A luta política contra Paulo Freire, o educador “subversivo”
Artigo do jornal El País recua até 1964 para mostrar como o método revolucionário de alfabetização do educador afetava o processo eleitoral e ameaçava a dominação conservadora
A chama da polêmica nunca apaga. Cinquenta e seis anos depois de desenvolver um método revolucionário de alfabetização e 22 anos após a sua morte, o professor Paulo Freire ainda é contestado por alguns no Brasil, ainda que reputado mundialmente como um dos maiores educadores da humanidade.
O ataque à figura pública de Paulo Freire e à sua célebre Pedagogia do oprimido é um elemento-chave na estratégia da extrema-direita política, que chegou à presidência da República com a eleição de Jair Bolsonaro.
Desde o início do governo, inúmeros porta-vozes dessa corrente trabalham para desqualificar o mestre pernambucano e impedir que sua obra siga tendo a ressonância que o levou a ser indicado como patrono dos educadores brasileiros.
Por que Paulo Freire é o patrono da educação brasileira?
A razão para esse combate, embora simples de compreender, é pouco difundida. Resume-se à ideia de educação conscientizadora. Uma educação integral, ampla, que leve o cidadão a não apenas se adestrar em linguagens e técnicas expressivas e em conhecimentos utilitários, para ser mão de obra submissa, mas que lhe permita a plena consciência de seu mundo, de seu papel nele e das injunções políticas, econômicas, sociais e culturais que o condicionam. Em suma: uma educação que lhe garanta autonomia na vida, capacidade de reflexão e tomada de decisão pelos próprios meios intelectuais.
Artigo do jornal El País Brasil publicado no último dia 22 de outubro ilustra bem a gênese do ódio a Paulo Freire, desenvolvido pelo conservadorismo brasileiro. Assinada pelo economista, sociólogo e educador Sérgio Haddad, ela traz um extrato de seu livro O educador: um perfil de Paulo Freire, publicado pela editora Todavia em 2019.
O texto “A prisão de Paulo Freire, ‘subversor dos menos favorecidos’, na ditadura” põe foco nos acontecimentos de 1964, quando foi derrubado o governo de João Goulart. O presidente estava por lançar um plano massivo de alfabetização, baseado no método de Paulo Freire. Veja alguns trechos:
Com lançamento previsto para 13 de maio, o Programa Nacional de Alfabetização seria extinto em 14 de abril, treze dias depois do golpe militar. O novo Governo aproveitou a ocasião para fazer duras acusações ao trabalho que Paulo e sua equipe vinham desenvolvendo; apontaram o material didático produzido como contrário aos interesses da nação e acusaram seus autores de querer implantar o comunismo no país.
Acabava ali o sonho de lançar 60.870 Círculos de Cultura para alfabetizar 1,8 milhão de pessoas ainda em 1964, 8,9% do total na faixa de quinze a 45 anos que não sabiam ler nem escrever. A preocupação maior de Paulo era agora com o imponderável, um futuro incerto e perigoso para ele e sua família diante de tais acusações e do clima de perseguição política que se instalara.
Ao extinguir o Programa Nacional de Alfabetização, os militares respondiam às pressões de parcela conservadora da sociedade brasileira que atacava e desqualificava o trabalho de Paulo Freire. As denúncias passaram a ser instrumento de luta dos partidos políticos que apoiavam o golpe contra as siglas ligadas ao ex-presidente João Goulart. Paulo viu sua situação se tornar cada vez mais complicada.
(…)
Ao mesmo tempo, também o debate sobre o voto do analfabeto voltou à tona nos meses que se seguiram ao golpe militar. Em um país que historicamente proibia o voto aos iletrados, o Programa Nacional de Alfabetização representava uma ameaça aos redutos políticos cativos nas eleições seguintes.
Em Sergipe, por exemplo, o Programa permitiria acrescer 80 mil eleitores aos 90 mil já existentes. Da mesma forma, em Recife, a iniciativa praticamente dobraria a quantidade de eleitores, elevando de 800 mil para 1,3 milhão o número de títulos. Projetados no cenário nacional, os exemplos demonstravam como o método do professor Paulo Freire, que propunha alfabetizar um iletrado em 40 horas, poderia alterar a correlação das forças políticas.”
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