Eu lia quadrinhos...

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Eu lia quadrinhos…

Confira artigo de Sabrina Paixão, Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), sobre o papel das Histórias em Quadrinhos na formação pessoal e docente. Publicado originalmente na Plataforma do Letramento.

Artigo de Sabrina da Paixão Brésio*

Arte do pintor e poeta suíço Paul Klee

E você, lia? Provavelmente. Em algum momento já deve ter folheado um gibi da Turma da Mônica por aí, ou passado os olhos em tirinhas do jornal, enquanto os adultos liam as “notícias sérias” sobre o resto do mundo. Ou quem sabe você teve aquele tio, primo, irmão, vizinho que tinha sagrados volumes do Homem Aranha ou do Batman? Você pedia emprestado, ou se resignava a ler junto, sob o juramento de nunca amassar os cantinhos das páginas?

Talvez você assistisse a desenhos animados japoneses, e quem sabe colecionasse alguns mangás, explicando para todos que se lê de trás para frente mesmo. Aposto que já teve um livro didático e, entre as diversas atividades para responder, havia uma tirinha da Mafalda, ou do Calvin.

A questão é: de um jeito ou de outro esses quadradinhos ilustrados com balões surgiam à frente de seus olhos. Mas foi há muito tempo, você pode dizer. Ah é? E por que, perguntaria eu, em uma conversa despretensiosa, como esta, por exemplo. Por que deixou de ler quadrinhos? Quando eles deixaram de fazer parte de seu repertório de leitura? Calma, antes de responder, proponho outra pergunta: os quadrinhos realmente deixaram de fazer parte de seu cotidiano?

Crianças lendo quadrinhos em Nova York em 1943, durante a II Guerra Mundial (Fonte: Rio Comic Con, 2011)

Hoje você é um(a) adulto(a), com uma profissão, digamos, professor(a). Ou já tem filhos, ou convive com crianças e adolescentes. É provável que já tenha presenciado o fascínio que os quadrinhos despertam neles, seja como incentivo à leitura, como veículo de alfabetização, como ponte para a socialização. O cinema e a televisão estão inundados de filmes e séries que fazem referência a heróis e heroínas dos quadrinhos.

As HQs estão em evidência. Ampliou-se substancialmente o número de editoras que começaram a publicar quadrinhos, o número de eventos sobre o tema, a exposição nas lojas, o destaque nas livrarias online, os editais de fomento e financiamento coletivo. Até mesmo o número de eventos acadêmicos sobre o tema cresceu pelo país.

Capa da HQ É um pássaro, de Steve T. Seagle e Teddy Kristiansen. New Pop, 2012

E tudo porque, enfim, existem aqueles que não pararam de ler quadrinhos na infância. E há todos vocês, que estão começando a ler quadrinhos agora, ou retornando a eles agora. Seus alunos estão levando estes quadrinhos para a sala de aula, leem e conversam sobre heróis e heroínas na hora do intervalo (e possivelmente na aula também).

Lancei uma enquete online, por meio da qual pretendo obter um panorama mais diversificado de como as pessoas começaram a ler quadrinhos, quais as suas memórias com esse material e que caminhos haviam tomado: ainda leem quadrinhos, ou deixaram de ler? O que acham dos quadrinhos em sala de aula?

Até o momento recebi 94 respostas, de diferentes partes do país, e os resultados parciais foram que 91 pessoas identificaram que a leitura de quadrinhos na infância contribui para sua formação pessoal e enquanto leitor(a); 85 pessoas ainda leem quadrinhos; e por fim, quando perguntados “Com relação ao ensino regular, o que pensa da presença de quadrinhos na escola?”, as respostas foram unânimes.

Todos(as) afirmaram que a presença dos quadrinhos na escola é fundamental. As ressalvas são: desde que bem aplicados; desde que com qualidade; desde que o professor saiba lidar com essa linguagem, entre outras.

Passamos a bola para os(as) educadores(as). Como trabalhar quadrinhos em sala de aula? Bem, minha resposta a isso sempre é a mesma: apropriando-se da linguagem, conhecendo-a, mas, principalmente, reconhecendo as histórias em quadrinhos como expressão de arte, nem inferior ou superior às demais.

Nas trilhas do herói. Arte de Yunyan. 2016

As HQs têm uma linguagem própria, com profundas percepções de utilização de espaço, tempo, dimensão, cor, texto, imagem. Na formação docente, a presença dos quadrinhos é mínima, mas existe e está se expandindo. Para você que deseja empreender esta jornada por conta própria, há disponível uma variedade de obras teóricas e introdutórias de grande qualidade de pesquisadores nacionais e estrangeiros.

Mas antes de debruçar-se sobre leituras teóricas, deixo aqui um fio de Ariadne. Sente-se, feche os olhos e faça uma viagem para dentro: recorde-se de suas memórias pessoais com os quadrinhos, tente se lembrar de quando foi a primeira vez que folheou um, onde, quem estava com você, qual era a emoção que isso lhe causava. Quais foram as marcas que ficaram em sua vida, em seu caminho.

Você pode se surpreender ao perceber como a presença da escola é persistente, e talvez você tenha sido alfabetizado(a) com a ajuda de HQs. Não é incrível que agora você esteja lendo este texto muito por conta dos quadrinhos? No final, você percebe que eles sempre estiveram com você, e que na verdade é simples ofertá-los aos demais. É por aí que a jornada começa.



* Sabrina Paixão é Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com a pesquisa Nas trilhas do herói − Histórias em quadrinhos e itinerários de formação (São Paulo: USP, 2016)


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