Educação integral e território

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Educação integral e território

Como desenvolver a educação integral levando em conta as potencialidades e desafios do território?

Embora haja diversas definições de território, quando abordamos o conceito, trazemos no imaginário comum a ideia de um espaço geográfico físico, apropriado pelas relações humanas. Mais do que terra e limite, o território surge como um importante elemento no processo de efetivação de políticas e ações da educação integral: é nele que os sujeitos vivem e constroem suas subjetividades, com base nas relações e realidades aí existentes.

De acordo com o geógrafo Milton Santos, o território “tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”.

Nesse sentido, buscar possibilidades educativas no território habitado pelos educandos é uma forma de trazer a vida sociocultural para o interior do ensino-aprendizagem, tornando possível sua efetivação embasada na garantia da integralidade de direitos de crianças, adolescentes e jovens, transformando o território em território educativo.

Helena Singer, socióloga e diretora da Associação Cidade Escola Aprendiz, defende que é preciso somar quatro requisitos básicos para implementar a educação integral: um projeto educativo criado pelas pessoas daquele espaço; a adesão de escolas que reconheçam o seu entorno como espaço de aprendizagem; oportunidades educativas para diversas faixas etárias; envolvimento de vários setores sociais.

Apoderar-se dos saberes gerados no território é uma forma de investir em uma educação mais humanista e embasada na pluralidade. Por isso, esta reportagem especial, publicada originalmente no site Educação&Participação (CENPEC), apresenta experiências realizadas por organizações da sociedade civil e escolas que aproveitaram os potenciais e desafios apresentados pelo território para efetivar a educação integral. Confira.

Currais Novos: da criação de gado para o fortalecimento da cultura e educação

Jovens em atividades do projeto. Foto: Pablo Pinheiro
Jovens em atividade do projeto. Foto: Pablo Pinheiro

Currais Novos, município pertencente à região central do Rio Grande do Norte, nasceu em meados do século XVIII, a partir da chegada de fazendeiros e tropeiros fugidos da seca, que construíram currais próximo ao rio da região.

Mais de dois séculos depois, Currais já não é um cenário de fazendas de gado: hoje tem mais de 42 mil habitantes, 14 escolas municipais, 7 estaduais, grupos de teatro, rádios, organizações, centros esportivos, entre outros equipamentos e instituições.

Uma das organizações que atuam no território é o Centro de Documentação e Comunicação Popular (Cecop), responsável pelo projeto Rede Potiguar de Televisão Educativa (RPTV), que, por meio de oficinas de formação em fotografia, cinema e televisão, busca produzir conteúdos que ajudem na formação crítica da população, contribuindo para a transformação do território.

“O nosso objetivo é realizar um trabalho educativo, cultural e de comunicação envolvendo crianças, adolescentes e jovens visando contribuir para a melhoria e a transformação da realidade local. Os conteúdos produzidos se tornam material didático, pedagógico, cultural, educativo e documentos da história e memória do município”, explica Raimundo Melo, coordenador estadual da RPTV.

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Jovens durante uma das oficinas de vídeo. Foto: Pablo Pinheiro

As crianças, adolescentes e jovens que participam do projeto são alunos de escolas públicas parceiras do Cecop. “Muitos de nossos alunos moram na zona rural, e garantir a integração e a troca de vivências com os habitantes da zona urbana é um processo lento. Só conseguimos isso quando iniciamos a parceria com a RPTV, que proporcionou o resgate desses alunos em situação de risco e vulnerabilidade, reintegrando-os à sociedade. Antes, os alunos se sentiam excluídos, era difícil conseguir que participassem de atividades extraclasse. Hoje eles se sentem mais valorizados, há um interesse maior no aprendizado, tanto na sala de aula como no desenvolvimento das habilidades nas oficinas”, conta Roseane Idalina da Silva Rangel, gestora da Escola Municipal Professor Humberto Gama.

Atualmente a RPTV prepara a implantação de um estúdio e laboratório de TV na escola, ocupando uma sala de aula ociosa cedida pela direção. Quando estiver concluído, o espaço poderá ser utilizado diariamente por professores e alunos. Outros dois estúdios estão em fase de implantação em escolas dos municípios de Florânia e Natal.

