Caminhos para a resistência

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Caminhos para a resistência

"Organizar a Resistência para a defesa de direitos e bens comuns" é o tema do seminário quer marca a Assembleia Geral 2016 da Abong

No marco da realização de sua Assembleia Geral 2016, a Abong – Associação Brasileira de ONGs, da qual o CENPEC faz parte, promoveu o seminário “Organizar a Resistência para a defesa de direitos e bens comuns”. A atividade, realizada em parceria com o jornal Le Monde Diplomatique Brasil, aconteceu na terça, 15 de março de 2016, no auditório da Fundação Escola Sociologia e Política (FESP). Representantes das organizações sociais de todo o país que fazem parte da Abong e integrantes de movimentos sociais e outros coletivos analisaram a atual conjuntura e refletiram sobre resistência.

As discussões tiveram início com a mesa O futuro que buscamos, a nossa utopia, que contou com as contribuições de Nalu Faria, da Marcha Mundial de Mulheres e de Sílvio Caccia-Bava, do Instituto Pólis e do Le Monde Diplomatique. Nalu, em sua fala, tratou da construção do processo de resistência ao avanço da globalização neoliberal. Para ela, o papel da mulher é central nesse processo. “Nós mulheres somos metade da população. Não há como pensar numa saída sem olhar para o processo do ponto de vista das mulheres. As mulheres sempre foram as mais aguerridas na defesa dos bens comuns. Como grupo social, ficaram mais de fora da dinâmica do mercado, desenvolvendo atividades baseadas no interesse do coletivo. Não adquiriram conhecimento ‘tecnologizado’ e mantiveram os conhecimentos tradicionais”, destacou.

No debate com a plenária, abordou-se a especificidade da condição da mulher negra, desde sua chegada forçada ao país, por meio da escravidão, ocupa lugares subalternos e sempre esteve no mercado de trabalho, tendo suas atividades precarizadas até hoje, apesar de avanços, como o aumento de mulheres negras nas universidades.

Já Caccia-Bava retomou o contexto de fundação da Abong, criada com o intuito de fortalecer a atuação coletiva das organizações da sociedade civil, em um momento do avanço de neoliberalismo e de fragilidade da democracia. Hoje esse tema e essa necessidade se recolocam diante aos fatos ocorridos nas últimas semanas no Brasil. Também destacou a importante conquista dos espaços participativos que dão voz aos cidadãos, como conselhos, fóruns, conferências, espaços que “devemos insistir em ocupar”.

Sobre os acontecimentos atuais, o editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil, provocou uma reflexão sobre a relação governo e mercado financeiro, que influi diretamente na vida política do Brasil, em detrimento dos direitos sociais da população. “A corrupção é um elemento sistêmico das empresas para conquistar o que as beneficiam. Em governos anteriores do PT temos denúncias de corrupção que nunca foram apuradas, como as realizadas no livro A pirataria tucana e as condições da compra do apartamento de Fernando Henrique Cardoso em Paris. A questão então não é a corrupção. Não é um problema de um partido, mas de todos. O sistema político atual não nos representa. Precisamos ter força e organização para mostrar ao conjunto da sociedade outras possibilidades e caminhos. Este é o caminho que se coloca”, finalizou.

Os movimentos sociais também estiveram presentes na atividade. A mesa Propostas e experiências de resistência na conjuntura atual, realizada na sequência, contou com a participação de Flávio Silva, da Frente Brasil Popular; de Mateus Lima, da Frente Povo sem Medo; de Nilza Iraci, da Marcha das Mulheres Negras; e de Cristiane Faustino, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

Foi um momento de apresentação e troca de experiências e estratégias, bem como de diálogo em torno de possíveis alternativas. Para Flávio Silva, da Frente Brasil Popular, “estamos vivendo um momento em que não dá conta só colocar gente na rua. Temos que introduzir entre os movimentos e entidades um debate estratégico. Precisamos pensar quais são os instrumentos necessários para a construção dessa narrativa”.

