A formação continuada de professoras(es) é um dos pilares para garantir uma educação pública de qualidade. Quando educadoras(es) têm acesso a processos formativos que dialogam com a realidade das salas de aula e com os desafios contemporâneos, é possível promover práticas mais equitativas e significativas.
Contudo, a realidade brasileira ainda está distante desse ideal. Um levantamento de 2023 realizado pelo IPEC, em parceria com o Instituto Península, Itaú Social, Profissão Docente e Todos Pela Educação, revelou que mais de 60% das(os) professoras(es) entrevistadas(os) afirmam que nem sempre (às vezes, raramente ou nunca) recebem formações para trabalhar com temáticas relacionadas à diversidade e à educação inclusiva. Isso significa que muitas redes de ensino reproduzem um modelo pedagógico que não dá conta de atender às múltiplas necessidades das(os) estudantes, aprofundando desigualdades históricas.
É nesse cenário que o Programa Escola Nota 10, desenvolvido pela Adecoagro desde 2009, contribui para o desenvolvimento da educação em Angélica, Ivinhema e Novo Horizonte do Sul, no Mato Grosso do Sul. Há dois anos, o Programa conta com a parceria técnica do Cenpec para impactar positivamente os municípios e se dedicar a uma premissa central: mais do que contribuir com formações que reforcem práticas já consolidadas (e muitas vezes ancoradas em uma lógica tradicional e fragmentada de ensino), é preciso despertar o olhar das(os) educadoras(es) para a importância da interdisciplinaridade e da equidade como princípios estruturantes da prática docente.
O programa prevê a assessoria técnica, bem como um percurso formativo com diversos encontros ao longo do ano, realizados em formato presencial e a distância, com as(os) professoras(es) e coordenadoras(es) pedagógicas(os) dos anos iniciais do Ensino Fundamental das três redes de ensino. Nos meses de abril e maio de 2025, o projeto realizou dois encontros formativos on-line, focados em trabalhar a prática interdisciplinar, além do reconhecimento da importância da leitura para o desenvolvimento de competências e habilidades em diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para formação integral das(os) estudantes. As trocas feitas durante esses encontros já têm modificado a realidade das salas de aula, impactando positivamente nos processos de aprendizagem.
Desde o início, todo o planejamento dos encontros on-line foi feito de forma cuidadosa, buscando metodologias dinâmicas e conectadas com os territórios.
A cada decisão, voltávamos à nossa premissa maior: como promover a equidade a partir da prática pedagógica? As oficinas remotas foram pensadas para que as(os) professoras(es) reconheçam que os saberes locais e o diálogo entre áreas não só podem, como devem estar presentes no cotidiano escolar”, explica Luciana Franceschini, coordenadora de programas e projetos do Cenpec.
O planejamento e a condução dos encontros virtuais ainda contaram com Sandra Amorim, especialista em Matemática, e Eduardo de Moura, especialista em Língua Portuguesa. A partir dessa atuação conjunta entre disciplinas de áreas distintas, as(os) educadoras(es) de Angélica, Ivinhema e Novo Horizonte do Sul puderam vivenciar de perto algumas possibilidades de trabalhar a interdisciplinaridade na escola, além de notar como o olhar integrado sobre o currículo pode fazer a diferença nos processos de ensino e aprendizagem
Elas (professoras e professores) foram percebendo como os conceitos vão se completando, se articulando. Quando trabalho a leitura de um problema matemático, por exemplo, também estou trabalhando a leitura. Ou seja, a leitura vai perpassando todas as áreas de conhecimento. E isso faz muito efeito quando o estudante tem contato com esse ou qualquer outro componente curricular”, explica Sandra.
Ao articular saberes de diferentes áreas, o trabalho interdisciplinar também contribui para concretização de uma educação integral. Isso porque se trata de uma forma de reconhecer que as habilidades e competências não são desenvolvidas de maneira isolada, mas sim em contextos reais e complexos, onde os conhecimentos se entrelaçam. Quando professores(as) compreendem e colocam essa articulação de saberes em prática, tornam-se mais capazes de promover aprendizagens significativas, conectadas com os desafios do mundo e com a realidade dos seus territórios
A gente acaba vendo que tem muito ponto em comum mesmo. As ações, os discursos, as produções de texto, as leituras, os próprios problemas dos quais a matemática se ocupa, elas não se dão disciplinarmente, em caixinhas. Elas se dão na vida. As disciplinas têm o seu histórico, sua razão de ser, mas quando a gente trabalha de modo interdisciplinar, temos mais oportunidade de trazer a vida para a sala de aula, e vemos como as disciplinas se dão de fato, como estão imbricadas”, analisa Eduardo.
Como contribuir para que a prática pedagógica das professoras e dos professores sejam orientadas para a equidade? No programa Escola Nota 10, o ponto de partida para responder esta questão está, justamente, na escuta sensível e na compreensão dessas(es) profissionais.