Além das escolas públicas, a organização encontrou em Currais Novos outros atores que contribuem para a realização de atividades de educação integral: a comunidade quilombola Negros do Riacho, onde são exibidos filmes, realizadas rodas de leitura e contação de histórias, além de outras atividades educativas.

A produção de cerâmica artesanal quilombola não existia mais. Então conversamos com a ceramista da comunidade e a convencemos a ensinar as crianças. Hoje, essa cultura está novamente presente no cotidiano dos adultos e crianças.”

Dessa iniciativa, nasceu a necessidade de incentivar a preservação da história e da memória das diversas culturas existentes em Currais Novos, por meio da fotografia e do vídeo, fortalecendo a identidade de seus habitantes.

“A produção de cerâmica artesanal quilombola não existia mais, a tradição havia se perdido. Então conversamos com a ceramista da comunidade e a convencemos a ensinar as crianças. O envolvimento das crianças neste aprendizado acabou despertando o interesse dos adultos e reverteu o processo de esquecimento: os mais antigos voltaram a produzir cerâmica. Com isso, promovemos o resgate da memória na comunidade e, hoje, a cerâmica é produzida por adultos e crianças”, conta Melo.

Ele relata que parte dessa produção, além dos registros e fotografias, começaram a ser reunidos e disponibilizados como espaço de memória da história local. “Isso é uma ação de território educativo que gerou uma reflexão sobre um elemento da identidade local que estava se perdendo e precisava ser resgatado. Os adultos começaram a ver que aquela atividade ainda era viável, que ela precisava ser repensada e que era uma oportunidade de construir uma imagem externa, mostrar a sua história, fortalecer a identidade e também de ter um retorno financeiro com a venda daqueles produtos”, argumenta.

As transformações no território, resultado da parceria com a comunidade local, prosseguem. “Uma outra ação relacionada ao protagonismo dos atores locais é a ação Área Verde, por meio da qual a gente faz um trabalho educativo com base em vídeos e contação de histórias ligadas ao meio ambiente. As crianças são mobilizadas e estimuladas a fazer uma intervenção no entorno da escola, em sua comunidade, plantando e adotando árvores. Hoje já se vê uma área verde ganhando força no local. Os resultados de ações como essas fortalecem os grupos locais, levam as pessoas a acreditar que é possível fazer alguma coisa, melhorar a educação, mudar a realidade local com a contribuição de cada um”, sintetiza Melo.

Todo esse trabalho resultou na premiação do Projeto como vencedor nacional na categoria microporte da 10ª edição do Prêmio Itaú-Unicef.

Quem vê os resultados, porém, não imagina as dificuldades enfrentadas. Melo conta que o primeiro desafio encontrado foi o processo de sensibilização e convencimento sobre as propostas apresentadas a educadores e alunos. Aliados a essa questão, estão a falta de recursos da maioria das escolas públicas e os baixos salários dos professores, muitas vezes obrigados a enfrentar jornada tripla de trabalho para sobreviver.

A nossa atuação busca contribuir para que a escola e a comunidade se repensem, se renovem, por isso trabalhamos sob a perspectiva de construção de uma rede”

Diante deste quadro, é natural que projetos inovadores de educação despertem interesse em alguns e apreensão na maioria. Introduzir algo novo nessa realidade é um desafio e requer articulações institucionais de parcerias com órgãos governamentais, como a Secretaria Estadual de Educação, escolas municipais e estaduais, grupos culturais e a comunidade local.

A nossa visão é de uma educação que não se limita à sala de aula, mas que pensa a realidade. A gente tenta diminuir essa distância e fazer esse diálogo para a viabilização do potencial educativo das comunidades”

“A escola ainda está muito fechada naquela concepção curricular tradicional, são poucos os professores que percebem um outro olhar sobre o processo educativo e que compreendem que esse processo e o conteúdo têm de andar sintonizados com o processo educativo para a vida, para a transformação da realidade local. A nossa atuação busca contribuir para que a escola e a comunidade se repensem, se renovem, por isso trabalhamos sob a perspectiva de construção de uma rede, porque os problemas não vão ser solucionados com a ação de um ator ou de outro isoladamente. A gente trabalha a parceria a fim de construir um trabalho em rede, onde diferentes atores agem numa determinada realidade”, explica Melo.

