A voz dos jovens mineiros na escrita de seu território
Textos de participantes da Olimpíada de Língua Portuguesa moradores de Brumadinho e Mariana apresentavam alertas sobre a possibilidade de rompimento de barragens
O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse Mais leve a carga. Carlos Drummond de Andrade
A estrofe acima, que abre o poema intitulado “Lira itabirana”, publicado num jornal local em 1984, mostra a preocupação do grande poeta mineiro com a mineração predatória em sua terra natal, muito antes das duas grandes tragédias que assolaram a região recentemente.
Décadas depois, jovens moradores de Brumadinho e Mariana, participantes das edições de 2012 a 2016 da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, alertavam, em artigos de opinião escritos para o concurso, sobre o mesmo risco iminente.
Foi o que constatou Raquel Coelho, pesquisadora da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, que está analisando quase 15 mil artigos de opinião participantes da Olimpíada de Língua Portuguesa. “Meu objetivo inicial é tentar identificar os temas abordados pelos participantes para entender se existe alguma relação entre o local de onde escrevem (região, estado, zonas urbana e rural) e o tema sobre o qual escrevem”, conta a pesquisadora ao portal Escrevendo o Futuro.
O rompimento das barragens da empresa Vale em Mariana, ocorrido em novembro de 2015, e em Brumadinho, em janeiro de 2019, chocou o Brasil e o mundo. As tragédias causaram muitas mortes e a devastação ambiental nesses locais. Até agora, foram identificados 246 mortos e 23 pessoas ainda estão desaparecidas. Hoje, 4 de julho, foi encontrado mais um corpo em local atingido pela lama tóxica. Entre os danos ambientais mais graves, está a contaminação dos rios Doce e Paraopeba por metais pesados presentes nos rejeitos dos vazamentos.
A paisagem natural de Brumadinho, embora seja contemplada com uma rica fauna e flora, vive hoje um grave problema envolvendo a mineração, pois como relatei anteriormente o minério está muito presente no município e foi importante no desenvolvimento econômico e até mesmo, embora contraditoriamente, no processo cultural de Brumadinho.”
O trecho acima pertence a um dos artigos de opinião identificados por Raquel. Ele foi escrito em 2014, mais de 4 anos antes da tragédia naquele local.
Maria Aparecida Laginestra, coordenadora da Olimpíada de Língua Portuguesa, destaca a capacidade de refletir, desenvolver um posicionamento crítico e contemplar diferentes opiniões acerca de um tema demonstrada pelos autores dos textos em questão.
Ao escreverem um artigo de opinião, os jovens do Ensino Médio inscritos na Olimpíada são desafiados a argumentar sobre diferentes pontos críticos que afetam o cotidiano de seu território.
Em suas escritas, estudantes de todo o país, com o olhar aguçado e a escuta apurada, vão além da denúncia de uma questão polêmica: eles fundamentam sua argumentação e contra-argumentação, dialogando com diferentes pontos de vista sobre o assunto em foco.”
Maria Aparecida Laginestra
A educadora ressalta a importância de que as vozes desses jovens, expressas por meio de seus textos, encontrem espaços de repercussão e diálogo.
Essas tragédias humanas e ambientais nos fazem refletir sobre a urgência de publicarmos a escrita desses jovens em diferentes mídias, ampliar o espaço de participação social da juventude para que suas vozes ecoem nas escolas, pelos municípios, estados e nas mais distantes regiões do país.”