#CENPECexplica: Alfabetização em foco Carlota Boto, professora de filosofia da educação da USP, discute a PNA em uma perspectiva histórica
Por Tamara Castro e Maria Alice Junqueira
Em continuidade ao debate sobre a Política Nacional de Alfabetização (PNA), instituída em abril/2019 pelo Ministério da Educação (MEC), o CENPEC Educação conversou com a professora de Filosofia da Educação na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), Carlota Boto.
Imagem: reprodução
Pedagoga e historiadora, mestre em Educação, doutora em História Social e livre-docente em Educação, Carlota Boto é autora dos livros A escola do homem novo: entre o Iluminismo e a Revolução Francesa (Unesp, 1996), A escola primária como rito de passagem: ler, escrever, contar e se comportar (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2012), Instrução pública e projeto civilizador: o século XVIII como intérprete da ciência, da infância e da escola (Unesp, 2017) e A liturgia escolar na Idade Moderna (Papirus, 2017).
De uma perspectiva histórica acerca do ensino e aprendizagem da língua escrita em nosso País, Boto aborda a questão dos métodos de alfabetização e do papel da família e da escola no letramento de crianças e jovens.
É preciso considerar, por princípio, todas as crianças aptas a aprender com o mesmo êxito. Por isso, é fundamental o papel da escola, do projeto político-pedagógico, das concepções de alfabetização abraçadas pelos professores, das práticas de ensino da leitura e da escrita… Tudo isso é imprescindível.”
Carlota Boto
Leia mais na entrevista a seguir.
CENPEC Educação: A oposição de educadores à PNA tem sido apontada por alguns setores da sociedade como uma questão ideológica. Recentemente, no programa Entre aspas (GloboNews), você situou essa questão no campo técnico, e não político. Pode comentar sobre isso?
Carlota Boto: Eu penso que a atual Política Nacional de Alfabetização apresenta uma pauta que desconsidera décadas de debate sobre o tema na história de nosso País. Além da história, desconsidera o conjunto de especialistas em métodos de ensino e em alfabetização, que têm, por sua vez, décadas de pesquisa acerca da alfabetização e do letramento.
Imagem: Reprodução.
Nesse sentido, há uma dimensão técnica na crítica a um programa que, além de não partir de uma discussão com a sociedade, pretende impor o método fônico como alternativa única para se pensar a alfabetização.
Do ponto de vista da história, isso é retornar a meados do século XIX. Como demonstra o trabalho da professora Maria do Rosário Mortatti sobre “Os sentidos da alfabetização”, a preferência pelo método analítico (global) de ensinar a ler e a escrever remonta ao final do século XIX e início do XX, quando a Cartilha maternal, de João de Deus, foi publicada em Portugal e introduzida no Brasil.
Essa “querela dos métodos”, por sua vez, já havia sido superada com a introdução da perspectiva construtivista, que constitui o que os autores têm chamado de uma “revolução conceitual” no ensino da leitura e da escrita. Por todas essas razões, eu penso que há argumentos históricos e motivos técnicos que não se confundem com as questões ideológicas.
“Os métodos de leitura agrupam-se em dois grandes grupos: os sintéticos, que vão da leitura dos elementos gráficos (o alfabético, o fônico, o silábico) à leitura da totalidade da palavra; e os analíticos, que partem da leitura da palavra, da frase ou do conto (historieta), para chegar ao reconhecimento de seus elementos: a sílaba ou a letra.”
Leia mais no artigo da psicopedagoga Marlene Alexandroff.
CENPEC Educação: Qual a sua posição a respeito da literacia familiar, que consta da PNA? Essa proposta dialoga com o que era proposto anteriormente pelo MEC no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic)?
O êxito das crianças na aprendizagem da leitura e da escrita está fortemente vinculado ao ambiente familiar e às práticas e experiências relacionadas à linguagem, à leitura e à escrita que elas vivenciam com seus pais, familiares ou cuidadores, mesmo antes do ingresso no ensino formal. Esse conjunto de práticas e experiências recebe o nome de literacia familiar (WASIK, 2004; SÉNÉCHAL, 2008).”
CB: A história da educação demonstra que o letramento da família interfere na aquisição da língua escrita por parte da criança. É fato que uma criança que sempre vê os seus pais lendo, que sente a leitura como uma necessidade, tem mais facilidade em aprender a língua escrita e participar da cultura letrada. A familiaridade com o sistema de escrita é um dos fatores que influenciam o aprendizado da criança.
No entanto, é preciso ter cautela com essa observação, para que não pareça que isso constitui uma fatalidade: ou seja, que as crianças oriundas de meios pouco habituados com a leitura estejam fadadas ao fracasso escolar. Sabe-se que a expectativa da escola em relação ao desempenho dos alunos também é uma variável que interfere no aprendizado.
Nesse sentido, é preciso considerar, por princípio, todas as crianças aptas a aprender com o mesmo êxito. Por isso, é fundamental o papel da escola, do projeto político-pedagógico, das concepções de alfabetização abraçadas pelos professores, das práticas de ensino da leitura e da escrita… Tudo isso é imprescindível.
A escola, como instituição, produz uma cultura que é dela. Hoje, a maioria dos trabalhos no campo da história da educação versa sobre a cultura escolar. Pode-se até dizer, considerando-se esses estudos históricos, que cada escola também gera a sua própria cultura institucional.
Além disso, a formação de professores torna-se exatamente um lugar privilegiado para formar sujeitos alfabetizadores, não apenas conhecendo uma ou outra técnica, mas refletindo sobre os temas relativos à aquisição da língua escrita.
O tema da alfabetização, como já demonstraram os trabalhos de Magda Soares, envolve a perspectiva do letramento, que abarca os usos sociais da cultura escrita. Sobre se há uma possibilidade de diálogo dessas duas perspectivas, é preciso verificar o porquê de o governo federal não procurar estabelecer interlocução com nada que veio antes. Zerar o passado torna-se a melhor forma de dar as costas para o futuro.
O Portal Cenpec usa cookies para salvar seu histórico de navegação. Ao continuar navegando em nosso ambiente, você aceita o armazenamento desses cookies em seu dispositivo. Os dados coletados nos ajudam a analisar o uso do Portal, aprimorar sua navegação no ambiente e aperfeiçoar nossos esforços de comunicação.
Para mais informações, consulte a Política de privacidade no site.
Para mais informações sobre o tipo de cookies que você encontra neste Portal, acesse Definições de cookie.
Quando visita um website, este pode armazenar ou recolher informações no seu navegador, principalmente na forma de cookies. Essas informações podem ser sobre você, suas preferências ou sobre seu dispositivo, e são utilizadas principalmente para o website funcionar conforme esperado.
O Portal Cenpec dispõe de cookies estritamente necessários. Esses cookies não armazenam informação pessoal identificável. Eles são necessários para que o website funcione e não podem ser desligados nos nossos sistemas.
Any cookies that may not be particularly necessary for the website to function and is used specifically to collect user personal data via analytics, ads, other embedded contents are termed as non-necessary cookies. It is mandatory to procure user consent prior to running these cookies on your website.