A RPTV disponibiliza educadores, profissionais, materiais e equipamentos para a implementação dos projetos em escolas e comunidades. Porém, mais do que produzir conteúdos por meio dessas iniciativas, há a preocupação com a melhoria da realidade local. “As potencialidades são enormes. As pessoas estão abertas a pensar, a participar de iniciativas inovadoras e transformadoras, tem as suas habilidades, seus conhecimentos, seus saberes. A nossa visão é de uma educação que não se limita à sala de aula, aos conteúdos curriculares tradicionais e que pensa a realidade. A gente tenta diminuir essa distância e fazer essa ponte, esse diálogo para a viabilização do potencial das comunidades”, diz Melo.

Segundo ele, “A visão da educação integral nos ajuda muito a construir essa articulação para além do espaço da escola e a pensar o mundo e a realidade de uma forma mais ampla, contribuindo para a melhoria da escola pública, ajudando a implantar a educação integral, que sai daquela rigidez e inflexibilidade dos conteúdos programáticos e que traz outros elementos, como educação para a cidadania, educação do meio ambiente, educação patrimonial, e que nos leva a ver o processo como um todo, na sala de aula, na comunidade, no museu, numa associação, num ponto de memória. A comunicação, em nossa perspectiva, tem de estar a serviço disso”.

Abaetetuba: os desafios do território e as oportunidades de transformação

A 1.461 km de Currais Novos, outra organização da sociedade civil encontrou, nas oportunidades que o território apresentava, a estratégia para realizar ações de educação integral.

Não há saneamento para metade de Abaetetuba, além disso faltam oportunidades de trabalho e educação. […] O nosso principal desafio está em resgatar esses jovens e crianças em situação de risco por meio de ações em seus territórios”

É no município de Abaetetuba, região metropolitana de Belém (PA), em plena Amazônia, que a Associação Obras Sociais da Diocese de Abaetetuba desenvolve o projeto Escola de Cidadania – Preparando os Adolescentes para o Futuro, um dos vencedores nacionais da 9ª edição do Prêmio Itaú-Unicef.

A iniciativa, voltada a adolescentes e jovens com idade entre 13 e 15 anos, de 11 bairros do município, tem como objetivo desenvolver a capacidade crítica desses jovens por meio da formação cidadã, para que possam atuar como formadores de outros adolescentes, exercendo seu protagonismo.

“Não há saneamento para metade de Abaetetuba, além disso faltam oportunidades de trabalho, educação e formação. Porém, temos que olhar para esse cenário como uma oportunidade para a transformação social. O nosso principal desafio está em resgatar esses jovens e crianças em situação de risco e vulnerabilidade, por meio de ações em seus territórios”, explica André Franzini, coordenador diocesano da Pastoral do Menor de Abaetetuba.

Uma das parceiras do projeto é a Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Santa Anastácia, do bairro Mutirão, em Abaetetuba, que atende cerca de 350 alunos.

Oficializada em 2013, a parceria entre a escola e a Associação Obras Sociais da Diocese já existia informalmente há pelo menos três anos. “O trabalho, que antes ocorria informalmente, com a formalização passou a ser mais frequente com os jovens e a comunidade”, diz Elaine dos Santos Pereira, coordenadora pedagógica da escola.

Crianças e adolescentes durante uma atividade em Abaetetuba (PA). Foto: José Maria Fernandes Nogueira
Crianças e adolescentes durante atividade em Abaetetuba (PA). Foto: José Maria Fernandes Nogueira

Desde então, a escola e a Associação mantêm uma agenda conjunta de atividades de formação voltada para os alunos, obedecendo sempre aos temas ligados à garantia de direitos, juventude, sexualidade etc., pelo projeto Escola de Cidadania.

As atividades são desenvolvidas tanto nos espaços da escola como nos da Associação, inclusive durante o período de férias. “Por ser um bairro de periferia, as famílias são muito pobres – em sua maioria, sobrevivem exclusivamente dos recursos do Bolsa Família –, e as crianças passam muito tempo ociosas nas ruas. A nossa intervenção no sentido de estabelecer um território educativo começa com um trabalho de convencimento das famílias, a fim de conseguir permissão para que as crianças participem das atividades e formações”, explica a coordenadora.

