Conceitos matemáticos ajudam a explicar a pandemia aos alunos
Evolução da Covid-19 no Brasil e no mundo possibilita que, mesmo diante do contexto difícil, professores trabalhem conteúdos curriculares de matemática e suas tecnologias
Por Marina Almeida
A pandemia de Covid-19, doença respiratória causada pelo Sars-CoV-2, o novo coronavírus, trouxe gráficos e projeções numéricas para o centro dos noticiários.
Se, por um lado, os dados podem assustar; por outro,
trabalhar os conteúdos e as habilidades matemáticas que eles apresentam com os alunos
– seja a distância, seja na retomada das aulas – pode ser uma forma de engajar
estudantes no processo de ensino-aprendizagem e conscientizá-los sobre os
riscos da doença.
“As atualidades chegam à sala de aula muito voltadas para o ensino de certos conteúdos. Acredito que precisamos, primeiro, fazer o caminho inverso: provocar questões, investigação, problematizar o que é estudado”, diz Silvia Longato, que trabalha com formação de professores e assessoria pedagógica para educação matemática no grupo Mathema.
Longato lembra que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC),
além dos conteúdos, destaca a importância de processos metodológicos
intencionais para o desenvolvimento de habilidades e competências dos
estudantes.
Entendendo gráficos
Ao analisar um gráfico que mostre a evolução do número de
infectados ao longo do tempo, por exemplo, há questões importantes para serem
discutidas com os alunos, além dos cálculos necessários para sua criação.
“É necessário saber: o que o gráfico significa? Por que ele tem essa forma? De onde vêm esses números? Que pergunta foi feita e que dados foram organizados para se chegar a essa representação gráfica?”, aponta Silvia.
Com diferentes níveis de complexidade, a análise e a construção de gráficos podem ser trabalhadas no ensino fundamental e médio, desenvolvendo as habilidades de leitura e interpretação de dados. “Os alunos precisam compreender que os gráficos apresentados na mídia são resultado de um processo que envolve habilidades para coletar, organizar e representar informações”, defende a especialista.
É necessário que o trabalho com gráficos em sala de aula seja um processo investigativo, instigando e estimulando a curiosidade dos alunos.”
Silvia Longato
Para ela, é importante que os alunos tenham acesso e compreendam uma variedade de gráficos e saibam que alguns podem ser mais adequados para representar resultados de pesquisas em resposta a um problema, por exemplo: “Se lemos no jornal que a meta de isolamento social é de 70%, vale discutir com os alunos: como chegaram a esse número? Quais informações ou dados são importantes coletar para que seja possível chegar a esse número?”.
Função logarítmica
Recorte mostrando exemplo de papel monolog. Imagem: Reprodução.
Para o ensino médio, o estudo pode avançar para os
gráficos não lineares, como lembra André Ruivo, professor de matemática do Colégio
Guilherme Dumont Villares, em São Paulo (SP). “Trata-se de um gráfico que
explode como uma curva, cujo crescimento não acontece proporcionalmente como o
linear”, explica.
Ruivo lembra que a representação gráfica de dados que têm uma variação muito grande – passando de um número pequeno de casos para mais de mil infectados em poucos dias e em um curto espaço de tempo, como temos visto no caso do coronavírus – exige ferramentas diferentes, que permitam essa visualização.
“Na escola podemos usar o papel monolog para representar essa variação. Agora, como não temos acesso a esse material e seria preciso sair para comprar, podemos fazer esse gráfico em ferramentas on-line, como o Excel”. Como apontam os professores, este pode ser um bom momento para mostrar para os alunos uma aplicação prática do estudo dos logaritmos.
Um aumento exponencial nos casos da doença pode ser representado com um gráfico de função logarítmica, pois o crescimento dos números segue uma variação logarítmica.”
André Ruivo
Gráfico de evolução de casos novos de Covid-19 em escala logarítmica para os estados do Amazonas, Ceará, Rio de Janeiro e São Paulo. Clique para ampliar. Fonte: Fiocruz.
A professora Egle Stochi, da Escola Estadual Teotônio Alves
Pereira, em São Paulo (SP), lembra que essa necessidade está na origem dos
logaritmos: “Os logaritmos foram criados para atender à necessidade de resolver
cálculos com números astronômicos”.
Para os professores interessados em trabalhar o tema em sala
de aula, Silvia Longato ainda recomenda dois vídeos:
O primeiro sobre o uso de funções logarítmica e exponencial em um contexto de pandemia. Veja abaixo.
