CENPEC Educação recebe evento da Fundação Scholas Occurrentes
Reunião contou com cerca de 40 participantes de instituições nacionais e destacou a importância de estabelecer diálogo entre jovens de diferentes origens
Por João Marinho
Em um município de pouco mais de 5 mil habitantes, quatro adolescentes se suicidaram em poucos meses, jogando-se de uma ponte informalmente chamada de ponte “das soluções”. Em outra cidade, o massacre de estudantes em uma escola secundária levou sobreviventes ao suicídio, mas não havia espaço para discutir saúde mental. Finalmente, na capital de uma região com movimento separatista, a violência era a principal preocupação entre jovens negros, e não a independência.
Que cidades eram essas? E como tudo isso se relaciona com educação e protagonismo juvenil?
Educação por meio do encontro
San Antonio de los Cobres, na província argentina de Salta, registrava altas estatísticas de suicídio juvenil, normalmente cometidos na Ponte Huaytiquina. Um atirador atacou a escola secundária Marjory Stoneman Douglas, em Parkland, região metropolitana de Miami, e vitimou 17 pessoas em fevereiro de 2018; dois adolescentes se suicidaram posteriormente, em 2019 – mas a ação oferecida para lidar com o problema foi apenas um curso sobre armas aos professores. Barcelona não é uma das cidades mais violentas do mundo, mas a vulnerabilidade para jovens negros é diferenciada e se tornou evidente a necessidade de políticas para a questão.
Em comum, esses problemas em lugares e continentes tão distintos têm o fato de serem identificados por estudantes jovens de diferentes escolas, origens, culturas e credos… e de terem sido propostas soluções locais trazidas pelos próprios jovens. Na Argentina, por exemplo, sessões de cinema durante os fins de semana – quando as mortes eram mais frequentes – e um mutirão para pintar a ponte e ressignificá-la refletiram na queda no número de suicídios.
Promover o encontro entre pessoas diferentes para encontrar soluções em comum é um dos principais objetivos das Scholas Occurrentes (Escolas do Encontro, em português), organização fundada pelo Papa Francisco que promove a formação de jovens por meio do diálogo, de projetos de intervenção e de três pontos focais: a tecnologia, a arte e o esporte. A organização já realizou uma Jornada da Cidadania com jovens em São Paulo (SP), em 2016. Assista ao vídeo.
O que são as Jornadas da Cidadania?
Idealizadas pelo Papa Francisco, as jornadas são ações de imersão realizadas com grupos de estudantes jovens de escolas públicas e privadas que, durante uma semana, trabalham em conjunto para a solução de problemas comunitários identificados pelos próprios jovens. A solução é, em seguida, apresentada a autoridades locais.
Jovens brasileiros foram convidados a ir a Jerusalém, por exemplo, em uma ação conjunta realizada entre escolas e a Universidade Hebraica de Jerusalém. A jornada contou com estudantes israelenses, palestinos e de oito diferentes países, Brasil incluído.
“Quando você pergunta aos jovens o que eles acharam das jornadas, eles dizem que viram a realidade do outro que não conheciam. Mais ainda: relatam que percebem que os sonhos e objetivos são os mesmos, apesar das realidades distintas”, diz Silvana Bragatto, presidente do Instituto Casa Comum (ICC). Em média, cada jornada tem recebido cerca de 300 jovens.
Protagonismo juvenil e
combate às desigualdades
José María del Corral (ao centro, com Célio Turino e Mônica Gardelli Franco à esq.) fala sobre Scholas Occurrentes no CENPEC Educação. Clique para ampliar. Foto: João Marinho.
Nesta quarta-feira (10), o presidente da Scholas, José María del Corral, esteve no CENPEC Educação para um encontro que contou com cerca de 40 pessoas de diferentes instituições nacionais, entre organizações sociais, entidades religiosas e representantes do poder público e da Justiça.
O objetivo foi iniciar um diálogo visando a futuras parcerias com a Scholas no Brasil, que assim se uniria aos mais de 190 países que já contam com a iniciativa e às mais de 430 mil escolas, universidades e instituições educativas que compõem hoje a rede da organização.