Antes dos encontros virtuais, as(os) docentes receberam um questionário com perguntas sobre seus interesses de leitura, de música, além de questões sobre desafios enfrentados no cotidiano escolar. Esse levantamento foi fundamental para que o conteúdo da formação dialogasse diretamente com o universo das(os) participantes, gerando identificação e engajamento desde o início, além de demonstrar, na prática, a importância de (re)conhecer os sujeitos da aprendizagem.
“A gente contou com a possibilidade de fazer uma enquete a respeito dos gostos e das preferências dos professores, porque o tópico era leitura, as diversidades leitoras. Então, como que eu, a partir da minha própria referência cultural, tenho também diferentes práticas de letramento: como escuto uma música, como compartilho essa música. Isso tudo pensado para eles (professores e professoras) também se sensibilizarem que essa é uma prática interessante para desenvolver com os próprios estudantes”, explica Eduardo.
As formações virtuais contaram com diversos recursos de metodologias ativas, que propiciaram a participação e a troca de experiências entre as(os) docentes. Os aprendizados construídos nesses encontros já começam a se refletir no cotidiano escolar:
Essas formações contribuem para um novo olhar nas aprendizagens. São inovações que nos ajudam a nortear nosso trabalho pedagógico. Estou trabalhando com reescrita de fábula com meus alunos, ou seja, produzir textos dentro do contexto original, e essas oficinas nos ajudam a mapear o caminho para que nossas crianças tenham desejo tanto de ler, quanto de escrever”, diz Tania Gomes de Araujo Matos Ramos, professora do 3º ano do Ensino Fundamental da Escola Napoleão, em Angélica (MS).
As formações têm contribuído para a melhoria da prática docente ao proporcionar atualização de conhecimentos, introdução de novas metodologias de ensino, uso mais eficaz de recursos tecnológicos e fortalecimento da reflexão crítica sobre a atuação pedagógica. Esses aprendizados resultam em aulas mais dinâmicas, inclusivas e alinhadas às necessidades dos alunos, promovendo um ensino mais significativo”, diz Sandra Aparecida, professora do 5º ano do Ensino Fundamental da Escola Eduardo P. Calado, em Novo Horizonte do Sul (MS).
Na minha prática docente, essas formações têm contribuído para compreender que cada aluno é único, e por isso ele tem as suas particularidades. Por isso, as aulas têm que ter elementos que contemplem essas particularidades, garantindo o ensino de qualidade e eficiente”, enfatiza o professor Rafael Gomes Cartaxo, que leciona para os anos iniciais do Ensino Fundamental da Escola Eduardo P. Calado, em Novo Horizonte do Sul (MS).
O programa Escola Nota 10 é uma iniciativa de responsabilidade social da Adecoagro com foco na melhoria da educação pública. O programa existe desde 2009 e, em 2022, contou com uma assessoria do Cenpec na construção de um diagnóstico das redes de ensino. A partir de 2024, o Cenpec se une ao programa como parceiro técnico no desenvolvimento das ações formativas e de uma assessoria técnica voltada ao desenvolvimento da Política de Formação Continuada para os anos iniciais do Ensino Fundamental das redes municipais de Angélica, Ivinhema e Novo Horizonte do Sul.
“Desde 2024, a gente vem desenvolvendo ações que permitam o fortalecimento da prática docente, orientada para a formação integral dos estudantes. No diálogo com o currículo, essa prática precisa ser articulada com o contexto e com o universo dos estudantes, garantindo a valorização da diversidade e a inclusão. Para isso acontecer, estimulamos a cultura e uma política de formação continuada que permita a autonomia dos professores, reconhecendo-os como especialistas, responsáveis pela aprendizagem”, explica Luciana, do Cenpec.
Para Franciene Cristina da Silva, Gerente de Saúde Bem Estar Diversidade e Cidadania Corporativa da Adecoagro, a parceria construída com o Cenpec, baseada no diálogo e na constante reflexão acerca dos desafios educacionais contemporâneos, tem gerado transformações significativas para a melhoria do ensino e da aprendizagem nas redes atendidas pelo projeto.
O investimento social privado em educação tem se consolidado como uma estratégia relevante para apoiar na implementação de políticas educacionais. Quando bem estruturado, com foco na equidade e no fortalecimento das redes de ensino, contribui para reduzir desigualdades educacionais e promover transformações duradouras nos territórios. A atuação articulada entre empresas e organizações da sociedade civil, como o Cenpec, amplia o alcance das ações e favorece a construção de soluções técnicas alinhadas aos contextos locais, como é o caso do programa Escola Nota 10.
“A educação é uma política pública extremamente importante, pois é combustível para um futuro mais inclusivo e sustentável. Investir em educação permite mitigar as desigualdades, gera desenvolvimento sustentável e bem-estar, equidade e inclusão. A transformação de um território tendo como uma das estratégias o fortalecimento da educação tem que estar associado a uma composição de esforços públicos e privados direcionados e complementares, no caso de uma empresa, somada a importância de se ter uma equipe técnica qualificada de cidadania corporativa para fazer a gestão planejada do investimento, boas parcerias, inovação e um compromisso genuíno com o desenvolvimento de professores, lideranças educacionais e principalmente com os alunos e alunas”, diz Franciene.
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