Outro, sobre crescimento exponencial e epidemias. Confira.
Progressão geométrica
Fórmula da progressão geométrica. Fonte: Educação UOL. Saiba mais.
Muito presente nos noticiários, a progressão geométrica
(PG) de crescimento das infecções pelo Sars-CoV-2 também é um conteúdo
previsto para o ensino médio, e a pandemia pode ser usada para ampliar as
discussões sobre o tema.
“É interessante mostrar como, a partir dos cálculos com PG,
podemos prever o número de infectados pelo vírus e calcular a eficácia do distanciamento
social, por exemplo. Sabendo que uma pessoa pode infectar outras seis, sem
medidas de controle, levaria apenas 40 dias para que os cerca de 20 milhões de
habitantes de São Paulo tivessem o vírus”, calcula Egle.
A partir desses dados, outras questões ainda podem ser
discutidas: “se a letalidade da doença é calculada em 5%, quantos óbitos
teríamos em pouco mais de um mês? E se o sistema de saúde está sobrecarregado,
essa percentagem poderia ser maior?”, questiona a professora. Ela acredita que,
ao realizarem essas avaliações por conta própria, os alunos se tornam-se
também mais conscientes da importância das medidas de distanciamento social.
Razão e proporção
Para o ensino fundamental, cálculos mais simples podem ser elaborados a partir de temas como razão e proporção, regra de três, porcentagem e conjuntos. “Também podemos fazer comparações sobre as diferenças entre o acesso aos respiradores para diferentes regiões do País ou entre o Brasil e o continente africano ou europeu, ou fazer uma estimativa de gastos necessários para atender a população”, diz Egle.
Outra maneira de visualizar as informações, lembra André, é por meio do estudo da teoria dos conjuntos: “Podemos pensar no grupo das pessoas infectadas sem sintomas, no grupo das infectadas que apresentam sintomas, e um grupo na interseção com este último, que seria o de pessoas com sintomas que não sabem se têm covid ou uma gripe comum”.
Estatística
As pesquisas e dados divulgados sobre a pandemia também podem ser usados no estudo de conceitos estatísticos, previsto na BNCC para o final do ensino fundamental e, de forma mais aprofundada, no médio. Trabalhando a distância com seus alunos, o professor André Ruivo organizou uma pesquisa sobre a doença a ser feita por ligação ou mensagem de texto.
Cada aluno deve entrevistar cinco pessoas e perguntar se elas foram infectadas com o vírus. Vamos organizar as respostas em categorias: quem foi infectado, fez o teste e o resultado foi positivo; quem apresenta os sintomas, mas não foi testado; quem apresenta sintomas, mas o resultado do teste foi negativo para a Covid-19; e quem não apresentou nenhum sintoma de gripe e, portanto, não tem ou não sabe se pode ter tido a doença.”
André Ruivo
Ruivo explica que os dados coletados pelos alunos
alimentarão uma planilha comum, disponível on-line. Somando todas as turmas que
estão participando do projeto, eles chegarão a cerca de mil respostas, o que o
professor considera um bom número para uma pesquisa como essa. Com esses
resultados em mãos, eles tabularão os dados, farão cruzamentos de informações e
análise dos números.
“Vamos discutir se as medidas de isolamento parecem estar
funcionando, se a falta de exames pode estar atrapalhando os resultados…
Também vamos avaliar se a nossa frequência relativa está próxima à das
pesquisas apresentadas nos noticiários – e se não estiver? É possível que a
explicação esteja na subnotificação. Também precisaremos levantar a hipótese de
que nossa pesquisa não seja confiável e o motivo disso ter acontecido – e essa
é uma questão que deve ser sempre avaliada”, diz André.
Para o professor, a discussão também mostra para o aluno a importância de uma pesquisa bem formulada, de um trabalho realizado com seriedade e de não mentir nas respostas. “Às vezes, é difícil demonstrar os usos práticos da matemática. Agora, temos uma oportunidade de mostrar o porquê de seu estudo, ao mesmo tempo que os conscientizamos sobre a importância de tomar todas as medidas preventivas indicadas”, defende.
Para Egle Stochi, aproximar a disciplina do cotidiano dos alunos também aumenta o interesse pelo tema e facilita o aprendizado. “Um estudante que consegue aprender os conceitos matemáticos tem até sua autoestima fortalecida. É alguém que vai acreditar mais em suas capacidades para estudar para o vestibular, por exemplo, mesmo que venha de uma escola pública e de famílias de baixa renda, como acontece com os meus alunos”, conclui.
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