Brasil e São Tomé e Príncipe realizam projeto de EJA

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Brasil e São Tomé e Príncipe realizam projeto de EJA

Reportagem publicada na Plataforma do Letramento (CENPEC) em 2013

O idioma é um forte elo dentro de uma nação e entre países, revelando traços históricos e sociais em comum e possibilitando o estreitamento de laços políticos, econômicos e culturais. Entre países de língua portuguesa, um exemplo de colaboração é a estabelecida entre o Brasil e a República Democrática de São Tomé e Príncipe, na África, que remonta a 1984. Nesse ano, as duas nações assinaram, em Brasília, o Acordo Básico de Cooperação Científica e Técnica. Com sua promulgação, em 1988, a cooperação técnica Brasil − São Tomé e Príncipe promoveu a realização de 17 projetos nas áreas de saúde, educação, geração de emprego e renda, inclusão social, comunicação e cultura, desenvolvimento urbano e socioeconômico, políticas públicas e meio ambiente.

Na área da educação, a cooperação, firmada entre o Ministério da Educação (MEC) brasileiro e o governo de São Tomé e Príncipe, teve como foco a alfabetização de jovens e adultos (EJA) santomenses. O trabalho, que se estendeu de 2001 a 2011, foi coordenado pela ONG Alfabetização Solidária (AlfaSol) com o apoio do governo de São Tomé e Príncipe e da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), órgão do Ministério das Relações Exteriores (MRE) brasileiro.

A prioridade na educação de jovens e adultos tinha o intuito de reduzir o analfabetismo, ampliar a escolarização e promover a autonomia desse segmento da população, por meio da apropriação das habilidades em matemática e de leitura e escrita em língua portuguesa. Para isso, foi criada a Direção de Educação de Jovens e Adultos (Deja), voltada à formação inicial e continuada de técnicos e docentes, além de garantir a continuidade da escolarização de jovens e adultos.

Segundo a Deja e o MEC, entre 2001 a 2008, a cooperação atendeu 10 mil pessoas analfabetas ou pouco escolarizadas; na alfabetização inicial, atendeu 7.661 jovens e adultos; na pós-alfabetização, atendeu 2.467; nos cursos noturnos, foram 1.694 pessoas. Em média, 60% das pessoas atendidas na alfabetização inicial continuaram sua escolarização, principalmente os mais jovens. 

Localização de São Tomé e Príncipe. Fonte: Wikpiédia

Um pouco sobre São Tomé e Príncipe
A República Democrática de São Tomé e Príncipe é um país do continente africano localizado no Golfo da Guiné. É formado por duas ilhas principais (Ilha de São Tomé e Ilha do Príncipe), com cerca de 204.454 habitantes (estimativa de 2018). A língua oficial é o português, que convive com mais quatro línguas faladas no território.
Em 1975, ano da independência do país, antiga colônia de Portugal, 80% da população acima de 15 anos era considerada analfabeta. Um ano depois, o educador Paulo Freire participou da primeira campanha de alfabetização de jovens e adultos do país, apresentando seus princípios de educação popular. Essa campanha tornou-se um marco na defesa dos direitos educativos do país e proporcionou melhorias concretas nesse setor, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas de São Tomé e Príncipe, que apontam, em 2001, a taxa de 30% de analfabetos, uma queda substancial em 25 anos.
Segundo o Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos (Paja), são-tomense, em notícia do jornal português Diário de Notícias de setembro de 2017, pelo menos 90% dos são-tomenses com mais de 15 anos sabem ler e escrever, a melhor taxa entre os países africanos de língua portuguesa. Ainda segundo o jornal, o governo prevê erradicar o analfabetismo no país até 2022.

Cooperação técnica 
Para Bruno Santa Clara Novelli, do Departamento de Formação e Acompanhamento Pedagógico da AlfaSol, as experiências anteriores da organização em países da África (Moçambique, Cabo Verde, entre outros) foram fundamentais para o sucesso das atividades em São Tomé e Príncipe. A organização, que atuou no país por 10 anos (2001-2011), conseguiu manter uma articulação eficiente com o governo santomense e a embaixada brasileira no país, a fim de atuar na política pública educacional do país africano. 

