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Cenpec,

São Paulo,

Junho, 2018

Foto: Daniel Castellano / SMCS

A base da Base –
os quatro modelos de currículo utilizados no País

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Pesquisa constata movimento de renovação dos currículos estaduais entre 2009 e 2014 e mostra as características de cada modelo. É importante conhecê-los para, com base na BNCC, construir currículos adequados à realidade das redes de ensino.

Antes mesmo de a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) ser homologada, em dezembro de 2017, as redes públicas já se mobilizavam para renovar ou criar os próprios documentos curriculares. A pesquisa do Cenpec Currículos para os Anos Finais do Ensino Fundamental: Concepções, Modos de Implantação e Usos, realizada em 2015, constatou essa mobilização nos sistemas estaduais para definir metas e objetivos de ensino e aprendizagem, detalhar a progressão e o compassamento dos conteúdos e definir intervenções no processo didático.

Definição de alguns termos
usados na pesquisa

Classificação – relações de poder e controle sobre o que é ensinado e aprendido e a maneira como os conteúdos de ensino são apresentados, por área de conhecimento, como uma lista geral de conteúdos ou lista de conteúdos organizada por período (bimestre, trimestre, semestre ou ano).

Compassamento – ritmo ou tempo supostamente necessário para que o aluno aprenda.

Discretização – divisão ou fragmentação de um todo em partes com menor complexidade.

Enquadramento – relações de poder e controle que influenciam o modo de conduzir os processos de ensino e de aprendizagem.

Modelos – são construções hipotéticas, de natureza teórica, que buscam esclarecer uma realidade concreta e diversificada.

A pesquisa analisou os documentos curriculares da segunda etapa do ensino fundamental de 22 estados e do Distrito Federal produzidos entre 2009 e 2014, usando como marco comparativo o estudo realizado em 2010 por Maria das Mercês Sampaio e colaboradores, no âmbito do Programa Currículo em Movimento, do Ministério da Educação (MEC). Na ocasião, esse grupo analisou a produção curricular dos estados entre 1998 e 2008. Os documentos analisados na pesquisa do Cenpec foram retirados do site das secretarias de Educação e, quando não encontrados na plataforma, foram solicitados diretamente.

Com esse estudo, foi possível apreender quatro modelos de documento curricular (matriz, currículo, proposta e diretriz), que serão analisados adiante. O modelo mais comum encontrado foi o de matriz curricular (15 dos 23 documentos). Uma das conclusões da pesquisa foi que quase a totalidade dos documentos analisados visa organizar a prática dos professores, mais do que transmitir concepções que orientariam a ação docente, como acontecia com os documentos anteriores ao período analisado.

Nesse material, é comum encontrar: um elenco de temas, conteúdos, competências, habilidades e expectativas de aprendizagem; indicações sobre maneiras de ensinar e avaliar; uma organização da progressão dos conteúdos no tempo; e uma determinação sobre o ritmo de aprendizagem que os alunos devem seguir. Enfim, um forte controle sobre os processos de ensino e aprendizagem. Há, ainda, ênfase numa concepção da ação docente – que supõe, em larga medida, que a atuação do professor possa se realizar de forma semelhante em distintos contextos – bem como uma forte articulação com avaliações externas.

Nesse momento em que estados, municípios e escolas se mobilizam para construir ou alinhar seus documentos à BNCC, conhecer os resultados dessa pesquisa poderá ajudar gestores públicos a avaliarem, conscientemente, os diferentes modelos, a fim de suprirem suas limitações e ampliarem as possibilidades educativas nas redes e nas escolas.

Intensa produção de currículos

No período estudado, houve investimento na produção de documentos curriculares, pois apenas dois estados não os possuem (Roraima e Ceará). O Rio Grande no Norte estava em fase de produção na época da pesquisa e, segundo informações obtidas em entrevistas com representantes das secretarias de Educação, cinco estados elaboravam novos documentos (Alagoas, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Santa Catarina) ou faziam a revisão de orientações anteriores (Amapá e Minas Gerais). Alguns já iniciaram o processo de implantação (Alagoas, Amapá e Minas Gerais).

A Figura 1 mostra as datas dos documentos: após o levantamento de 2009, 16 novos documentos curriculares foram elaborados (Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, São Paulo e Sergipe), sendo que dois deles estavam em processo de revisão ou substituição (Amapá e Alagoas, respectivamente).

