Aulas por vídeo e rádio em territórios vulneráveis são tema da formação APC

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Aulas por vídeo e rádio em territórios vulneráveis são tema da formação APC

Caminhos e desafios para a educação remota foram temas abordados no módulo de Planejamento do Programa Apoio Pedagógico Complementar

Por Marina Almeida

O módulo de Planejamento do Programa Melhoria da Educação: Apoio Pedagógico Complementar (APC) trouxe para professores e técnicos/as das secretarias de Educação possibilidades para o ensino remoto por meio do vídeo ou rádio. Érica Catalani, coordenadora do programa no CENPEC Educação, conta que a estratégia é usar o audiovisual para aproximar os/as estudantes do conhecimento.

Imagem de Érica Catalani, coordenadora de projetos do CENPEC Educação.
Foto: Arquivo pessoal

Atuamos em um território onde há fragilidades quanto ao acesso dos/das alunos/as à Internet, aos computadores e aos celulares, fato que nos mobilizou a focar nas soluções simples para a produção de vídeos ou mesmo de áudios que proporcionem o contato do/a educador/a com o/a estudante.

Érica Catalani, coordenadora de projetos do CENPEC Educação

Ela ressalta que, durante a formação, o professor Carlos Lima, especialista em Educomunicação, mostrou o quanto esse contato é potente para a construção de vínculos afetivos, fundamentais no momento de isolamento social.

“Ele ponderou, ao mostrar as bases das linguagens utilizadas na criação de programas de rádio e videoaulas, que o mais importante é conversar diretamente com o/a estudante, conhecer seus interesses e necessidades e preparar conteúdos que possam estimular a curiosidade, a pesquisa e a investigação. Dessa forma, técnicos/as e professores/as não devem ter receio de errar ao preparar seus vídeos e áudios, pois o essencial é que sua voz e imagem encontrem os/as estudantes.”

Outras formas de chegar remotamente ao/à estudante na falta de acesso à Internet também surgiram durante a formação.

“A reflexão proposta considerou que, mesmo em regiões em que poucas famílias têm acesso à Internet, o rádio, a TV, o pendrive e o DVD podem ser utilizados para ajudar as crianças, jovens e adolescentes nas atividades impressas e aliados no ensino remoto.”

Confira a seguir uma entrevista com o formador Carlos Lima, em que ele discute as possibilidades do uso de vídeo em sala de aula, os desafios do professor nesse cenário de ensino remoto e traz dicas práticas para o trabalho docente. Ao final, leia também a reflexão de duas técnicas de Secretarias de Educação participantes sobre suas experiências com a formação.


Portal CENPEC Educação: Qual é a importância de formar professores/as na linguagem de vídeo?

Carlos Lima. Foto: reprodução.

Carlos Lima: A formação docente é chave para trazer uma cultura nova, a linguagem audiovisual, para a educação. Embora na sociedade ela já esteja incorporada há bastante tempo, no dia a dia de grande parte das escolas ainda é uma novidade. Portanto, faz muita diferença quando os/as professores/as aprendem a lidar com essa linguagem.

Além disso, ao trabalhar o audiovisual, entram em pauta outras questões relacionadas ao cotidiano pedagógico, como o planejamento e a roteirização de uma aula, que envolve:

  • a escolha dos conteúdos e a forma de apresentá-los aos/às estudantes;
  • a forma de acessar o canal de comunicação com os/as alunos/as para trazer informações, ou seja, a criação da ambiência antes de entrar no assunto propriamente dito.

Desse modo, a formação dos/das professores/as é fundamental, pois são eles/elas que criam janelas de oportunidade para descobrir maneiras melhores de construir o conhecimento com os/as estudantes.


Portal CENPEC Educação: Que dicas você dá a gestores/as e redes de ensino que desejam introduzir elementos da linguagem audiovisual na formação docente?

Carlos Lima: Minha dica é que os gestores provoquem os/as professores/as a trabalhar com propostas e projetos que envolvem a Educomunicação. Essa é uma área relativamente recente na Pedagogia, que veio justamente para aprimorar a relação dos docentes com as linguagens da comunicação. Ela se articula diretamente com propostas pedagógicas que focam na interdisciplinaridade, na participação, no protagonismo e na expressão criativa e comunicativa dos/das estudantes, em potencializar o conhecimento para chegar a mais pessoas…

Os gestores precisam encarar a Educomunicação como uma proposta da escola, que oriente os projetos dos/das docentes com os/as estudantes – como uma rádio escolar, um projeto de criação audiovisual por celular que desencadeie numa mostra de vídeos produzidos pelas turmas, um jornal comunitário, um blog ou outra rede social criada e mantida pelos/as estudantes junto com os/as professores/as para estabelecer a comunicação da escola com a comunidade.