Sair de dentro dos muros da escola é difícil até mesmo entre nós profissionais da área de educação. Mas esse é o caminho para que tenhamos uma escola que exerça o seu papel social e uma educação integral de fato”

Mais do que convencer as famílias e atrair os jovens, a escola e a Associação desenvolvem um trabalho social de constante acompanhamento dos alunos e de sua realidade, por meio de visitas domiciliares. “Queremos aproximar a escola das famílias. O papel da escola não deve ser o de apenas ensinar a ler, escrever e fazer contas. É preciso ter uma visão mais ampla da educação, e aí entra a questão da educação integral, no sentido de ver o aluno como uma pessoa inserida em todo um contexto social. Dentro dessa visão, se o aluno não está bem, se está com algum problema ou dificuldade, nós vamos até a casa dele conversar com a família, sentir de perto os problemas que o afetam e buscar entender melhor esses problemas”, complementa Elaine.

Potencialidades no território
Mapear o entorno da escola e descobrir os seus potenciais pedagógicos é fundamental para o estabelecimento de um território educativo. Um simples campinho de futebol, uma igreja, uma praça ou um terreiro de candomblé podem servir de cenário e instrumentos para atividades de aprendizagem mesclando saberes curriculares, culturas locais e o conhecimento de outras realidades. Articular melhor o tempo, o espaço e o conteúdo oferecidos pela escola é, portanto, o principal desafio para uma educação integral de qualidade e capaz de garantir a equidade de ensino.

> Confira nosso debate virtual sobre articulação no território

O trabalho em conjunto dos profissionais da escola Santa Anastácia e da Associação da Diocese no território educativo já surtem alguns efeitos entre os alunos. “Eu vejo esse trabalho como uma parceria de sucesso que já traz resultados pedagógicos no âmbito do espaço escolar. Com os cursos, formações e atividades, sentimos que a produtividade dos alunos aumentou na sala de aula, que eles se mostram mais interessados, que a autoestima deles melhorou. E isso naturalmente acaba sendo replicado no ambiente familiar. Sair de dentro dos muros da escola é difícil, ainda precisamos trabalhar essa resistência, até mesmo entre nós profissionais da área de educação. Mas esse é o caminho para que tenhamos uma escola que exerça o seu papel social e uma educação integral de fato”, conclui a coordenadora.

Gestão escolar para além dos muros da escola
Já no Sudeste brasileiro, a Prefeitura Municipal de Mesquita (RJ) começou a desenvolver o olhar para o território educador a partir de sua adesão ao programa Mais Educação, em 2009.

“Nós começamos esse movimento de montar uma política pública municipal por meio de uma lei que concretizasse a educação integral, além do programa Mais Educação, na qual essa questão do território estava bem latente. Queríamos poder utilizar a cidade como um espaço educador, mas também garantir a infraestrutura nas escolas”, recorda Alexandre Rocha, ex-coordenador escolar e atual subsecretário de Educação, Cultura, Turismo, Esporte e Lazer de Mesquita.

A troca de ideias e experiências em eventos permitiu ao grupo de educadores mapear os pontos positivos e negativos verificados durante a aplicação do programa federal e, com base nisso, elaborar um projeto que atendesse às necessidades locais. “Nós nos baseamos muito na experiência do Mais Educação nas escolas. Vimos o que deu certo e o que não deu, as experiências positivas, como a questão da expansão do espaço educativo via parcerias com centros culturais, museus e instituições. E, ao mesmo tempo, vimos os pontos que julgávamos negativos, como a não obrigatoriedade de participação dos alunos e o fato de os monitores não receberem bolsa”, acrescenta Rocha.

O processo de discussão e elaboração do projeto estendeu-se aos fóruns municipais de educação e contou com a participação de representantes de todas as escolas da rede. A lei regulamentar municipal 881/2015 foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito em 31 de março deste ano.

Enquanto o projeto de lei tramitava na Câmara, o governo municipal encontrou na parceria com uma universidade a possibilidade de dar início a um projeto-piloto de educação integral, o Escolas Polo de Educação Integral.