Figura 1 - Ano de publicação dos documentos curriculares (dados de 2014)

Fonte: Cenpec (2015)

Foto: Valdecir Galor / SMCS

Modelos de documentos curriculares
e a relação com a prática de ensino

A pesquisa analisou os documentos curriculares de acordo com os seguintes aspectos:

  • grau de especificação de metas ou objetivos;
  • grau de explicitação de fundamentos e princípios;
  • maior ou menor ênfase em produtos ou em processos;
  • maior ou menor possibilidade de articulação com as avaliações externas;
  • grau de abertura à iniciativa de órgãos intermediários (diretorias ou regionais de ensino);
  • grau de detalhamento da progressão e do compassamento das aprendizagens.

Assim, os pesquisadores chegaram aos seguintes modelos (Figura 2):

  • Currículo
  • Matriz curricular
  • Proposta curricular
  • Diretrizes curriculares

Figura 2 - Modelos de documentos curriculares

Nota: pelo material disponível, não foi possível caracterizar o estado do Amapá. Fonte: Cenpec (2015).

Como um determinado documento pode apresentar traços conflitantes pertencentes a mais de um modelo, foram apreendidas as características predominantes de cada um na análise que virá a seguir.

Na Figura 3 e no Quadro 1, é possível visualizar os modelos e as características que os distinguem. Uma classificação forte (C+) indica a definição bem marcada de conteúdos (listagem, por exemplo). Quando a separação entre conteúdos e áreas de conhecimento é tênue (conteúdos não listados e apresentados sem uma delimitação clara nas áreas de conhecimento), trata-se de uma classificação fraca (C–).

O enquadramento é forte (E+) quando o documento curricular regula explicitamente o sequenciamento do conteúdo e o ritmo ou compassamento em que ele deve ser ensinado e aprendido. Caso contrário, é fraco (E–). No material analisado, o enquadramento tende a ser proporcional à classificação: forte para uma classificação forte e fraco para uma classificação fraca, pois está relacionado à condução dos processos de ensino e aprendizagem. Quando a classificação é forte, como no modelo currículo, a intervenção no processo didático e a articulação com avaliações externas são maiores, evidenciando enquadramento forte e não restando grandes margens de autonomia ao professor e à unidade escolar.

Figura 3 - Modelos de documentos e seus aspectos

Enquadramento* forte (E+)
Classificação* forte (C+)
Enquadramento fraco (E-)
Classificação fraca (C-)
Currículo Matriz curricular Proposta curricular Diretriz curricular
  • Maior especificação de metas.
  • Maior intervenção no processo didático.
  • Maior articulação com avaliações externas.
  • Maior detalhamento de progressão e do compassamento das aprendizagens.
  • Maior explicitação de fundamentos e princípios.
  • Maior abertura à iniciativa de órgãos intermediários e à escola na construção do currículo.
* Os conceitos de enquadramento e classificação são explicitados à frente. Fonte: Cenpec (2015).

Quadro 1 - Intensidade dos aspectos que definem os modelos de documentos

Aspecto Currículo Matriz curricular Proposta curricular Diretriz curricular
Grau de especificação de metas ou objetivos.
Grau de explicitação de fundamentos e princípios.
Ênfase em produtos ou em processos.
Possibilidade de articulação com as avaliações externas.
Grau de abertura à iniciativa de órgãos intermediários, bem como da escola e de seus agentes na construção do currículo.
Grau de detalhamento da progressão e do compassamento (ou do ritmo) das aprendizagens.
LEGENDA Muito baixo ou inexistente Baixo Alto Muito alto
Fonte: Cenpec (2015)

O modelo currículo tem maiores graus de especificação de metas e objetivos, detalhamento da progressão e do compassamento dos conteúdos, e de intervenção no processo didático, além de apresentar articulação com as avaliações externas. Já as diretrizes curriculares trazem maior explicitação de fundamentos e princípios, e maior abertura à iniciativa de órgãos intermediários (delegacias e diretorias de ensino), da escola e dos agentes na construção do currículo.

No outro extremo (diretriz), as fronteiras dos campos curriculares não estão bem delimitadas em nome da integração, possibilitando maior abertura à iniciativa de órgãos intermediários e à escola na construção do currículo.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

 

Entenda os quatro modelos

1. Matriz curricular

A maior parte (15) dos documentos analisados apresenta características do modelo matriz curricular. Essa expressão é usada com liberdade em relação à literatura pedagógica, já que, aqui, ela designa um modo de organização no qual a um elemento central são relacionados outros com grau maior de especificação. Geralmente, o conteúdo vem disposto em um quadro: de um eixo temático de uma disciplina decorrem os objetivos; deles, as expectativas de aprendizagem; delas, os conteúdos e assim por diante.

