Um dos grandes desafios na educação brasileira é o ensino-aprendizagem de matemática. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em 2018, 55% dos estudantes de 8 anos do 3º ano do ensino fundamental das escolas públicas apresentaram dificuldades em contar objetos, reconhecer figuras geométricas e o valor de uma cédula monetária. No 3º ano do ensino médio, 7 em cada 10 alunos demonstraram não ter níveis suficientes de compreensão e leitura em português e matemática, segundo o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2017.
O levantamento aponta também que, nas áreas urbanas, 77% dos estudantes de 16 anos terminam o ensino fundamental e 66,4% se formam no ensino médio. No meio rural, as taxas de conclusão caem: 65,8% concluem o ensino fundamental e 47,4% terminam o ensino médio no campo.
Nesse cenário, os matemáticos Francisco Josimar Ricardo Xavier e Adriano Vargas Freitas, ambos da Universidade Federal Fluminense (UFF), escreveram o artigo “Saberes matemáticos e permanência na EJA”. Publicado em março deste ano na Revista Brasileira de Educação Básica, o artigo é um recorte de uma pesquisa de mestrado em educação sobre saberes matemáticos, práticas pedagógicas e permanência na EJA.
Os autores refletem sobre os conhecimentos matemáticos de duas estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA) em uma escola municipal da zona rural no Ceará. O objetivo foi compreender a influência das práticas pedagógicas matemáticas das professoras de EJA para a permanência ou a evasão dos estudantes na escola.
Segundo os pesquisadores, a educação de jovens e adultos na zona rural traz desafios maiores que na zona urbana, pois predomina a reprodução de currículos e práticas pedagógicas que não atendem às especificidades da cultura local.
Por meio de entrevistas, analisadas com base na análise textual discursiva, os autores buscam entender como as estudantes articulam os saberes matemáticos adquiridos em seu cotidiano aos conhecimentos escolares. No roteiro de entrevista, constava a pergunta: “Como a matemática está presente na sua vida e na escola?” Com uma das estudantes, os especialistas estabeleceram o seguinte diálogo:
– Você vai falar de Matemática é? Nada de matemática eu entendo não. Assim, a matemática de caneta você tá perguntando? Ah! Sei só de cabeça. Antes de eu estudar já sabia.
– Explica como você já sabia.
– Sei lá, eu acho que é de mim, de cabeça mesmo. Antes eu trabalhava com meu pai. Eu trabalhava com prensa de carnaúba. Meu pai trabalhava com cera né e era tudo anotado, pesado e tudo. Era pesar na balança. Botava cinco sacos de cera, aí ele ia somando. Na cabeça eu sabia, na soma não, por que quem ia somar era o dono da cera. Mas na cabeça eu sabia.”
Na fala da estudante, destacam os pesquisadores, é possível identificar a ideia de “duas matemáticas: uma ‘de cabeça’, que ela aprendeu quando trabalhando com seu pai e outra, ‘de caneta’, que ela se refere como sendo a da escola.” Nas estratégias desenvolvidas pelas estudantes, os autores reconhecem “saberes matemáticos que são inerentes às suas identidades socioculturais e fazem parte suas histórias de vidas”. No entanto, observam nas “contas de cabeça” não apenas “conceitos intuitivos aprendidos com a vida” (SOBRAL, 2005, p. 33), mas também procedimentos científicos que englobam métodos de investigação e raciocínio organizado e sistematizado.
Permanência na EJA
Ao analisarem as práticas pedagógicas de EJA desenvolvidas nessa escola rural, os autores percebem “pouca valorização dos saberes das vivências das estudantes”. Segundo eles, essas práticas podem estar influenciadas por “um sentido de currículo enquanto documento prescrito, definidor de conteúdos escolares”. Entre os fatores que contribuiriam para a permanência na escola, apontam as relações de afetividade positivas entre a turma e as professoras.
XAVIER, Francisco Josimar Ricardo, FREITAS, Adriano Vargas. Saberes matemáticos e permanência na EJA. Revista Brasileira de Educação Básica, Belo Horizonte [online]. 2019, v. 4, n. 12. Disponível em: <http://pensaraeducacao.com.br/rbeducacaobasica/wp-content/uploads/sites/5/2019/04/10-Francisco-Josimar-Adriano-Vargas-SABERES-MATEMÁTICOS-E-PERMANÊNCIA-NA-EJA.pdf>. Acesso em: 16 jul. 2019.
Sobre os autores
Francisco Josimar Ricardo Xavier
Mestrando em Educação pela Universidade Federal Fluminense, UFF, com interesse em pesquisas que compreendam as áreas: Educação, Educação Matemática, Etnomatemática, Currículo e Práticas Pedagógicas na modalidade Educação de Jovens e Adultos. Integra o Grupo de Pesquisa em Educação Matemática (GRUPEMAT), do Instituto de Educação de Angra dos Reis IEAR/UFF e o Grupo de Etnomatemática da UFF (GETUFF). É graduado em Tecnologia da Construção Civil e Edificações pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, UVA. Foi professor da Educação Básica vinculado à Secretaria Municipal de Educação de Sobral entre 2007 a 2016, tendo lecionado as disciplinas Matemática, Ciências e Artes Visuais. E-mail: josimar_xavier@id.uff.br
Adriano Vargas Freitas
Doutor em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis, Especialista em Ensino de Matemática pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Graduado em Matemática. Professor do Programa de Pós Graduação em Educação da UFF. Professor no Instituto de Educação de Angra dos Reis. Desenvolve pesquisas relacionadas à Educação Matemática, Formação de Professores e Currículos direcionados a Educação de Jovens e Adultos. E-mail: adrianovargas@id.uff.br
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