Nós trabalhamos com a extensão dos espaços educativos, entendendo a cidade como espaço educador. Na proposta pedagógica da escola, estão as aulas-passeio pela cidade e pelo entorno da região metropolitana, promovendo a reapropriação desses espaços pelos alunos”

A iniciativa contempla a formação de professores da rede de ensino interessados em trabalhar com a educação integral, que participam mensalmente de cursos na Unirio. Paralelamente, algumas unidades de ensino foram escolhidas para se tornarem escolas-modelo no projeto, atendendo alunos do 1º ao 9º ano, das 8h às 16h.

“A gente faz um monitoramento constante das escolas, com auxílio da Unirio. A primeira unidade Polo implantada foi em 2014, na escola Maria Isabel, também conhecida por Cruzeiro do Sul, que era estigmatizada pela violência e por faltas constantes de professores. O impacto gerado na comunidade pela transformação dessa escola é muito visível hoje. Temos reuniões de pais superlotadas, pais participantes que viraram parceiros da escola. Além disso, os índices de evasão e reprovação da escola sofreram uma queda drástica. A evasão, que antes estava entre 8% e 9%, já no primeiro ano de implantação da educação integral ficou abaixo de 2%. Os índices de reprovação, que também eram bem altos, entre 17% e 18%, caíram para 4%. Os resultados são muito positivos”, comemora o subsecretário.

De acordo com ele, o olhar para o território educativo foi de fundamental importância na reversão do quadro em que se encontrava a escola Cruzeiro do Sul. “Nós trabalhamos com a extensão dos espaços educativos, entendendo a cidade como espaço educador. Na proposta pedagógica da escola, estão as aulas-passeio pela cidade e pelo entorno da região metropolitana, promovendo a reapropriação desses espaços pelos alunos. Não há como pensar em educação integral de qualidade se não tivermos essa questão de resgate e de pertencimento aos espaços educativos”, explica Rocha.

Para o subsecretário de Educação do município, as intervenções sociais são importantes como processo de aprendizado. “A consolidação da educação integral passa pela efetivação do território educativo e pela participação ativa da comunidade escolar. Sobre a questão do pertencimento, dos territórios educativos, hoje é impossível ficar restrito somente ao espaço escolar sem dar a oportunidade ao aluno de vivenciar todas as outras situações no entorno dele. Se ele não pode conhecer a própria cidade, o próprio território em que ele está inserido e se esse território não dialoga com ele, você não tem uma educação integral, você fica restrito apenas à extensão do tempo, à integralização do currículo. Ir além dos muros da escola permite a interação também com a comunidade, que então se apropria da escola, passa a ver como a escola está funcionando, passa a frequentá-la, a se apropriar dos espaços… Os índices da escola melhoram. É fundamental essa parceria, essa troca de experiências e saberes com a comunidade escolar para o estabelecimento dos territórios educativos”, conclui.

Diferentes realidades, diversos modos de fazer educação integral
Ações socioeducativas e complementares à escola são duas das principais diretrizes da educação integral. No entanto, a realidade de cada região, município ou localidade, apresenta-se como um fator determinante a ser levado em consideração na hora de definir as estratégias de ação. Para Alexandre Isaac, responsável pelo Núcleo de Educação Integral do CENPEC e pelo Programa Políticas de Educação Integral do Educação&Participação, não existe uma fórmula única: o conceito de educação integral pode e deve ser adaptado obedecendo às necessidades, particularidades e condições estruturais de cada localidade. “A implementação de projetos de educação integral tem de respeitar as diversidades locais”, afirma.

Comunidade Cidadã: intervenção juvenil na periferia paulistana

Jovens da Comunidade Cidadã, participantes de uma das edições do Programa Jovens Urbanos durante uma das atividades exploratórias em São Paulo (SP). Foto: divulgação.
Jovens da Comunidade Cidadã, participante de uma das edições do Programa Jovens Urbanos, durante uma das atividades exploratórias em São Paulo (SP). Foto: Divulgação

Uma garagem residencial, na periferia da zona de sul de São Paulo, serviu de ponto de partida para as reuniões de um grupo de jovens então interessado em discutir e encontrar formas para garantir os seus direitos. Era o ano de 2000, e a intenção daqueles garotos era fazer da cidade um território de aprendizado, unindo escola e comunidade. A ideia amadureceu e, em 2004, nasceu a ONG Comunidade Cidadã, cuja participação ativa em fóruns, discussões e eventos, acompanhada de iniciativas socioculturais na comunidade, acabou resultando anos mais tarde em uma parceria com o programa Jovens Urbanos, desenvolvido pela Fundação Itaú Social, sob coordenação técnica do Cenpec.