Essa parece ser a tendência dos documentos mais recentes, pois oito deles foram produzidos entre 2011 e 2014, três em 2010 e dois em 2009 (veja Tabela 1).

Tabela 1 - Documentos baseados no modelo matriz curricular, segundo o ano de formulação

Ano Unidades federativas Número de UFs
2005 Amazonas 1
2008 Paraná 1
2009 Espírito Santo 2
Tocantins
2010 Acre 3
Mato Grosso
Maranhão
2011 Sergipe 1
2012 Mato Grosso do Sul 2
Rio de Janeiro
2013 Bahia 4
Goiás
Piauí
Rondônia
2014 Distrito Federal 1
Fonte: Cenpec (2015)

Há uma busca de discretização ou discriminação do que deve ser aprendido, que vai do elenco das metas mais genéricas às mais específicas. Quatro documentos analisados definem os conteúdos por bimestre; dez, por ano/série; e um por segmento ou etapa da educação básica. Essa distribuição ao longo do tempo escolar busca criar uma progressão.

Embora a explicitação de fundamentação teórica e filosófica possa estar no modelo matriz curricular mais puro, na maior parte das vezes essa fundamentação não existe ou é sumária. O foco desse modelo recai na seleção daquilo que se deve ensinar e aprender, das metas a serem alcançadas e de indicações de como se deve ensinar e avaliar.

O documento de Mato Grosso está em um dos extremos por causa do menor grau de especificação e do alto grau de explicitação da fundamentação teórico-filosófica e didática. Já os do Piauí e do Acre encontram-se no extremo oposto, tratando daquilo que se deve aprender, ensinar e avaliar e da maneira como se deve ensinar.

Este modelo utiliza parte da própria matriz de currículo como matriz de avaliação de resultados de aprendizagem quando define as expectativas de aprendizagem ou o que deve ser aprendido, ou quando gera, com base nela, a matriz de avaliação. Essas são evidências que sugerem que os documentos curriculares podem estar relacionados, de algum modo, com o processo de avaliação externa.

2. Currículo

Apenas dois documentos se organizam com base nesse modelo. Ambos são recentes: o de Pernambuco, de 2012 (que tem certo hibridismo com o modelo matriz), e o de São Paulo, de 2010. Eles orientam os processos de ensino e aprendizagem de forma mais detalhada do que no modelo matriz. O currículo tende a ter:

  • maior grau de especificação de metas;
  • maior articulação com a avaliação de resultados de aprendizagem dos alunos;
  • menor grau de abertura à iniciativa da escola e de seus agentes na construção do currículo; e
  • maior grau de detalhamento da progressão e do compassamento.

Em São Paulo, os documentos também se caracterizam por atuar sobre resultados e processos. Os conteúdos e as habilidades aparecem por bimestres. Os cadernos dirigidos a professores e alunos são organizados em oito unidades e apresentados separadamente por ano/série, seguindo o padrão estabelecido pelo currículo. Para o docente, sugere-se a duração de cada unidade em semanas.

Esse modelo, ao incidir sobre o processo de ensino-aprendizagem e em um conjunto de instrumentos organizadores da ação do professor, possui menor grau de abertura à participação dos órgãos intermediários da rede de ensino, das escolas e dos docentes acerca do que deve ser efetivamente ensinado nas escolas. As atividades didáticas, a articulação entre períodos menores de tempo (bimestres e, no caso de São Paulo, também semanas), o estabelecimento de padrões de desempenho com base empírica e os programas de ensino neles baseados tendem a limitar a tomada de decisões curriculares pelos diferentes agentes, sobretudo se acompanhados de formas de supervisão e controle. Há, nesses documentos, instrumentos para isso, de forma a centralizar e padronizar a gestão do processo curricular. As matrizes, associadas às expectativas de aprendizagem e, no caso pernambucano, aos padrões de desempenho, proporcionam um alinhamento entre os documentos e as avaliações externas. Em Pernambuco, esse alinhamento é ainda mais forte, pois as expectativas e padrões de desempenho orientam tanto o reforço escolar quanto a formação continuada de docentes.

3. Proposta curricular

Quatro documentos se organizam predominantemente nesse modelo (Tabela 2), que aparece entre os mais antigos: nenhum deles é posterior a 2010, e dois foram analisados pela pesquisa realizada por Sampaio – o de Minas Gerais e o do Rio Grande do Sul.