Mônica Gardelli Franco, diretora-executiva do CENPEC Educação, abriu a reunião e apresentou as ações do próprio CENPEC, que tem mais de 20 anos de experiência no trabalho com juventudes, especialmente por conta do Programa Jovens Urbanos e, para adolescentes e jovens privados de liberdade, com o projeto Educação com Arte: Oficinas Culturais, em parceria com a Fundação CASA.
Franco ressaltou, ainda, a importância de combater as desigualdades e de evitar naturalizá-las: “Existe hoje uma naturalização das desigualdades – e, algumas vezes, dentro da escola, reforçamos essa naturalização em vez da busca por soluções”.
É preciso ressaltar que as desigualdades são produto da sociedade, da discriminação – e que devem ser combatidas.”
Mônica Gardelli Franco
Mônica Gardelli Franco (centro), diretora-executiva do CENPEC Educação, fala sobre desigualdades e juventudes. Clique para ampliar. Foto: João Marinho.
Em seguida, o historiador Célio Turino, criador do programa Cultura Viva e hoje vinculado à Scholas, fez um retrospecto do surgimento da organização. A iniciativa surgiu em 2001, no auge da crise econômica argentina, por ação do então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Bergoglio – hoje Papa Francisco.
Preocupado com o que os jovens pensavam e como viviam a crise, Bergoglio promoveu diálogos inicialmente com estudantes católicos, evangélicos, judeus e muçulmanos, posteriormente ampliado para estudantes de um mesmo território, de diferentes origens sociais e de escolas públicas e privadas. O objetivo era promover o encontro de ideias, o contato com a realidade do outro e o protagonismo juvenil.
Toda essa construção parte desta ideia: o mundo precisa se encontrar, os diferentes precisam ser colocados em uma mesma plataforma e se exercitarem na busca de soluções comuns. Há necessidade do encontro inter-religioso, intergeracional e entre grupos de diferentes origens sociais e de classe.”
No Brasil, a Fundação Scholas Occurrentes tem iniciado seu trabalho a partir do convênio entre o Papa Francisco e Célio Turino. O convênio originou o Instituto Casa Comum (ICC), hoje presidido por Silvana Aparecida Bragatto, que apresentou o ICC durante o encontro desta quarta-feira.
Silvana Bragatto, do Instituto Casa Comum, explica sobre as Jornadas da Cidadania. Clique para ampliar. Foto: João Marinho.
A proposta do ICC passa pela constituição dos pontos de encontro, que são espaços comunitários de potência onde jovens podem dedicar-se à arte, cultura e à convivência com outros jovens de diferentes origens.
Se não mudarmos a educação para uma educação de paz, o mundo vai aos destroços, à aniquilação.”
José María del Corral
Outra ação prevista é a formação de agentes jovens, a fim de que atuem junto a outros jovens dentro da comunidade, como uma forma de aprendizagem-serviço, com metodologia adaptada para cada território. A proposta dialoga com a aprendizagem solidária, cuja Rede Brasileira é coordenada pelo CENPEC Educação.
Os propósitos trazidos pela Scholas Occurrentes e pelo ICC são compatíveis com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nºs 4 – “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”; e 16 – “promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
“É possível criar espaços para o encontro e para vida”
CENPEC Educação: Em quais países latino-americanos já se encontra presente a Fundação Scholas Occurrentes? José María del Corral: A Scholas, na verdade, nasceu há cerca de 20 anos, quando Jorge Bergoglio havia assumido como arcebispo de Buenos Aires, na Argentina, que foi nossa primeira sede. De lá para cá, já nos fizemos presentes no Paraguai, Colômbia, México, Haiti, Panamá… Desde a criação da Scholas como uma organização de direito pontifício, com a eleição do Papa Francisco, em 2013, temos estado presentes em 190 lugares distintos.
CENPEC Educação: Como tem sido a recepção da proposta da Scholas no Brasil? José María del Corral: No Brasil, temos participado de muitas reuniões, tanto acadêmicas quanto não acadêmicas, da Igreja Católica e de outras igrejas, que têm sido muito gratificantes. Em São Paulo, realizamos uma proveitosa jornada com 27 colégios públicos e privados, que abordou educação e outras temáticas. Temos visto que é possível articular governos e organizações não governamentais para que este pacto educativo proposto pelo Papa Francisco possa ser concreto e real: criar espaços para o encontro e para vida.
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