Como agir responsavelmente diante de episódios violentos nas escolas

-

Como agir responsavelmente diante de episódios violentos nas escolas

Quais medidas têm sido tomadas para garantir a segurança no ambiente escolar e como assegurar responsabilização e acolhimento às comunidades escolares atingidas

Por Stephanie Kim Abe

A segurança dos espaços escolares em todo o Brasil tem estado em xeque desde os ataques violentos ocorridos nos últimos 30 dias à escola estadual Thomazia Montoro, na capital paulista, e à creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau (SC).

Enquanto ameaças de possíveis novos ataques têm tirado o sono de familiares e feito a frequência escolar cair – principalmente no dia de hoje (20 de abril), que marca 24 anos do massacre escolar ocorrido em Columbine, no Colorado (EUA) –, o governo tem tentado acalmar a sociedade e mostrar que está atento aos acontecimentos por meio de diferentes ações. 

No dia 6 de abril, o Ministério da Justiça e Segurança Pública deu início à Operação Escola Segura. Desde então, já foram realizadas 302 prisões ou apreensões (no caso de menores de idade), e 1.738 casos estão sendo investigados em conjunto com as polícias estaduais e outros órgãos federais. 

Além disso, foi criado o Escola Segura, canal de denúncias exclusivo para recebimento de informações de ameaças e ataques contra as escolas, em parceria com a SaferNet Brasil

O governo federal liberou 3 bilhões de reais de recursos já previstos no orçamento do MEC para estados e municípios investirem na segurança de suas instituições escolares e redes de ensino.

Ontem, o Ministério da Educação (MEC) lançou a cartilha Recomendações para Proteção e Segurança no Ambiente Escolar, fruto do trabalho que está sendo realizado pelo Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pelo MEC. Destinada a toda comunidade escolar, a cartilha traz orientações para prevenção e posvenção de situações violentas às escolas.

Em coletiva de imprensa realizada hoje (dia 20/4), o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou a prorrogação da Operação Escola Segura: 

“Falou em nazismo, falou em neonazismo, ameaçou escola, ameaçou comunidade escolar, disse que vai fazer ataque, nós estamos pedindo a prisão. E vamos continuar, porque não há possibilidade de nós convivermos com esse clima que alguns poucos querem criar em detrimento de 40 milhões de estudantes brasileiros”, afirmou o ministro.


A importância da escola e o que ela representa

É compreensível a busca por entender o que leva uma pessoa a atacar violentamente uma escola. Não só pelo fato de que ali se encontram principalmente crianças e adolescentes, mas também se considerarmos o que a escola representa em nossa sociedade. 

Paula Fontana Fonseca, doutora pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e psicóloga no Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da USP, explica:

A escola é depositária de todo legado humano e representa esse espaço de cultura e de cuidado com as novas gerações. É o lugar onde todas e todos deveriam ter os mesmos direitos, e onde se constitui um espaço diferente do familiar, que nos possibilita sermos diferentes e aprender a conviver em sociedade. Um ataque violento à escola é, portanto, um ataque a esse princípio da sociedade democrática e da civilização. É uma barbárie.” 

Paula Fontana Fonseca

Paula lembra que, infelizmente, a escola já estava na corda bamba na sociedade, mesmo antes desses ataques. Ela é um espaço de disputa em que reverberam os tensionamentos que acontecem na sociedade como um todo. 

Se temos uma sociedade pautada pelo individualismo e pela competitividade, por exemplo, esse modo de vida também vai aparecer no espaço escolar:

“Chega a ser um contrassenso, porque a forma como vivemos hoje, pautada no individualismo, é uma maneira de convivência que esvazia os encontros, que gera como efeito uma não convivência, que é mais favorável a um ambiente violento e não acolhedor”, diz.

Para ela, a escola deve ser esse espaço que permite tensionar os diferentes modelos de vida e pensamentos – ou seja, ela não precisa se submeter ao que é imperativo na sociedade.

É importante que a escola consiga sustentar essa tensão em seu projeto político pedagógico, se posicionando como um lugar onde a gente pode experimentar uma articulação de tempo e espaço que não é apenas regulada pela entrega, pela eficiência, como estamos tão submetidos hoje em dia. Assim, a gente restitui também a confiança da família de que a escola é esse lugar de convites, de possibilidades, e de diálogo aberto.