Tabela 2 - Propostas curriculares por estados, tipos de progressão e ano

Unidade da Federação Ano Tipo de progressão
Alagoas 2010 Etapa/Níveis
Minas Gerais 2007 Sem especificação
Paraíba 2010 Variável
Rio Grande do Sul 2009 Variável
Fonte: Cenpec (2015)

Sua principal característica é não atribuir progressão aos conteúdos, como no caso de Minas Gerais, ou de apresentá-la para períodos de tempo escolar mais longos, em que as expectativas ou objetivos deverão ser alcançados ao término dos anos iniciais e finais do ensino, como em Alagoas. As propostas podem não indicar a progressão das aprendizagens de forma padronizada, demarcando-a em algumas disciplinas e não em outras, e com distintos recortes temporais, como nos documentos da Paraíba e do Rio Grande do Sul.

Mesmo que haja uma matriz – como ocorre em Minas Gerais –, a sugestão de que a progressão seja feita pelo professor e pela escola, em espiral, abre o documento à iniciativa das instâncias intermediárias, às unidades escolares e aos docentes, que adquirem autonomia para definir quando os conteúdos deverão ser retomados e em que grau de profundidade.

Algo semelhante ocorre com o documento de Alagoas, que traz apenas os objetivos finais de etapa ou do segmento de ensino. No Rio Grande do Sul e na Paraíba, esse grau de pressuposição da iniciativa de outras instâncias no detalhamento do currículo é ainda maior, dependendo da disciplina. No primeiro, em língua portuguesa, a apresentação das competências e habilidades é pouco detalhada, embora estas sejam explicadas num nível maior de profundidade do que na maior parte dos documentos.

São fornecidos exemplos de como fazer a progressão em ilustrações de “Planejamento de unidades didáticas: alguns cruzamentos possíveis a partir dos quadros de conteúdos por etapas e dos quadros das competências e habilidades”. Entretanto, nesses quadros, tanto conteúdos quanto competências e habilidades possuem um grau bem menor de detalhamento do que nos modelos tratados anteriormente, o que significa que os professores não apenas devem planejar as unidades didáticas, como também selecionar e discretizar conteúdos, competências e habilidades. Mesmo em outras áreas de ensino, nas quais os quadros de conteúdos são exaustivos, os exemplos de encaminhamento didático são mais gerais e se abrem à iniciativa dos professores.

O documento da Paraíba também não tem padronização: ora traz matrizes, ora listagens; ora as distribui por anos, ora não faz referências à progressão. A ênfase recai na apresentação dos fundamentos do ensino e do aprendizado das disciplinas, bem como de princípios teórico-metodológicos que orientam o uso da proposta no planejamento e na ação do professor. Já Minas Gerais e Rio Grande do Sul propõem uma apropriação de princípios teórico-metodológicos do ensino e do aprendizado das disciplinas da grade curricular, conciliando com uma definição que se pretende mais exaustiva da seleção dos saberes a ensinar e relativamente vaga das formas de progressão.

Esse modelo está voltado, predominantemente, para a formação dos agentes que colocarão o currículo em ação: os documentos fornecem uma base, mas não os elementos centrais (discretização, progressão, compassamento, intervenção no processo de ensino, articulação com avaliação de resultados de aprendizagem), que, associados, organizam o processo de transformação do documento em ação em sala de aula mediante um formato bastante específico.

4. Diretriz curricular

Apenas um documento, de Santa Catarina, de 1998, organiza-se segundo esse modelo. Ao contrário dos demais, ele não especifica conteúdos, padrões de desempenho e metas, nem procura intervir diretamente nos processos de ensino e aprendizagem. No extremo oposto do modelo currículo, trata-se, conforme Bernstein (1996), de uma proposição de fraca classificação e fraco enquadramento.

O foco desse modelo são as concepções teóricas que orientam o processo educacional e o ensino das disciplinas. Daí decorrem objetivos, conteúdos e diretrizes metodológicas em caráter genérico, princípios que orientam a ação da escola e dos docentes. A ação docente que dá base ao modelo é a de que a prática do professor resulta, fundamentalmente, de suas convicções teóricas.

Assim, se no currículo o processo curricular é visto com maior intervenção no processo didático, especificação de metas e detalhamento da progressão e do compassamento das aprendizagens, aqui se está no extremo oposto e parece sugerir maior abertura à iniciativa de órgãos intermediários e à escola na construção do currículo. Sendo pouco prescritivo sobre o que ou como ensinar, o processo curricular aparece remetido fundamentalmente à prática de ensino e à relação pedagógica entre professores e alunos, espaço em que se dará, efetivamente, a seleção de conteúdos, a progressão e o compassamento, com base nas concepções teóricas assumidas conjuntamente pela rede de ensino.