Lembremos: a comunicação é fundamental nos dias de hoje e precisa ser desenvolvida na escola, melhor ainda quando podemos utilizá-la para promover as aprendizagens.


Portal CENPEC Educação: Tradicionalmente, o vídeo é usado nas escolas apenas como entretenimento, de forma pouco contextualizada e sem muita relação com o currículo praticado em sala de aula. Você percebe mudanças nessa forma de incluir a linguagem audiovisual na educação formal? Se sim, quais?

Carlos Lima: Eu vejo mudanças nessa maneira de trabalhar o audiovisual na educação em exemplos como o da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que tem o Núcleo de Educomunicação, que promove a formação docente para trabalhar com cinema, por exemplo. Essa é uma oportunidade de trazer a cultura cinematográfica com esses/as professores/as para trabalharem projetos com os/as estudantes.

Vejo diferenças também quando uma rede convida e estimula os/as professores a produzirem materiais audiovisuais. Com base nessa experiência, eles/elas vão para escola e criam estratégias para promover interações e produção de conhecimento coletivo.

Trago esses exemplos para evidenciar que a formação continuada dos/das professores/as na linguagem audiovisual é a chave para essa mudança, já que muitas vezes, na formação inicial, esses conteúdos não foram contemplados. Assim, as Secretarias de Educação precisam oferecer propostas de formação, trazendo educomunicadores e especialistas que podem refletir sobre esse conhecimento com os/as docentes, articulando-os à prática. Se há alguma resistência a inserir e trabalhar com essa linguagem na educação, ela pode estar relacionada a esse aspecto. Por isso, insisto: a chave da mudança é a formação.

Em relação à formação oferecida pelo Programa Apoio Pedagógico Complementar, focamos na escolha da criação de videoaulas, pois atende a uma demanda atual dos/das educadores: trabalhar remotamente com os/as estudantes. De forma análoga ao que defendemos para os/as estudantes, ao oferecer uma formação, é fundamental observar se os temas tratados serão relevantes aos/às docentes. É sempre importante se perguntar qual será o papel de determinado conteúdo para o trabalho dos/das professores/as.


Portal CENPEC Educação: Quais são os principais desafios de formar professores na linguagem de vídeo?

Carlos Lima: Os principais desafios para o/a professor/a produzir audiovisual e, no caso, uma videoaula para formação do/a estudante são: primeiro, vencer o medo que o/a professor/a tem de uma tecnologia que ele/ela não domina tão bem. Também são desafios a objetividade da videoaula e ter de aparecer diante de uma câmera, nem sempre as pessoas se sentem confortáveis com isso. Um outro aspecto tem a ver com o medo de que essas videoaulas possam substituir o trabalho que o/a professor/a desenvolve na aula presencial. São desafios que precisam ser superados.

Nosso papel foi o de mostrar que a produção audiovisual do/a professor/a é para ajudar o/a estudante, não precisa ser cinematográfica, ter qualidade profissional. Esse/a professor/a precisa fazer o vídeo de forma simples e fácil, para ter segurança e vencer as dificuldades. É importante lidar com a produção da videoaula como se fosse uma conversa com outra pessoa, com o/a estudante. As mesmas características da conversa com um/a amigo/a devem ser usadas para tratar dos temas escolares. Seja uma fórmula matemática, seja um conceito, uma boa conversa sobre esses assuntos deve começar com sua contextualização e aí passar para sua explicação. A objetividade também é importante. Não posso fazer vídeos com o mesmo tempo da aula, de até uma hora. O vídeo deve ter um minuto, dois até cinco.


Portal CENPEC Educação: Pode indicar algumas práticas e recursos que os/as professores podem explorar com seus estudantes para trabalhar com o letramento audiovisual, seja no ensino remoto, seja no presencial?

Carlos Lima: Comece com o simples. Use o celular para a criação e captura de imagens. O headfone, que usamos para ouvir música, pode funcionar como um microfone para captar melhor o áudio.

Para a edição de vídeo no próprio celular, sugiro o aplicativo FilmoraGo. É simples de usar e pode ser um recurso útil para editar o vídeo, mantendo o que for importante e cortando o que não for. Além da produção, ele permite socializar o vídeo nas mídias sociais, nos grupos de mensagens, como WhatsApp, entre outros.

Seria importante ter alguns recursos à disposição, por exemplo, para manter a câmera estável. Quem não tem um tripé, pode adaptar uma garrafa PET. Basta fazer um corte na garrafa no tamanho do celular, na horizontal, e encaixá-lo ali. Assim você consegue ter um suporte e a estabilidade necessária na imagem para fazer a sua videoaula, além de não precisar segurar o celular enquanto grava. Uma lâmpada ou abajour é o suficiente para prover a iluminação.