Bruno Novelli

Entre as conquistas da cooperação internacional, Bruno destaca a criação de uma equipe técnica local voltada para a formação de professores. “Essa experiência foi bastante positiva, pois foi absorvida pelo Ministério da Educação de São Tomé e Príncipe como política pública, ou seja, deixou de ser um programa para se tornar uma política educacional”, declara o educador.

Veja o documentário “Cata D’ Omali – Cartas do Atlântico”, produzido pela AlfaSol e pela ABC/MRE: 

Saberes locais e autonomia
Para Ednéia Gonçalves, assessora do programa de EJA na Ação Educativa e ex-coordenadora técnica da Alfasol em São Tomé e Príncipe, a equipe brasileira buscou, desde o início, propiciar à população local autonomia para desenvolver propostas de educação de jovens e adultos. A educadora explica que foi feito um levantamento prévio das demandas dos santomenses. “O país já tinha uma experiência de EJA no passado, portanto resgatar essa e outras histórias era fundamental para conhecer a fundo a realidade e a cultura daquele povo”, esclarece. 

Ednéia Gonçalves

Segundo a educadora, que assumiu a coordenadoria do projeto em 2005, a opinião generalizada é a de que nos países africanos não há nada pronto. “Ainda existe a mentalidade de que tudo na África deve ser começado do “zero”. Essa é uma visão equivocada. Nesse trabalho de cooperação, a preocupação principal era a de que o conhecimento e a cultura santomense fossem o ponto de partida”, afirma.

Além disso, para a educadora, o Brasil conseguiu fortalecer os laços de amizade com São Tomé e Príncipe, no trabalho com os educadores locais. Ednéia afirma que a autonomia deles no projeto foi um ponto que sempre causou preocupação: “O grande risco das cooperações internacionais é criar um vínculo de dependência em relação ao outro país, acabando com sua autonomia. Isso não aconteceu nessa região, pois tanto as ações quanto o material pedagógico, foram feitos pelos próprios educadores santomenses”, ressalta Ednéia. 

Material pedagógico
A produção do material pedagógico foi um ponto importante entre as ações da cooperação. O material foi criado pelos próprios educadores da região, com supervisão de Maria Amabile Mansutti, coordenadora técnica do CENPEC Educação e especialista em didática da Matemática, e de Cláudia Vóvio, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em alfabetização e letramento. 

Maria Amabile Mansutti

Segundo a educadora, que já havia atuado em projetos de cooperação na África na década de 1980, a elaboração desse material contou com equipe técnica, governos e embaixadas dos países envolvidos. “No início da década de 2000, já havia um material de EJA em São Tomé e Príncipe, intitulado Viver e aprender, produzido pelo MEC. Somente após um acordo intermediado pela embaixada brasileira na região foi firmado o compromisso de criar um material inédito, feito pelos próprios santomenses. Assim, entre 2008 e 2011, elaboramos esse material”, relata.

A coordenadora técnica do Cenpec destaca o desafio da equipe em resgatar a história e cultura de São Tomé e Príncipe, tendo em vista a pouca experiência do país na elaboração de materiais pedagógicos. “Inúmeros materiais vieram de Portugal, por exemplo. Mas queríamos que o material pedagógico refletisse a realidade do país. Como não havia muitos registros escritos, pois a região tem uma forte tradição oral, fizemos uma ampla pesquisa com a população local”. 

Outro ponto interessante foi a revisão. “Fizemos duas revisões. A primeira focou na língua. Por conta dos dialetos incorporados ao português santomense, tivemos que contratar um linguista para analisar essa questão. A segunda revisão foi ortográfica, pois havia diferenças entre o nosso português e o deles”, afirma. 

Alfasol/Agência Brasileira de Cooperação
(Ministério da Relações Exteriores)

A especialista informa que o material levou três anos para ficar pronto (2008-2011). “A obra, intitulada Sebê Nón − Alfabetização Inicial de Jovens e Adultos, contém tudo o que achávamos prioritário. Ela aborda temas como o litoral santomense, a zona urbana e rural, economia, agricultura, história, saúde, política, entre outros. A publicação acontecerá ainda neste semestre (1º/2014). Será impressa no Brasil e depois enviada para São Tomé e Príncipe”, explica. 

Assista também à entrevista de Cláudia Vóvio sobre a elaboração do material pedagógico em São Tomé e Príncipe.