO DE IMAGENSVanessa Nicolav
EDIÇÃO DE VÍDEOVanessa Nicolav
FOTOSThais Iervolino e Vanessa Nicolav
ARTESuélio Silva e Thiago Luis de Jesus
COBERTURA DAS REDES SOCIAISJoão Marinho
COORDENAÇÃO DA PLATAFORMAMarcia Coutinho R. Jimenez