Para mais dicas, sugiro visitar algumas páginas. No Núcleo de Educomunicação da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo há informações sobre vários projetos nessa área. O site da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação também traz muitas informações. Vale a pena acompanhar o maior canal de produção audiovisual feita por estudantes de escola pública do Brasil: o Henfilmes, que tem 175 mil inscritos no YouTube e mais de 27 milhões de visualizações. Os filmes são muito legais e é interessante ver como os/as alunos/as produzem audiovisual e trabalham os conteúdos. Para saber mais sobre como abordar o cinema na escola, há o Grupo Cinema Paradiso, liderado pela professora Cláudia de Almeida Mogadouro, especialista nesse tema. O site traz muitas dicas para trabalhar com filmes na escola, além de alguns planos de aula. Por último, sugiro conhecer o Minuto escola: um curso inteiro no YouTube sobre a produção de vídeos.


Pilar (PB): videoaulas com mais qualidade e planejamento

Para Jeanne Karla de Pilar, pedagoga e orientadora educacional no município de Pilar (PB), foi importante aprender a produzir videoaulas e programas de rádio na formação, para poder orientar os professores da rede em tempos de atividades remotas e necessidade de mais recursos tecnológicos.

Imagem de Jeanne Karla de Pilar, pedagoga e orientadora educacional no município de Pilar (PB).
Foto: Arquivo pessoal.

Podemos falar aos professores com um pouco mais de propriedade sobre o assunto. Aprendemos que somos capazes de fazer e que esses recursos são fundamentais para o momento em que estamos vivendo. Também aprendemos que, por meio da videoaula, os alunos estarão mais próximos do conhecimento, já que seu próprio professor estará explicando os conteúdos e tirando suas dúvidas.

Jeanne Karla de Pilar, pedagoga e orientadora educacional no município de Pilar (PB)

Jeanne ainda destaca o conteúdo dos materiais recebidos sobre criação de videoaulas e programas de rádio, criação de roteiro, produção, recursos de captação de imagens do computador ou do celular e edição de vídeo.

Ela conta que em Pilar, alguns professores já vinham tentando realizar produções audiovisuais:

“A partir dos conhecimentos adquiridos na formação, com certeza, seus vídeos terão uma qualidade bem melhor e, com isso, proporcionarão melhores condições de aprendizagem aos alunos. Eles produziam, na verdade, sem a organização e planejamento adequados e agora, com base nos conhecimentos da formação, poderão utilizar os recursos aprendidos para aperfeiçoar seus trabalhos.”


São João dos Ramos (PB): a novidade do rádio para alunos digitais

Coordenadora na Secretaria de Educação de São José dos Ramos (PB), Maria da Glória Cardoso Domingues destaca o papel do rádio como veículo de comunicação democrático. “Na formação, aprendemos que as ondas eletromagnéticas permitem as transmissões em rádio sem precisar necessariamente de Internet. Trazer o rádio para a educação hoje é interessante, pois muitos jovens não usam esse veículo em seu cotidiano. Assim, o que para nós, professores, era conhecido e velho, para os estudantes pode ser uma novidade e um instrumento muito útil no contexto que estamos vivendo.”

“Além disso, o rádio permite um contato mais pessoal com os estudantes, que já conhecem a voz do professor. As aulas através desse veículo devem ser bem planejadas, para evitar repetições, prolixidade e buscar coesão e clareza nas informações.”

Ela conta que foi muito estimulante participar da formação. “A possibilidade de produzir mídia de forma simples e barata despertou em nós a curiosidade e o desejo de experimentar essas modalidades de produzir conhecimento: vamos tentar?”

Maria da Glória, que também é pedagoga e bióloga, ainda destaca a formação focada nas videoaulas:

Imagem de Maria da Glória Cardoso Domingues, coordenadora na Secretaria de Educação de São José dos Ramos (PB).

O vídeo, ao atrelar a voz à imagem em movimento, traz ainda mais possibilidades de comunicar, expressar e produzir conteúdos aos estudantes. O professor Carlos nos mostrou que é possível produzir novas práticas educativas experimentando essas linguagens e estimulando a participação coletiva dos alunos, o que é muito interessante.

Maria da Glória Cardoso Domingues, coordenadora na Secretaria de Educação de São José dos Ramos (PB)

Maria da Glória complementa:

“A mediação entre os estudantes e o recurso das videoaulas reforça a função pública e inovadora da educação. Existem inúmeras possibilidades que contribuem para a construção do conhecimento no contexto de ensino remoto que estamos vivendo. Especialmente o rádio e o vídeo promovem a valorização e o protagonismo dos estudantes na construção de sua trajetória de aprendizagem.”


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