Foto: Jaelson Lucas / SMCS

Centralização e obrigatoriedade

A análise dos documentos feita na pesquisa evidencia o esforço das redes estaduais e distrital de centralizar e padronizar os processos curriculares na busca por padrões de qualidade. É importante notar que o conceito de qualidade, em muitos casos, está atrelado ao desempenho dos alunos, que é medido nas avaliações externas. Daí o alinhamento das políticas curricular e de avaliação, por vezes usando as mesmas matrizes, e o maior grau de intervenção sobre a organização dos processos de ensino e aprendizagem.

A predominância dos modelos matriz e currículo, os mais prescritivos dos quatro, em busca dessa padronização, retira das escolas e dos órgãos intermediários a possibilidade de definir o que e como ensinar. Muitos documentos não assumem essa obrigatoriedade. Alguns tentam atribuir às escolas o papel de formular os próprios currículos, porém, a natureza compulsória fica demonstrada na fala dos técnicos das secretarias entrevistados. O foco maior no controle dos processos de ensino e aprendizagem também remete a uma concepção do papel docente em que o professor deixa de ser o profissional que age segundo concepções gerais para ser aquele que atua de acordo com uma estrutura explícita fornecida, predominantemente, pelos modelos currículo e matriz.

Foto: Fotolia

 

Que modelo usar?

A educação e os processos de ensino e aprendizagem ocorrem sempre em situações ímpares: em certa sala, de uma determinada escola, envolvida por uma dada comunidade e numa rede de ensino cujas características são, por sua vez, decorrentes do tipo de população que atende, de uma forma própria de gestão e da capacidade de recrutar e manter bons educadores.

Por essa razão, modelo algum é bom em si mesmo. A opção por um ou outro depende do contexto em que o documento curricular será elaborado e adotado. Modelos menos estruturados e que pouco definem metas parecem ser adequados a redes em que há maior grau de autonomia das escolas e dos docentes, o que pressupõe uma sólida formação dos educadores, adequadas condições de trabalho e desenvolvimento profissional. Afinal, caberá a eles e ao conjunto da rede tomar as iniciativas. Isso demanda não apenas o conhecimento daquilo que se ensina, mas também o domínio da transposição didática. Em síntese, é preciso dispor de quadros técnicos que possam fazer esse tipo de currículo entrar em ação. O modelo exige também maior organização da própria rede e formas de colaboração entre docentes e, especialmente, entre escolas.

Já os modelos mais estruturados, por sua vez, servem a contextos em que é preciso estabelecer padrões muito claros e que contribuam para a construção de certa homogeneidade. Parecem ser os escolhidos onde há grande desigualdade entre escolas de uma mesma rede ou em situações em que a rede está em processo de estruturação, com processos de recrutamento de educadores mais amplos e menos seletivos.

Somente uma rigorosa análise do contexto de uma rede – suas necessidades e aspirações, possibilidades e limitações – auxiliará gestores e educadores a transformar as orientações da BNCC numa boa ferramenta para organizar as práticas educativas da escola por meio de orientações e prescrições. É importante ter em mente, por fim, que a BNCC e os currículos que serão elaborados com base nela mudarão, em alguma medida, esse mesmo contexto. Por isso, é necessário lembrar sempre que currículos são realidades vivas, que precisam se transformar com o próprio uso, em função das mudanças no contexto e das adaptações e transformações que os educadores a ele impõem, no coração da sala de aula, quando dele se apropriam.

Foto: Paula Froes / GOVBA

 

Referências

BATISTA, Antônio Augusto Gomes et al. Renovação dos documentos curriculares dos anos finais do ensino fundamental nos estados brasileiros: (2009-2014). Cadernos Cenpec, São Paulo, v. 5, n. 2, p.138-165, jul./dez. 2015. Disponível em: http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/336/333. Acesso em: 28 maio de 2018.

BERNSTEIN, Basil. A estruturação do discurso pedagógico: classe, códigos e controle. Petrópolis: Vozes, 1996.

CENPEC. Currículos para os anos finais do ensino fundamental: concepções, modos de implantação e usos: relatório final. 2015 (mimeo). Disponível em: http://www.cenpec.org.br/2015/09/20/relatorio-final-curriculos-para-os-anos-finais-do-ensino-fundamental-concepcoes-modos-de-implantacao-e-usos. Acesso em: 12 maio de 2016.

SAMPAIO, Maria das Mercês F. (Org.). Relatório de análise de propostas curriculares de ensino fundamental e ensino médio. São Paulo; Brasília: MEC/SEB, 2010.

 

 

 

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