Forma de expressão que une música e poesia, a canção é explosiva! Por estar tão visceralmente vinculada à alma do povo brasileiro, ela é um bem cultural comum, que une gerações, cria vínculos, quebra gelo, abre portas e janelas.
É nosso Flautista de Hamelin, capaz de penetrar no quarto do adolescente solitário e apresentar-lhe um mundo de novas possibilidades. A canção é mágica!
É com se de repente cada canto do quarto se abrisse E os quatro cantos do mundo surgissem pra nós” (Mágica, Paulo Padilha)
A canção abre portas para que se acesse o universo do outro, ao mesmo tempo que abre janelas para que o outro, a partir dela, possa acessar outros mundos, outros conteúdos. Portas de entrada, janelas de saída.
É um ponto de partida, um híbrido, um composto orgânico, um núcleo atômico, um big bang, que, se bem usado, pode ser uma grande ferramenta. Estava evitando usar a palavra ferramenta. De repente, algo tão potente, poético, vital, fundamental, virou chave de fenda, martelo, alicate, sei lá… Usar a canção ou a arte na escola dessa forma é o mesmo que usar o alimento apenas como ferramenta para exercitar os maxilares, e não como algo fundamental para a existência! Canção é alimento vital!
Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de quê? Você tem fome de quê?” (Comida, Titãs)
Quando penso em tudo o que a canção fez por mim, sempre me emociono. Tento refazer o percurso que me levou a ser o que sou hoje. Cantor, compositor e professor de música. A primeira pessoa que me vem à cabeça é minha mãe. O canto coloquial, sussurrado, que me acalantava, misturado às histórias reais e imaginárias sobre a Bahia de sua infância.
Ainda garoto, lembro de uma viagem de carro. Três dias, de São Paulo a Salvador. Meu pai batucava com a aliança no volante duro da Variant e minha mãe cantava canções de Luiz Gonzaga, Braguinha e tudo o que lhe viesse à cabeça e servisse para entreter três crianças inquietas durante a viagem. Na adolescência, fim dos anos 1970, os LPs de Caetano, Chico, Milton, Gil, que ouvia lendo as letras nos encartes, deitado no sofá. E o violão. O frio na barriga que me vinha a cada vez que me pediam para tocar e cantar em público.
Penso que aprendi mais com a canção do que com qualquer outra coisa. Ela me levou à música, aos acordes e partituras, me levou à dança, me levou à história, me levou à poesia, me levou à estética, me levou ao palco, me levou à escola e continua me levando pela vida.
Como professor de música, faço dela minha maior aliada e defendo com unhas e dentes sua inserção no currículo, especialmente no Ensino Médio. Uso-a para falar sobre a linguagem musical em si e já a utilizei em pontes com as disciplinas de História, Geografia, Português, Matemática, Física, Artes, Filosofia e Dança.
Mas faço um apelo ao colega professor: quando for usar uma canção, considere a dimensão cultural e afetiva dela. E isso serve não só para os pequenos, mas especialmente para os grandes e adolescentes. Ouça-a com os alunos mais de uma vez. Se puder, toque e cante com eles, ou peça a um aluno que a toque. Conte a história de como aquela canção foi feita, ou de como ela entrou na sua vida… ou deixe que os alunos sugiram canções que têm significado para eles. Enfim, saboreie essa experiência e deixe que a canção exploda como um chiclete na boca dos alunos, revelando uma gama de sabores com camadas de significados capazes de alimentar a alma, criar vínculo e encher o conhecimento de afetividade.
A canção traz a paixão. E a paixão é o maior impulso para o conhecimento. Por isso, quando me perguntam se ela é uma boa estratégia para acessar outras disciplinas, respondo na lata: “Excelente! Desde que não seja tratada como alicate”.
Paulo Padilha
Graduado em Música pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), cantor, compositor e professor de música há mais de 25 anos. Ministra um curso de Música na grade curricular do Ensino Médio da Escola Vera Cruz, na capital paulista, unindo de maneira original a prática musical a uma pequena história da canção brasileira no século XX. Tem canções gravadas por Simone, Daúde, Palavra Cantada, Suzana Salles, Juçara Marçal, entre outros. Foi por 15 anos baixista fundador do Aquilo Del Nisso, grupo de música instrumental criado nos anos 1980. Tem quatro CDs solo: Cara legal (Velas, 1997), Certeza (Dabliú, 2001), Samba deslocado descolado samba (Dabliú, 2006) e Na lojinha de um real eu me sinto milonário (Borandá, 2013).
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