E foi nesse contexto que, em 2013, a organização marcou presença na 8ª edição do Jovens Urbanos como parceira na formação de turmas na Escola Estadual João Silva, no bairro Capão Redondo, zona sul da cidade.

A liberdade de sair uma vez por semana, de explorar os territórios, de transpor os muros da escola era muito gratificante. A maioria daqueles jovens nunca havia saído do bairro. Conhecer a cidade, vivenciá-la, senti-la também constitui um processo da educação integral e do território educativo”

A iniciativa reuniu cerca de 60 alunos da escola e teve as atividades executadas em três etapas, ao longo de 10 meses, sob a orientação de educadores. Na primeira delas, os jovens participaram da discussão de algumas temáticas, como direitos da juventude e, com base nessas discussões, os participantes mapearam espaços de educação, ativos culturais em seu território, atores sociais presentes naquela região e na cidade. Esse mapeamento deu origem a pré-roteiros que, após terem sua viabilidade analisada pelos jovens e educadores, resultaram em passeios pelo entorno da escola, pelo bairro e pela cidade.

“Foi a primeira vez que o Jovens Urbanos aconteceu no interior de uma escola. Por partir de dentro de uma escola pública, a ideia de circulação pela cidade era um desafio. A liberdade de sair uma vez por semana, de explorar os territórios, de transpor os muros da escola era muito gratificante. A maioria daqueles jovens nunca havia saído do bairro, então aquilo tudo representava um aprendizado muito enriquecedor para todos eles. Conhecer a cidade, vivenciá-la, senti-la também constitui um processo da educação integral e do território educativo”, recorda Magno Duarte, coordenador da Comunidade Cidadã.

Assista ao vídeo sobre uma das produções que jovens da Comunidade Cidadã fizeram durante a 8ª edição do Jovens Urbanos:

Para conhecer outras experimentações desta edição, clique aqui.

Na segunda etapa, com base em um levantamento prévio sobre os saberes que mais despertavam o interesse dos jovens, ocorreu a fase de experimentações, materializada por meio de oficinas de formação em áreas como fotografia, produção de audiovisual, moda, teatro, grafite, entre outras. As aulas, finalizadas em dois meses, tinham duração de 3 a 4 horas cada, totalizando 24 horas de curso para cada uma das especialidades. Ao final dessa etapa, todo o material produzido pelos jovens foi exibido durante evento realizado na Fábrica de Cultura do Capão Redondo.

Na fase final do Programa Jovens Urbanos, os alunos da escola João Silva colocaram em prática, em intervenções realizadas no território escolar, os conhecimentos adquiridos. Com o apoio dos educadores, os jovens elaboraram e executaram projetos como grafitagem e colagem artística de cartazes nos muros da escola, sarau cultural e videodocumentário abordando a educação e a relação professor-aluno. “Com esses projetos, eles intervêm no espaço escolar colocando em prática aquilo que aprenderam e percebem que podem, de alguma forma, transformar a realidade local, seja da escola, seja do bairro em que vivem. Isso é muito positivo”, ressalta Duarte.

Oficinas de educação integral: atividades para promover a circulação no território
Despertar a curiosidade, desenvolver o senso crítico e de cidadania, além de aguçar a percepção sobre as características do lugar onde vivem, são algumas das principais características de iniciativas para a criação e implementação de territórios educacionais. Se você tem interesse nesse tema, mas não sabe por onde começar em sua escola ou organização, acesse a página de Oficinas do Portal CENPEC. Lá você encontrará sugestões de atividades voltadas para a exploração das potencialidades de territórios educadores, por meio da circulação e interação das pessoas com o entorno onde vivem. Clique aqui.