Paula Fontana Fonseca

Saiba mais sobre a importância de um bom clima escolar


Um acolhimento que faça sentido para cada comunidade escolar

Assim como a cartilha do MEC indica, é preciso criar espaços e processos inclusivos de acolhimento nas escolas. Para tal, Paula chama atenção à necessidade de pensar esse acolhimento com base nas experiências de cada escola:

Qualquer coisa que a gente aplique à escola como uma forma de cuidado que foi pensada por pessoas de fora, que não pertencem a ou dialogam com esse território, vira uma intrusão. Então as formas de acolhimento devem ser construídas a partir da tradição e do repertório que cada escola já tem. Há escolas que já têm o hábito de fazer rodas de conversa ou de leitura, que realizam assembleias. Outras utilizam o espaço das reuniões pedagógicas para conversar com o corpo docente. É possível valer-se de diferentes estratégias também.”

Paula Fontana Fonseca

Palestras com especialistas, conversas com diferentes grupos, abertura da escola à comunidade, interface com diferentes órgãos e áreas do território são alguns dos procedimentos válidos nessa somatória de espaços acolhedores a serem disponibilizados na escola.

Ela também ressalta a importância de acolher todas as pessoas da comunidade escolar, não apenas estudantes ou professoras(es). Afinal, quando um episódio violento acontece, todos e todas sofrem suas consequências e são afetados de diferentes maneiras. 

Muitas vezes, pensamos que cabe às(aos) professoras(es), coordenação e gestão cuidar dos outros – e, de fato, essas pessoas têm essa responsabilidade. Mas isso não significa que elas também não precisem de cuidado. Muitas vezes, elas sentem mais os efeitos de um episódio violento do que as crianças menores, cujo entendimento da situação pode não ser tão claro. Também acontece de não pensarmos nas outras pessoas da comunidade escolar que são afetadas. Por exemplo, a equipe de limpeza que teve que entrar na sala ou no lugar onde o crime aconteceu para limpar as marcas daquela violência. Essas pessoas também estão sendo expostas e afetadas, e precisam de cuidado e acolhimento.” 

Paula Fontana Fonseca


Responsabilizar-se é diferente de culpar-se

Para criar esses protocolos de segurança e espaços de acolhimento, é preciso revisitar as situações conflituosas ou violentas que por ventura já ocorreram naquele determinado ambiente escolar.

De acordo com Paula, é importante olhar para esse histórico de forma que ele gere ação, e não imobilidade:

É preciso perguntar por responsabilidade, porque é ela que projeta ações, e não culpar-se por algum episódio violento. A culpa gera o entendimento de que algo deveria ter sido feito. Cria, portanto, imobilidade, porque o que já aconteceu no passado não pode ser mudado. A pergunta que nos interessa é: como vamos agir de forma responsável diante desse acontecimento e com a nossa comunidade?

Paula Fontana Fonseca

Paula também lembra que, muitas vezes, são vários os motivos que levam a um acontecimento violento na escola – e que é preciso entender que nem tudo é ponderável ou previsível:

“Alguns motivos e causas são identificáveis, outros nós podemos somente fazer hipóteses. É impossível prever plenamente tudo o que vai acontecer na escola – e isso, aliás, é ruim. A escola é um território de espontaneidade, de trombadas, de abraços, de encontros em toda a sua variedade. Mas eventualmente uma discussão pode levar a um conflito maior, ou a um episódio violento, e precisamos estar preparados para lidar com isso, para que não cheguemos a uma tragédia.”

A psicóloga ressalta que é preciso tomar cuidado para não localizar a violência apenas no outro, mas se implicar nos processos e nas trocas que acontecem dentro da escola:

“Os episódios de violência tendem a nos distanciar e a esvair qualquer campo minimamente empático, o que apenas desumaniza o outro. Quando nos colocamos assim, nós identificamos a violência apenas nele, e não nas possíveis relações, encontros e embates que por ventura tenhamos tido. O outro vira a morada do perigo, e eu preciso me proteger desse outro. Claro que no caso de um assassinato isso de fato acontece, e a ideia não é nos identificarmos como tal. Mas o que costuma dominar em uma escola são os conflitos cotidianos, é onde a gente senta na carteira, é sumir com o estojo do outro, é zoar porque a pessoa usa óculos, que são cenas que precisam ser pensadas e cuidadas dentro da escola”, diz Paula.

Por fim, ela lembra que a escola deve estimular que todo mundo pode – e deve – participar dessa construção comunitária de protocolos, processos e espaços de acolhimento. “A escola pode pedir ajuda. E é esse laço escolar que permite viver surpresas dentro da escola”.


Veja também