Matheus Lima, da Frente Povo Sem Medo, observou que o momento é de novos retrocessos: entrega do pré-sal, sinalização de privatização de empresas públicas, nova reforma da Previdência com um toque de perversidade (igualar o tempo mínimo de trabalho entre mulheres e homens). “Nossa leitura é de uma crise em seu significado mais profundo, de total esgotamento. Não é mais possível a política do ‘ganha-ganha’. É necessário um novo momento de enfrentamento”, defendeu.

Cristiane Faustino, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, por sua vez, lembrou que a sociedade brasileira se instituiu sobre processos de violência citando como exemplos a escravidão negra e o genocídio indígena. “E mais: essa sociedade foi forjada sobre a violência contra os corpos de mulheres negras e indígenas. A esquerda tem que entender que a questão racial e a questão das mulheres não é o de menos”, ressaltou.

O debate contou ainda com a contribuição do Movimento Passe Livre – MPL, protagonista das manifestações de junho de 2013 contra o aumento da tarifa do transporte público. Para o MPL, o acesso a direitos básicos como educação, saúde, trabalho e lazer, bem como o direito à cidade, passam pela garantia do direito ao transporte público gratuito e de qualidade. Vitor Quintiliano, ativista do Movimento, defende que “a conjuntura é resultado de uma situação econômica que se impõe somada à perda de credibilidade em um modelo político que talvez não esteja mais respondendo aos anseios populares”.

A despeito da diversidade de compreensões da realidade e dos caminhos possíveis diante dela, o Seminário produziu o consenso em torno da importância fundamental de lutar contra retrocessos e de defender o Estado Democrático de Direitos idealizado na Constituição de 1988. A pauta da Reforma Política foi mencionada algumas vezes durante o encontro como sendo uma das mais importantes reformas estruturais frente ao atual cenário.

Diante aos acontecimentos desta semana, a ABONG divulgou uma Nota Pública. Confira a íntegra:

NOTA PÚBLICA
É momento de resistência democrática!

A Abong – Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, que representa cerca 250 Organizações da Sociedade Civil (OSCs), em 23 Estados, e atua na defesa de direitos, da democracia e da justiça social, reunida em Assembleia Geral, vem a publico declarar sua profunda preocupação com os rumos que os processos políticos têm tomado na América Latina e, especialmente, no Brasil, onde governos legitimamente eleitos têm sofrido ataques dos grandes grupos econômicos e da grande mídia.

Para a Abong, a atual crise política é fruto da crise do sistema politico brasileiro, sequestrado pelo poder econômico por meio do financiamento empresarial das campanhas eleitorais e pela incapacidade do Estado brasileiro e do atual Governo Federal de ampliar mecanismos efetivos de participação social e popular.

Soma-se a esta crise de representação o fato de segmentos sem voto e, portanto, sem controle popular, como setores do sistema judiciário, dos meios de comunicação social e dos aparatos policiais, assumirem postura de partidos políticos, tentando sequestrar a frágil e recente democracia brasileira.

Embora profundamente crítica aos rumos que o governo Dilma tem escolhido, a Abong não pode compactuar com a tentativa de golpe, materializado pela ameaça de destituição de uma presidenta legitimamente eleita.

A Abong reitera sua posição sobre a necessidade de uma profunda reforma política, consubstanciada pela ampliação dos mecanismos de participação direta, da democracia participativa e pela reforma do sistema partidário com a eliminação do controle empresarial dos mandatos. Mais que isso, a busca por justiça fiscal, democratização do sistema de justiça e controle social sobre as concessões dos meios de comunicação.

Independente das posições políticas e ideológicas, a Abong conclama a sociedade para a luta conjunta pela democracia, valor estratégico para a construção de um país socialmente justo, igualitário, culturalmente diverso e ambientamente sustentável.

Nos juntamos aos movimentos e Organizações da Sociedade Civil em defesa das nossas conquistas, direitos e pela democracia, única forma real e efetiva de combater a corrupção estrutural num país profundamente desigual.

Não ao Golpe! Nossa luta continua!

Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns