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Cenpec,

São Paulo,

Agosto, 2016

Fotos: Mariana Chama

Melhoria do desempenho em Língua Portuguesa no ensino fundamental no Ceará é acompanhada de melhoria da equidade entre os alunos

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Política pública em que o Estado apoia os municípios nos primeiros anos do Ensino Fundamental aumenta o nível de aprendizagem e a equidade entre os alunos

O Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic), cujo foco é alfabetizar todos os alunos até os 7 anos de idade, pode ser apontado como um dos responsáveis pela melhoria dos indicadores educacionais no estado do Ceará. De 2007 até 2011, os alunos da primeira etapa do Ensino Fundamental, pobres ou não, tiveram um aumento na proficiência em Língua Portuguesa. O impacto médio do Paic varia de 9 a 11 pontos percentuais (p.p.) e, em escolas cuja maioria dos alunos é pobre, há um impacto adicional que varia entre 2 a 6 p.p..

A pesquisa feita pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) permite afirmar que a grande contribuição do Paic foi desenvolver e implementar ações consideradas fundamentais para a promoção da equidade escolar – situação em que todos os alunos, independentemente da situação de origem, atingem níveis adequados de resultados, entre eles a aprendizagem em Língua Portuguesa –, que será detalhada mais adiante.

As principais iniciativas relacionadas àquele programa foram:

  • implementação de um sistema de monitoramento da aprendizagem de cada aluno;
  • planejamento e acompanhamento nas escolas;
  • indução de reorganização de processos nas redes municipais;
  • formação de professores;
  • uso de material estruturado;
  • implementação de políticas para a educação infantil;
  • interpretação pedagógica dos resultados das avaliações externas na rede para correção de rumos; e
  • apoio adicional aos municípios com resultados mais baixos.

A implementação simultânea dessas ações nas redes municipais cearenses só foi possível por meio de uma política pública batizada, em outras pesquisas do Cenpec (PADILHA; BATISTA, 2013) de “descentralização orquestrada”, na qual os municípios assumiram a responsabilidade pelo ensino, por meio da municipalização da educação infantil e do ensino fundamental, mas o estado assumiu um papel de indutor de políticas e de acompanhamento de resultados.

 

Histórico da evolução dos dados

Até 2005, os indicadores educacionais do Ceará acompanhavam a trajetória da Região Nordeste, que apresenta índices menores que os do país (veja figura I). Porém, a partir de 2007, a média do estado começou a se descolar da média regional e, em 2013, praticamente alcançou a nacional (veja figura II), crescendo 26% até 2013. Nesse mesmo período, a média nordestina subiu 16% e a brasileira, 13%.

Figura I - Médias de proficiência em Língua Portuguesa no Saeb - 4ª série do ensino fundamental - escolas urbanas municipais

Fonte: Inep, 2007.

Nota: não há média para as escolas urbanas estaduais em 2003.

Figura II - Médias de proficiência em Língua Portuguesa na Prova Brasil/Saeb - 4ª série do ensino fundamental

Fonte: Inep, 2015.

Nesse período, o Ceará mais que dobrou o percentual de alunos que atingiram 200 pontos ou mais na escala do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), sendo que as crianças de menor poder aquisitivo apresentaram maior crescimento (veja tabela I). O nível de 200 pontos é considerado um patamar adequado para o conhecimento em Língua Portuguesa, segundo definição do Movimento Todos Pela Educação (TPE), que usa como base o desempenho médio dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A proficiência em Matemática e a taxa de aprovação nos anos iniciais do Ensino Fundamental também subiram no Ceará, resultando no crescimento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) da rede pública em 78% entre 2005 e 2013, enquanto o do Nordeste e do Brasil subiram, respectivamente, 52% e 36% no mesmo período.

Tabela I - Médias e percentual de alunos que atingiu 200 pontos ou mais na Prova Brasil, por classe econômica de acordo com o Critério Brasil, no Ceará e outros estados do Nordeste

Classe Ceará Nordeste sem Ceará
Média % com 200 pontos ou mais
Média % com 200 pontos ou mais
2007 2011 Var. % 2007 2011 Var. % 2007 2011 Var. % 2007 2011 Var. %
A ou B 164.1 187.1 14.0 17.5 36.6 108.7 164.2 175.4 6.8 17.3 25.9 49.7
C1 165.8 189.2 14.1 18.9 38.7 104.8 163.5 174.1 6.5 16.3 24.9 52.8
C2 163.5 184.6 12.9 16.7 34.4 106.0 160.5 169.7 5.7 13.6 20.8 52.9
D 155.2 176.2 13.5 11.1 26.4 137.2 154.5 161.5 4.5 9.6 14.4 50.0
E 144.9 164.6 13.6 7.0 18.3 161.0 146.3 153.3 4.8 6.5 9.6 47.7
Todos 159.2 183.4 15.2 14.2 33.0 133.0 158.4 169.0 6.7 12.7 20.5 61.4

 

 Fonte: Elaboração própria com dados da Prova Brasil/Inep.

 

O conceito de equidade

Para Vanda Mendes Ribeiro (2014), que estudou as teorias do pedagogo belga Marcel Crahay e do sociólogo francês François Dubet sobre o tema, o conceito de equidade se baseia na ideia central de que a meritocracia é um princípio de justiça incompatível com o ensino fundamental – que é um direito – e de que há correlação entre a desigualdade social e a escolar. Portanto, a criança, sozinha, não teria governabilidade sobre o próprio rendimento acadêmico de forma independente da situação socioeconômica de origem. Isso faz com que apenas o talento não seja um bom preditor da distribuição de conhecimento.

Dubet e Crahay apregoam um princípio de justiça diferente para a escolarização básica: a igualdade de base ou de conhecimentos adquiridos. Isso quer dizer que todas as crianças, na Educação Básica, devem ter acesso garantido ao que a sociedade definiu como o necessário de ser aprendido, para que tenham dignidade, autoestima e trajetória escolar garantidas sem turbulências, diminuindo assim a correlação entre desigualdade escolar e social. Para o filósofo americano John Rawls (1921-2002), um princípio de justiça como a equidade – descartando-se o foco no talento como única base de legitimidade nas distribuições de bens – é o que garante a cooperação na sociedade contemporânea, propícia à produção contínua de desigualdades, mas também aberta a admitir como legítimas as lutas e os direitos por sua diminuição.

Para nenhum desses pesquisadores, isto significa descartar o princípio da meritocracia em níveis mais avançados da escolarização. Não significa tampouco abandonar o ideal do mérito. Segundo François Dubet (DUBET, 2009), por exemplo, o mérito é um ideal necessário, que impede as sociedades a basear as posições sociais e o valor dos indivíduos em critérios como a família ou casta. Usá-lo, porém, quando o que determina o rendimento dos alunos é sua origem social e as condições de ensino, como ocorre nos níveis iniciais de ensino, é uma ilusão que mascara a ação de processos sociais, que distribuem de modo desigual recursos econômicos e culturais que garantem o sucesso escolar.

O Paic e a equidade

Originalmente, o objetivo do estado do Ceará era alfabetizar todos os alunos das redes públicas de ensino até os 7 anos de idade. Esse foco está atrelado à história do programa, que tem origem em 2004, com o Comitê Cearense para Eliminação do Analfabetismo Escolar (CCEA). Presidido pela Assembleia Legislativa e com a participação de universidades e instituições da sociedade civil, o Comitê realizou uma pesquisa para avaliar o nível de alfabetização de alunos da 2ª série do Ensino Fundamental e constatou que apenas 15% das crianças estavam alfabetizadas. O resultado nada satisfatório mobilizou atores diversos, incentivou a articulação de uma rede de parceiros para buscar e experimentar soluções (GUSMÃO; RIBEIRO, 2011) e gerou o Paic, cujo objetivo foi oferecer, por meio do estado, apoio aos municípios cearenses no combate ao analfabetismo escolar. Em 2007, a Secretaria de Estado da Educação assumiu a liderança. A política implantada até 2010 baseou-se tanto nas experiências da primeira fase do programa como nas do município de Sobral, que adotou medidas semelhantes no começo dos anos 2000.

Foram desenvolvidas ações em cinco eixos: gestão da educação municipal, avaliação externa, alfabetização, formação do leitor e políticas para a Educação Infantil. Elas foram se concretizando, no decorrer do tempo, por meio de encontros de formação, acompanhamento técnico a distância e presencial nos municípios e nas escolas e disponibilização de instrumentos e materiais pedagógicos. Todos os municípios do estado aderiram e os considerados prioritários (aqueles com os resultados mais baixos) tiveram apoio reforçado. Importante mencionar que, em 2007, o Ensino Fundamental 1 já estava quase que universalmente municipalizado no Ceará. As ações propriamente ditas começaram em 2008.

 

Ações de monitoramento

Segundo Ribeiro (2014), para que os melhores níveis de equidade sejam alcançados, deve haver vigilância tanto dos processos de implementação da política que geram a distribuição do bem social educação escolar como também dos resultados – ou seja, daquilo que é distribuído. A autora afirma que, com os conflitos de interesse, não há garantia de que uma política pública seja executada tal qual prevista inicialmente. Por isso, se o desenho inicial objetiva a distribuição entre todos, é fundamental que haja vigilância sobre os processos e cotejamento deles frente aos resultados, para que haja remanejamentos e correção de rumos.

O Paic congrega ações de vigilância, tanto dos processos de implementação quanto dos resultados. Há ações de planejamento e acompanhamento nas escolas, nas secretarias municipais, nas Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da Educação (Credes) e na Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem), área da Secretaria Estadual de Educação (Seduc) responsável pelo programa. Prevê-se uma cadeia de vigilância com apoio para reestruturação de ações que parte da Seduc, intermediada pelas Credes e Secretarias Municipais, e chega às escolas e salas de aula. Na Seduc, a Copem conta com técnicos que dividem a atuação nos cinco eixos do programa. Eles realizam a formação dos técnicos das Credes que, por sua vez, fazem formação das equipes das redes municipais.

A Seduc ainda complementa o salário dos técnicos da secretaria municipal que trabalham diretamente na estruturação desses órgãos e nas escolas para a implementação do Paic. Os técnicos da Seduc visitam os municípios que apresentam mais dificuldade em cumprir as metas, envolvendo prefeitos e secretários. Os dados do município são mostrados e buscam-se acordos com vistas à correção dos problemas.

O sistema de monitoramento do Paic conta com (SEDUC-CE, 2012):

  • a Prova Paic, que avalia leitura e escrita e é aplicada no início do ano;
  • os exames do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Estado do Ceará (Spaece-Alfa), que ocorre no final do ano letivo; e

Depois de aplicadas junto aos alunos, as provas têm os resultados interpretados pedagogicamente para a verificação de problemas e a correção de estratégias de ensino.

As informações aqui apresentadas indicam que o conjunto de ações do Paic se aproxima do que Crahay chama de “sistema de pilotagem”. Para ele, a promoção de uma escola mais equitativa exige o estabelecimento das competências que os alunos precisam adquirir e que quando os professores não organizam o ensino em torno delas, os alunos apresentam dificuldades para adquiri-las.

Porém, o estabelecimento das competências não é suficiente e deve ser acompanhado de uma regulação da ação dos professores por meio de um dispositivo (sistema de pilotagem) focado no acompanhamento da aprendizagem das competências pré-definidas. Esse sistema prevê a avaliação externa, que gera uma interpretação relativa ao que cada aluno aprendeu e em que ponto estão as dificuldades de cada um em relação ao previsto. Esses resultados devem chegar até o professor, de modo que ele possa adotar medidas para solucionar os problemas e corrigir os rumos. Crahay afirma ainda que “conselheiros” podem apoiar os professores na tarefa de analisar os resultados dessas avaliações e implantar os ajustes pedagógicos necessários.

Com essas ações, o Paic contribuiu para ampliar a equidade no Ceará para os alunos da primeira etapa do Ensino Fundamental, ajudando a aumentar a proporção de alunos que atingiram o desempenho mínimo em Língua Portuguesa, principalmente em escolas com maioria de alunos pertencentes a famílias de baixo poder aquisitivo.

Cabe lembrar, ainda, que a região Nordeste, sem o Ceará, também melhorou, porém bem menos que o Brasil, e o percentual de estudantes com proficiência apropriada ainda é muito baixo tanto no Nordeste quanto no Ceará, demonstrando o desafio que existe em torno da equidade.

 

Informações sobre a pesquisa

Este informe compartilha achados da pesquisa Equidade e políticas de melhoria da qualidade da educação: os casos do Acre e Ceará, que tem como objetivo investigar se e como as políticas educacionais implantadas nos dois estados explicam a evolução de indicadores que refletem a qualidade e a equidade na Educação no Ensino Fundamental.

O estudo avaliou o impacto do Paic sobre as chances de um aluno atingir um desempenho adequado em Língua Portuguesa usando o método chamado de diferenças em diferenças. Foi constatado que houve melhoria de equidade no Ceará, pois o Paic ajudou a aumentar a proporção de alunos que atinge o desempenho adequado, especialmente em escolas com maioria de alunos pobres.

Foram usados dados da Prova Brasil 2007 e 2011 e também do Censo Escolar 2008 e 2011.

 

Referências

DUBET. F. Les dilemmes de la justice. In: DEROUET, Jean-Louis; DEROUET-BESSON, Marie-Claude (Éd.). Repenser la justice dans le domaine de l’éducation et de la formation. Lyon: Peter Lang, 2009. p. 29-46.

GUSMÃO, Joana Buarque de; RIBEIRO, Vanda Mendes. Colaboração entre estado e municípios para a alfabetização de crianças na idade certa no Ceará. Cadernos Cenpec, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 9-34, dez. 2011.

PADILHA, Frederica V. Q.; BATISTA, Antônio Augusto Gomes. Evolução dos indicadores educacionais no Ceará: os anos finais do ensino fundamental. São Paulo: Cenpec, 2013. (Informe de Pesquisa n. 4.)

RIBEIRO, Vanda Mendes. Que princípio de justiça para a educação básica? Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 44, n. 154, p. 1094-1109, out./dez. 2014.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO CEARÁ (SEDUC-CE). Regime de colaboração para a garantia do direito à aprendizagem: o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC) no Ceará. Fortaleza: Secretaria Estadual de Educação, 2012. 196 p. Disponível em: <http://www.paic.seduc.ce.gov.br/images/biblioteca/livro_regime_de_colaboracao.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2015.

Veja outros estudos da Coordenação de Desenvolvimento de Pesquisas do Cenpec sobre a política educacional cearense e seus resultados:

Os municípios e a qualidade das escolas na segunda etapa do ensino fundamental. Informe de Pesquisa (Cenpec) n. 1, maio 2011. Disponível em: http://www.cenpec.org.br/2015/07/13/informe-de-pesquisa-no-1/

Qualidade e equidade no ensino fundamental público do Ceará. Artigo publicado na Cadernos Cenpec, v. 3, n. 1, jun. 2013. Disponível em: http://www.cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/215/235.

Evolução dos indicadores educacionais no Ceará: os anos finais do ensino fundamental. Informe de Pesquisa (Cenpec) n. 4, ago. 2012. Disponível em: http://www.cenpec.org.br/biblioteca/educacao/informes-de-pesquisa/informe-de-pesquisa-n-4-evolucao-dos-indicadores-educacionais-no-ceara-os-anos-finais-do-ensino-fundamental.

Qualidade e equidade no ensino fundamental público do Ceará. Informe de Pesquisa (Cenpec) n. 8, nov. 2014. Disponível em: http://www.cenpec.org.br/biblioteca/educacao/informes-de-pesquisa/informe-de-pesquisa-n-8-qualidade-e-equidade-no-ensino-fundamental-publico-do-ceara.

 

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